quinta-feira, 30 de junho de 2011

Utilizando NOTAS na Avaliação do Ensino

Devemos usar notas na Avaliação do Ensino?
Frank V. Carvalho

Ao longo de muitos anos várias propostas tem sido apresentadas para cada uma das múltiplas faces da Avaliação, buscando torná-la mais produtiva, rica e interessante para todos os participantes do processo. Entretanto, quando se fala de notas ou de mensuração dos resultados, várias questões vêm à cabeça dos educadores. E é justamente sobre este item que nos aprofundaremos neste texto.

O que é a nota na avaliação do ensino e o que ela representa?

De maneira clara, a nota ou as notas (números) ao final do processo de avaliação não são o resultado da avaliação. A nota, neste caso é apenas uma representação numérica de uma medida (padronizada para aquele fim) ligada ao processo de avaliação. Desta forma, não se pode dizer que “o resultado de fulano é “7,5 (sete e meio)”. Esta nota é apenas uma mensuração agregada a um sistema de avaliação.

O resultado da avaliação, no que diz respeito ao aluno, é aquilo que ele foi capaz de demonstrar e ao mesmo tempo, aquilo que os instrumentos de avaliação puderam verificar com relação ao conhecimento proposto.

Outro aspecto importante é notar as conseqüências diretas do uso de um padrão numérico para determinar ou medir performances acadêmicas. Primeiramente, a nota estabelece de maneira prioritária, critérios de classificação comparativa. Em virtude de se trabalhar através de escalas decimais ou assemelhadas, a classificação inerente a esses sistemas levará a uma comparação que reprimirá aqueles que tem naturalmente mais dificuldades. A nota representa claramente uma medida padronizada de performance. E como medida, de forma natural, há uma desconsideração pelas diferenças. Não poderíamos esperar uma outra coisa, pois toda comparação de mensurações visa determinar ou acentuar as diferenças. E assim, mensurações produzem classificações de forma direta e inevitável.

Um segundo ponto, igualmente importante, é o fato da nota levar à busca da nota em virtude dela mesma (a nota pela nota), e não em função do conhecimento a ser alcançado.

A terceira argumentação iria na direção de que, ao gerar comparação de performances, a nota estimula diretamente a competição. E a competição, quando ligada à aprendizagem traz muito mais prejuízos do que benefícios.

Em quarto lugar, a nota torna-se um prêmio oferecido ao estudante. A visão de prêmio ou premiação que, se existisse, deveria estar ligada às habilidades e aos conhecimentos adquiridos, passa a estar ligada ao prêmio maior: tirar boas notas em função do “prêmio maior”: passar de ano. Para Chevallard, no que tange aos professores de Matemática do Ensino Médio:

““(...) As notas fazem parte de uma negociação entre o professor e seus alunos ou, pelo menos, de um arranjo. Elas lhe permitem faze-los trabalhar, conseguir a sua aplicação, seu silêncio, sua docilidade em vista do objetivo supremo: passar de ano. A nota é uma mensagem que não diz de início ao aluno o que ele sabe, mas o que pode lhe acontecer ‘se continuar assim até o final do ano’.” (CHEVALLARD, 1986:31-59)

Um quinto ponto: as notas estão ligadas a um processo social e cultural de se apontar o “melhor”, o “maior”, o “mais rápido”, o “mais eficiente”. A conseqüência direta disso é que também haverá aqueles que não conseguem alcançar um padrão tão elevado (quando em comparação direta com outros). Logo, estes (os que não se classificarem tão bem) serão os “piores”, os “fracos”, os “lentos”, os “deficientes”. E isto inevitavelmente trará rotulações.
O sexto e último ponto é aquele do qual fizemos referência inicialmente. A nota estabelece critérios de performance comparativa desconsiderando as diferenças individuais. A nota “8 (oito)” que um determinado aluno consegue é às vezes o “melhor” que ele pôde fazer em relação à sua capacidade e maturação cognitiva e psicomotora. Se agregarmos a isto as diferentes qualificações individuais, com relação às aptidões e diferentes inteligências, um sistema de notas será injusto ao não agregar justificativas e descrições detalhadas dos motivos daquela performance. Numa perspectiva dualizante, ao mesmo tempo em que enfatizamos as diferenças individuais na teoria das múltiplas inteligências, insistimos em utilizar uma “régua padrão” para mensurarmos o aprendizado dos alunos. Ora, se somos diferentes, se aprendemos de maneira e ritmos diferenciados, como podemos ser mensurados à luz de um padrão único que é sistema de notas? Zabala afirma que “o objetivo do ensino não centra sua atenção em certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada um” (ZABALA, 1998:197).

A favor da nota entrariam alguns pontos defendidos pela escola contemporânea:
- Ela é um referencial padrão de aproveitamento escolar, tanto para os alunos, como para professores e pais.
- A nota em si, não é boa, nem má, ela é apenas um padrão numérico.
- As notas dão ao sistema praticidade e agilidade.
- As classificações existem em tudo na vida moderna. O fato dela acontecer também na escola, através das notas, é apenas uma maneira de colocar os alunos em contato com a realidade da sociedade.

A despeito disso, alguns autores mostram sua preocupação com o uso das notas. Gronlund afirma:

O estabelecimento de padrões absolutos de desempenho para cada área instrucional tem grande solicitação, mas apresenta dificuldades. Primeiro, existe pouca evidência empírica para orientar o estabelecimento de padrões... Também, como se observou antes, estes (os padrões) são antes medidas rudimentares de aprendizagem que não proporcionam informação detalhada quanto aos resultados específicos da aprendizagem. (GRONLUND, 1979:21)

Gronlund apresenta a grande solicitação para a utilização de referenciais padronizados para a mensuração dos resultados. Sua primeira colocação é na direção de que seria dispensável a mensuração, pois há pouca evidência em termos de pesquisa prática sobre a sua utilidade. Ele adiciona que essas são medidas que deixam muito a desejar no que diz respeito a um relatório do desenvolvimento específico da aprendizagem. Sem dúvida, pois números ou classificações como letras(com sentido classificatório numérico) não detalham procedimentos e resultados específicos. Embora Gronlund não se posicione frontalmente contrário ao sistema de notas e mensurações quantitativas, ele afirma que “a mensuração do crescimento do aluno é uma tarefa complexa a ser desenvolvida. Os ganhos do rendimento que refletem o crescimento da aprendizagem podem ser contaminados e distorcidos por vários fatores.” (GRONLUND, 1979:20)

White, sobre o assunto da avaliação afirma:

“O sistema de avaliação que visa reprimir não é sábio. Eu sei que outros sistemas podem ser descobertos tão logo nossos educadores tenham aprendido os verdadeiros princípios da educação.” (WHITE, 1976:211)

Como vimos anteriormente, um sistema de notas, por estabelecer e gerar critérios de classificação comparativa, certamente irá reprimir aos que tem mais dificuldades. White fala de um sistema que impede o progresso dos alunos. Sistemas que não tem como enfoque a aprendizagem ou o real progresso - poderíamos afirmar que alguns sistemas levam (os professores e os estudantes) a uma busca de resultados quantitativos (notas, pontos, prêmios, etc.) pelos resultados em si, e não pelo valor do conhecimento e da aprendizagem; a previsão de que outros sistemas (de estratégias de avaliação e até mesmo de metodologias educacionais) poderiam ser descobertas mostra a humildade da escritora em reconhecer que no futuro caminhos melhores seriam encontrados.
Finalmente, “Verdadeiros princípios da Educação” - A verdadeira educação é a formação integral do ser humano - aspectos afetivos, sociais, espirituais, físicos e mentais - uma educação integral visa também todo o período possível da existência humana. A compreensão plena dos verdadeiros princípios da educação traz um novo enfoque para a educação e uma mudança de referenciais - uma preocupação e prática transcendentais.

Edward Deming embora não atuasse de maneira direta na área da educação, afirmou:

Dar nota na escola é uma tentativa de alcançar qualidade através da inspeção. Nenhuma melhoria notável acontecerá até que nossas escolas venham a abolir as notas, do maternal à Universidade. Ao receber notas, os alunos colocam ênfase nas notas, não na aprendizagem. O grande dano das notas é forçar a classificação, o ordenamento... Nossas escolas devem preservar e alimentar o anseio de aprender, com o qual todos nascem. A alegria no aprender não vem tanto do que é aprendido, mas do próprio aprender.” (DEMING, 1994)

Deming confirma o pensamento de outros autores: as notas forçam a classificação, gerando competição, rotulação e segmentação. O enfoque é deslocado da aprendizagem e seus resultados para algo externo à ela, a nota, que acaba sendo vista como um prêmio. Progresso real só será alcançado neste sentido quando as escolas não trabalharem mais com notas ou sistemas classificatórios.

Cosete Ramos dá ênfase a um trabalho sem a utilização de notas, mas acredita que a sua eliminação tem que ocorrer por etapas (estágios):

“No primeiro estágio, ainda existem as notas (esquema numérico), mas elas resultam de inúmeros eventos avaliativos.” (RAMOS, 1995:62) Estes eventos avaliativos, no dizer dela, são a utilização de diversos mecanismos e estratégias diferenciadas de avaliação.
“No segundo estágio, os números são substituídos por menções (esquema de conceitos), que podem ser letras (A, B, C) ou expressões valorativas (Excelente, Muito Bom, Satisfatório). O conceito final de cada aluno reflete o somatório das diferentes menções atribuídas nos vários eventos avaliativos.” (RAMOS, 1995:164) Neste ponto ela busca uma ruptura com os números em um sentido mais simbólico do que prático, pois as expressões valorativas ou as letras ainda estão numa correlação direta com as notas numéricas.
No terceiro e último estágio “as notas e os conceitos são totalmente eliminados, mantendo-se, porém, o registro do progresso, como expressão da avaliação permanente da aprendizagem... mesmo neste último momento adota-se uma abordagem gradual e evolutiva.” (RAMOS, 1995:164).

Para indicar como seria esta aplicação ela exemplifica com uma escola americana que progressivamente, a partir do jardim de infância e 1ª série, foi gradativamente substituindo as notas por uma abordagem onde se trabalhou com padrões pretendidos e expressos numa lista. A aprendizagem era documentado com indicadores e chaves que “indicavam os valores, as habilidades e os conhecimentos e também com boletins descritivas ou registros de avaliação, onde foram apresentadas as atividades desenvolvidas pelos estudantes, os seus sucessos e realizações e as dificuldades a serem trabalhadas, e também sugeridas formas de se trabalhar com o estudante.” No ano seguinte o mesmo foi feito com relação a 2ª série e assim sucessivamente. Ela enfatiza de que esta decisão e conscientização deve ocorrer de forma “consensual, compartilhada e aceita por todos, tanto alunos, como pais e professores.” Ela finaliza:

No sentido de garantir concordância e harmonia, em relação a estas novas práticas avaliativas, foram realizados estudos, debates, reuniões, com o envolvimento dos diferentes parceiros,tanto para explicar o que se pretendia e por que, quanto para discutir alternativas que orientassem a mudança.” (RAMOS, 1995:164)

Conclusões

Alternativas devem ser propostas e melhores sistemas devem ser encontrados. O modelo descritivo apresenta-se no momento como o ideal, mas ele requer mais trabalho da parte de todos. No entanto, não há dúvidas de que ele é superior ao sistema de notas (números) na avaliação do ensino. Os professores que almejam mudanças podem começar a realizar o trabalho no limite imposto pelas quatro paredes, mas certamente estarão semeando não só “resultados de avaliações”, mas procedimentos e compromissos futuros.

Porém, mudanças conceituais só poderão ocorrer, quando toda a equipe escolar estiver no Projeto. Desta maneira, uma escola, com base em seu próprio regimento, poderá estabelecer um modelo interno de avaliação que vise o aluno nas suas múltiplas potencialidades. Modelo este descritivo do desenvolvimento do educando: sempre numa perspectiva positiva, pois as dificuldades e problemas serão diagnósticos para ações educativas.

Poderíamos ficar satisfeitos, mas parafraseando Freinet, precisamos “ir além”. A avaliação deve ser formativa, pois deve considerar aspectos como participação (individual e em grupo) nas atividades, aprendizagem de habilidades e de valores que as notas não podem mensurar. Deve ser progressiva: quando se busca através da avaliação que o rendimento e a performance do aluno melhorem qualitativamente ao longo do período, estes devem preponderar sobre resultados anteriores. Deve contínua e cumulativa: os conteúdos conceituais serão sempre base para novas aprendizagens. Mas o bom profissional planejará (sistemático) e buscará “perceber” o momento para a adequação dos diferentes instrumentos (avaliação pontual).

Para o célebre educador francês Cèlestin Freinet “as notas e classificações são sempre um erro.” Para justificar o seu pensamento ele afirma:

“Professores e pais, no entanto apóiam esta prática, porque nas atuais condições da escola, com crianças que não tem desejo de trabalhar, as notas e as classificações são ainda o meio mais eficaz de sancionar e estimular (...) Mas a compreensão, as funções da inteligência, a criação, a invenção, o sentido artístico, científico, histórico, não se podem mensurar.” (WHITAKER, 1989:93)

Esta necessidade classificatória de promover os “mais aptos”, acaba por relegar a um segundo plano os “menos aptos”. Esta visão é compartilhada por Zabala quando ele afirma que é “necessário também, levar em consideração os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que promovam as capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” ZABALA, 1998:197). Para estas o sistema de notas se mostra incapaz de conceituar e determinar. No entanto, o mesmo autor afirma que a quantificação ou resposta em poucos pontos é mais fácil de controlar e, portanto, exige um menor investimento em recursos que permitam desenvolver processos qualitativos. Ou seja, convivemos com a busca do ideal: uma formação e avaliação integral, mas continuamos, até por questões de praticidade e facilidade, a utilizar mecanismos simplistas na demonstração dos resultados. Por tudo isso, com relação aos resultados da avaliação ele afirma que “a informação e o conhecimento têm de permanecer na privacidade do aluno e de seu professor”(ZABALA, 1998:219).

Perrenoud com sabedoria afirma que convivemos “com” ou “entre” duas lógicas. Por um lado está a educação integral, visando o ser todo e todas as suas potencialidades pedindo uma avaliação formativa (com todas as suas características: contínua, diagnóstica, descritiva, globalizadora, afetiva, progressiva, etc.). Pelo outro lado está a “lógica social”, nem sempre tão lógica assim, buscando classificações e padrões normativos de “excelência” e “seleção”, impondo uma avaliação tradicional (com as suas implicações: estratégias utilitaristas, sistema de notas, didáticas conservadoras, práticas seletivas, etc.). Para ele, a avaliação tradicional funciona inclusive como “uma salvaguarda das elites”, mantendo o “status quo” e as lógicas do sistema e do funcionamento da sociedade contemporânea.

Embora Perrenoud reconheça e afirme que a lógica formativa ganhou força e importância, ela não se impõe automaticamente. Vivemos um “período de transição”. “De que lado o futuro fará pender a balança?”, ele pergunta para em seguida responder: “ninguém sabe” (PERRENOUD, 1999: 18).

Frank Viana Carvalho

BIBLIOGRAFIA:
BLOOM, Benjamim S. Taxionomia dos Objetivos Educacionais: Domínio cognitivo. Porto Alegre: Globo, 1976.
CHEVALLARD, Y. Vers une analyse didatique dês faits d’evaluation, in De Ketele (dir.) L’evaluation ... 1986, pp. 31 a 59. citado por Perrenoud.
DEMING, W. Edwards. The new Economics: For Industry, Governement, Education. MIT – Center for Advanced Engineering
GRONLUND, Norman. O sistema de notas na avaliação do ensino. São Paulo: Pioneira, 1979.
PERRENOUD, Phillipe. Avaliação: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
RAMOS, Cosete. Sala de Aula de Qualidade Total. São Paulo: Qualitymark Editora, 1995.
WHITAKER, Rosa Maria. Freinet. São Paulo: Scipione, 1989, p. 93.
WHITE, Ellen G. Mensagens Escolhidas. Santo André: CPB, 1976.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: Como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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