quinta-feira, 30 de junho de 2011

A busca do significado da Educação

A busca do significado da Educação
Frank Viana Carvalho

A educação moderna está marcada pela excessiva atividade no campo da inovação e “experimentação educacional”[1], mas a mesma não foi adequadamente avaliada em termos de propósito, objetivos e necessidades atuais.

Charles Silberman observou que a educação “tem sofrido há muito tempo por haverem excessivas respostas e poucas perguntas”[2]. Neil Postman e Charles Weingartner afirmaram que a negligência na educação é o resultado natural em uma sociedade que tradicionalmente tem se importado com o “como” ao invés do “porquê” da vida moderna.

O mundo moderno tem feito um uso progressivo e incansável da capacidade científica e tecnológica por mais de um século. Em todos os setores (indústria, comércio, transportes, comunicação, saúde, higiene, educação e defesa) o progresso no campo técnico e científico é impressionante.

No entanto, as pessoas em geral, e mesmo os cientistas e pesquisadores raramente têm se questionado a respeito desses avanços: se os mesmos foram necessários; se deveriam tê-los; se o benefício que trazem cobra um preço muito elevado.

De certa forma o mesmo tem ocorrido na educação. Falando sobre isso, Postman e Weingartner criticam o que ocorre nas escolas em sua busca por novos métodos e estratégias de forma incansável: a preocupação em criar novas técnicas para o ditado, novos métodos para ensinar aritmética para crianças de dois anos de idade, novas maneiras para manter silenciosos os corredores da escola e seguramente, novos procedimentos para medir a inteligência[3].

Os educadores têm se envolvido tanto na criação e implementação de novas metodologias que raramente têm questionado o valor e a importância de se ensinar matemática a uma criança de dois anos de idade.

No Brasil, como afirma Paulo Ghiraldelli[4], “todo ano tem um novo governo, com uma nova proposta e uma nova capacitação. Os governos irritam os professores com a mania de achar que a cada ano eles precisam ter uma nova teoria pedagógica. Os governos se envolvem nisso, mas, quando saem, não avaliam para saber se isso deu resultado na sala de aula. O sistema de avaliação não é adequado ao que se propõe como capacitação. Ele só olha para baixo, para os avaliados. Não olha para cima, para os pressupostos que geram a capacitação.”

“Por que toda esta educação? Com que propósito? Para quê?” Estas são três das mais importantes perguntas a serem encaradas.

A grande maioria dos educadores tem se preocupado mais com a ação do que com o progresso, mais com os meios do que com os fins. Eles têm sido incapazes de avaliar as principais questões sobre o propósito da educação. E a capacitação e treinamento profissional dos educadores, com ênfase na metodologia, raramente habilita-os para a solução deste problema. Alguns não têm nem mesmo uma definição clara de educação.

O que é educação? É o mesmo que escolaridade? É o completar um determinado curso acadêmico? É um conjunto de comportamentos e atitudes socialmente aceitáveis? Refere-se somente à educação escolar? É tudo o que a vida nos ensina? São nossas aprendizagens? E o que é aprendizagem? Difícil chegar a um consenso sobre a sua definição, mas os teóricos modernos afirmam que ela é “um processo que produz a capacidade de apresentar um novo comportamento ou conceito”. Logo, vemos que a aprendizagem não se limita ao processo educacional. Porém, ela está diretamente ligada ao termo “educação”.

A educação vista a partir dessa perspectiva não se limita ao processo escolar ou ao currículo tradicional, ou ainda às metodologias das escolas. A educação, como a aprendizagem, é um processo que dura toda uma vida e que pode ocorrer numa infinita variedade de circunstâncias e contextos.

Acredito assim que a proposta educacional na formação dos professores deve fazer com que os futuros educadores possam, de maneira inteligente:a) avaliar propósitos de longo alcance e fins alternativos,b) relacionar seus objetivos aos fins almejados ec) selecionar estratégias pedagógicas que se harmonizem com seus objetivos.O caminho é longo e a tarefa é árdua, mas nada disso é impossível.

Referências:
[1] KNIGHT, G. Filosofia e Educação. UNASPRESS, p. 3.
[2] SILBERMAN, Charles. Crisis in the Classroom. New York, p. 11.
[3] POSTMAN, Neil e WEIGARTNER, Charles, The School Book. New York, p. 295-297.
[4] Filósofo, doutor em filosofia pela USP e em filosofia da educação pela PUC-SP. Em entrevista com Sérgio Rizzo em 05/04/06 na Folha Online.

Trabalhando com Projetos em Sala de aula

Pedagogia de Projetos

Frank Viana Carvalho
Delly Danitza Lozano Carvalho




No final de 1999 estivemos em um Congresso de Educação em Brasília e assistimos junto com os outros participantes uma peça teatral sobre a escola. A peça pareceu-nos muito interessante e a personagem central da narrativa era a "escola". Vivendo muitas angústias, crises e depressões e sem conseguir resolver seus principais problemas, a "escola" conhece então uma personagem que finalmente a ajudará: o "projeto pedagógico". A peça seguiu até ao seu final na apresentação das incríveis "soluções" que o "projeto" oferecia à "escola".
Infelizmente em se tratando de educação não existem soluções mágicas como naquela encenação. Todas as soluções efetivas passam por muito planejamento, muito trabalho e até ajustes e reajustes. Isto também acontece com o atualmente "famoso" Projeto Pedagógico. Hoje se fala muito da importância de se trabalhar com projetos para a eficiência e eficácia da educação. Será que realmente os projetos são a resposta que a escola esperava? Será que uma pedagogia de projetos apresenta as melhores soluções para as questões da educação? Procuramos resumir aqui algumas contribuições para elucidar esta "novidade" educacional.

Em se tratando de educação, o que é um Projeto?
A característica básica de um projeto é a de ter um objetivo compartilhado por todos os envolvidos, que se expressa num produto final em função do qual todos trabalham e que terá, necessariamente, destinação, divulgação e circulação social internamente na escola ou fora dela. Além disso, os projetos permitem dispor do tempo de forma flexível, pois o tempo tem o tamanho necessário para conquistar o objetivo: pode ser de alguns dias ou de alguns meses.
Para sua execução, portanto, é preciso planejar, prever, dividir responsabilidades, aprender conhecimentos específicos relativos ao tema em questão, desenvolver capacidades e procedimentos específicos, usar recursos tecnológicos, aprender a trabalhar em grupo agindo de acordo com as normas, valores e atitudes esperadas, controlar o tempo, dividir e redimensionar as tarefas, avaliar os resultados em função do plano inicial.

Vários tipos de projetos
Em se tratando de educação existem vários tipos de projetos e relacionamos aqui os principais:
1. O Projeto Pedagógico, que também é chamado de Proposta Pedagógica, é amparado na LDB e é uma exigência legal para as Instituições Educacionais. Este Projeto é um retrato da Instituição, pois ali estará um detalhamento das ações que serão desenvolvidas, os recursos que serão aplicados, a estrutura oferecida pela Instituição, a sua metodologia de ensino, o seu sistema disciplinar, o seu modelo de avaliação, bem como os projetos pedagógicos que serão desenvolvidos no período letivo.
2. Os Projetos Globais, também são chamados “Projetos Macro”. Sua característica principal é a interdisciplinaridade, mas sua ênfase não são os conteúdos curriculares (embora trabalhe com estes), e sim os conteúdos atitudinais e valorativos. Seu enfoque está no desenvolvimento das habilidades e dos valores. São exemplos de Projetos Globais as Feiras Culturais, as Feiras de Ciência, os grandes eventos esportivos escolares (Jogos Abertos, Olimpíadas, etc.) as Exposições Escolares, as Gincanas, as Semanas Especiais e outros eventos que em sua execução acabam por envolver toda a escola ou várias séries e turmas (ou até mesmo mais de uma escola).
3. Um outro foco importante são os Projetos de Sala de Aula. Eles se subdividem em Projetos Disciplinares (Disciplinas Específicas), Projetos Multidisciplinares (um tópico que é abordado por diferentes disciplinas, sob diferentes aspectos) e Projetos Interdisciplinares (temas ou tópicos que fazem parte de mais de uma disciplina necessariamente).
4. Projetos com Jogos - Aproveitando o potencial dos jogos no desenvolvimento dos alunos, estes Projetos utilizam os jogos no contexto das disciplinas, trabalhando os seus conteúdos de forma direta ou indireta, potencializando as ações pedagógicas no desenvolvimento de atividades cognitivas, sociais, afetivas, lúdicas, recreativas e motoras.
5. Projetos com Temas Geradores - Para a atuação com conteúdos Didáticos e curriculares em forma de Projetos, sobretudo em sala de aula e com uma turma especificamente. Envolve uma participação efetiva dos alunos na busca do conhecimento e das respostas e soluções aos problemas propostos. Eles podem ocorrer em sala de aulas, no ambiente escolar ou mesmo em forma de pesquisa extra-classe.

O projeto que se apresenta como uma proposta de solução para o professor no seu dia a dia é o último da lista anterior: o projeto com Temas Geradores. Isto até em função de que os outros projetos continuarão acontecendo na escola - provocando ou não mudanças, trazendo ou não soluções. Desta forma existe uma necessidade de que o professor transporte para dentro de sua sala de aulas a construção e a realização dos projetos a fim de que eles sejam ferramentas pedagógicas reais. Vejamos o porquê.

Dilema da escola : Tempo & Conhecimento & Competências.
A vida real apresenta ao ser humano a necessidade conjunta de conhecimento e de competências. No caso aqui, queremos definir "conhecimento" como o conjunto dos conhecimentos teóricos ou curriculares. Por outro lado, as competências serão definidas como as habilidades necessárias para a utilização deste conhecimento. Perrenoud as define como a “capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiado em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles”[1].
A escola moderna vive um grande dilema: possui uma significativa bagagem (carga) de conhecimentos curriculares (teóricos) muito grande que julga serem necessários para os seus alunos. De igual modo, também crê na importância do desenvolvimento das habilidades ou competências.
Alguns professores optam por dar bastante conteúdo (entenda aqui conteúdo como conhecimentos teóricos) em detrimento do enfoque nas habilidades (conteúdos atitudinais) e nos valores (conteúdo valorativo). Na realidade, existem cobranças pelo avanço no conteúdo teórico (dar toda a matéria) e ao mesmo tempo se avolumam as pressões para que os docentes também trabalhem com o desenvolvimento das habilidades. Mas isto exige tempo e preparo. Na prática a maioria enfoca o primeiro em detrimento do segundo e uma outra parte dos professores enfoca as habilidades em detrimento do avanço nos conteúdos. Será que existe solução para este dilema?
Pensando neste problema alguns educadores têm elaborado propostas interessantes e que têm funcionado com sucesso em diferentes escolas. Um delas é a pedagogia de Projetos, com eles acontecendo dentro da sala de aulas (conhecida como Temas Geradores).

Descrevendo o Projeto com Temas Geradores
Os Projetos com temas geradores são de grande valor para a prática pedagógica cotidiana, pois eles permitem que se realizem no dia a dia da sala de aula, projetos multidisciplinares com temas curriculares.
Diversos professores gostariam de trabalhar de forma diferenciada todos os dias a fim de motivar os seus alunos e isto de fato é possível. Como afirmou recentemente o educador espanhol Antoni Zabala: “o segredo de tudo está na participação dos alunos no processo”[2]. Desta forma, a proposta dos projetos com os temas geradores vê na participação dos alunos o diferencial para o sucesso da relação ensino e aprendizagem.

I - A Escolha dos Temas
Com base na proposta que o professor pretende trabalhar com os seus alunos (proposto em seu planejamento) e com base nos objetivos propostos, o professor deve lançar propostas de temas de acordo com a realidade dos alunos.
Pensando nas habilidades que almeja desenvolver, o professor deve indicar uma linha principal ou um tema gerador. As habilidades que ele pretende trabalhar com seues alunos podem ser cognitivas, de relacionamento interpessoal, sensório-motoras, visuais-espaciais, sócio-afetivas, morais, etc.

II - A Construção do Projeto
Esta construção ocorre conjuntamente com os alunos, mas para o seu início o professor utiliza-se de um recurso pedagógico chamado de “agente estimulador”. Este agente pode ser um filme sobre o assunto, uma excursão, uma reportagem, uma notícia importante e atual, uma propaganda, uma entrevista, etc.
Este agente estimulador vai criar o clima e o espaço adequado para que o professor conduza um “debate” ou “discussão” sobre o assunto. Neste momento haverá um aprofundamento sobre o conhecimento relativo ao tema principal (gerador). Ocorrerá um PQA[3] ou um processo que permitirá levantar os pontos que precisam ser aprofundados.

PQA (Pensar, querer, aprender)

A estratégia do PQA (KWL[4]) foi desenvolvida por Donna Ogle[5] e é um poderoso meio para ajudar os alunos desenvolverem e construírem significado. Antes de começar uma atividade de representação, leitura de um capítulo, assistir a um filme ou desenvolver um projeto, os alunos devem escrever (ou dizer) “o que eu penso sobre este tópico?” (P). e “o que eu gostaria de (ou quero) aprender sobre este assunto?”(Q)? Depois da leitura, apresentação, observação, etc, os alunos devem relatar “o que eu aprendi” (A).

PQA

O que eu sei
O que eu gostaria de saber
O que eu aprendi

A partir do “agente estimulador” várias abordagens podem ser feitas pelo professor:
Fazer perguntas aos alunos:
a) O que vocês gostariam de aprender sobre ...?
b) O que podemos fazer para realizar uma pesquisa sobre ...?
c) O que temos ouvido falar sobre ...?

Ele deve também incentivar e estimular os alunos para questões que eles possam estar fazendo para um aprofundamento no assunto em questão. O professor, de maneira cuidadosa, vai estabelecendo os caminhos da pesquisa a partir das questões levantadas.

Coordenar os objetivos gerias do planejamento com os objetivos estabelecidos no Projeto com os Temas Geradores.

Algumas questões e perguntas colocadas pelos alunos serão repetitivas, superficiais e até mesmo, redundantes. Cabe ao docente, respeitando a opinião dos alunos, resumir, direcionar, suprimir e esquematizar em linhas gerais o Projeto.
Esta característica de partilha do planejamento, inerente ao desenvolvimento do projeto, favorece o necessário compromisso do sujeito que aprende com sua própria aprendizagem, pois ela se torna muito mais produtiva quando o grupo que realiza o projeto conta com a participação de cada um na função de alcançar uma meta comum, do que quando as tarefas são definidas apenas pelo professor.

III - Os Objetivos e a Duração
Os objetivos do tema proposto serão aqueles que estão estabelecidos no planejamento que o professor faz ao começo do ano. Alguns objetivos específicos serão aprofundados em função do tema.

O Projeto pode durar um mês, um bimestre ou mesmo mais, podendo ser até mesmo todo o ano letivo. Como funcionará em concordância com os objetivos e o programa estabelecidos no planejamento, não haverá nenhuma fragmentação de conteúdos, superficialidade ou desgaste na exploração do tema por excessiva exposição. No entanto, ao planejar o Projeto, o professor deverá ter em mente o início (abertura), o durante (desenvolvimento) e o fechamento (conclusão) desta atividade.

IV - Durante o Projeto
Os alunos estarão desenvolvendo uma pesquisa e montando uma “pasta” com todas as informações coletadas. Esta pasta, também chamada de “Dossiê” consiste em tudo o que o aluno pode conseguir sobre o assunto proposto. A Realização do Projeto não exige que haja um formato específico para este Dossiê, a menos que o professor estabeleça desta forma.

V - Compartilhando
Em um tempo devidamente separado para esta finalidade, o professor abre um espaço na sala de aula para que os alunos compartilhem as novas informações que eles estão conseguindo sobre o assunto. Isto pode estar ocorrendo cada dia, ou semanalmente ou ainda em outra periodicidade estabelecida pelo professor.
Este será um momento importante, pois os alunos estarão contanto sobre o que eles aprenderam ao realizar aquela pesquisa. Desta forma, novos conhecimentos e experiências serão compartilhadas.

VI - Fechamento
A parte final é a entrega do “Dossiê”. Neste dia os alunos, juntamente com o professor estarão apresentando as conclusões mais importantes sobre aquela grande pesquisa e “jornada de exploração” do tema proposto.
Os “Dossiês”, após a revisão do professor, voltam para os alunos, formando assim parte de um arquivo pessoal. Se este material foi colocado em uma pasta com folhas plásticas, ou encadernado em espiral, certamente poderá levar o aluno o aluno a sentir uma motivação maior para guarda-lo e consulta-lo futuramente, até mesmo como fonte de pesquisa.

Resumindo o Projeto com Temas Geradores

Preparativos:
1. Objetivos do Educador.
2. Comunicação entre o professor e a coordenação e direção da escola.

Escolha do Tema:
1. a. Escolha feita juntamente com os alunos.
b. Várias propostas apresentadas pelo professor, os alunos escolhem uma.
c. A proposta é então definida pelo Professor
2. Elencar as possíveis dificuldades (resistência dos pais, dos alunos, dificuldades com o tema proposto) e mostrar as possibilidades de superação destes obstáculos.

Desenvolvimento do projeto:
1. Lançamento do Projeto.
2. Escolha dos itens a serem estudados e trabalhados.
3. Escolha do nome oficial do projeto.
4. Atividades propostas para o trabalho no projeto.
5. Definição do tempo de trabalho.
6. Análise das fontes de pesquisa.
7. Adequação às necessidades da classe e aos objetivos do professor para com seus alunos
8. Pesquisa das informações necessárias.
9. Levantamento de dados
10. Elaboração do mural do projeto
11. Ambiente da sala – respira o projeto
12. Elaboração do Dossiê do aluno.

Fechamento do Projeto:
1. Dossiê do aluno.
2. Álbum de informações da classe.
3. Depoimento dos pais.
4. Avaliação com os alunos sobre o desenvolvimento do Projeto.


Conclusões Finais
O projeto não é a "salvação" da escola como naquela peça teatral que citamos a princípio, mas não se pode negar que ele traz várias respostas para os principais problemas que a escola enfrenta. E para o trabalho com os conteúdos e com o desenvolvimento de competências o desenvolvimento de projetos em sala de aula parace ser uma solução apropriada.
Em educação não existe mudanças repentinas ou o “ovo de Colombo”. Se quisermos resultados, teremos que planejar e trabalhar. Qualquer que seja o caminho para melhores resultados, ele, sem dúvida, passa por muito esforço e dedicação. Assim também o é com a proposta da construção de projetos para que eles direcionem o trabalho da escola, dos professores e dos alunos. Em última instância o Projeto acaba por ser um "planejamento" de ações pedagógicas que pode surgir como fruto da vontade do grupo e não apenas da vontade de um diretor ou professor.Aceite o desafio: construa um projeto com seus alunos e execute-o. Você perceberá que é mais fácil do que parece.

Referências
[1] PERRENOUD, Phillipe. Dez Novas Competências para ensinar. Porto Alegre: ARTMED, 2000, p. 27.
[2] ZABALA, Antoni. Modelos se discutem (artigo). Revista do Ensino Superior. São Paulo: Editora Segmento. Ano 2, nº 26, novembro de 2000, pp. 12-15.
[3] PQA: Veja no Final.
[4] KWL – Knowledge, Want to learn, Learning.
[5] OGLE, Donna. KWL: A teaching Model that Develops Active Reading in Expositoy Text, The Reading Teacher 39, 1986, 564-576.


Uma retrospectiva histórica da Alfabetização no Brasil

Frank Viana Carvalho, D. Filosofia

Uma retrospectiva histórica da Alfabetização em Língua Portuguesa no Brasil

O processo de alfabetização em língua portuguesa seguiu caminhos peculiares ao longo da história brasileira. Não temos relatos mais detalhados desse período, a não ser dos primeiros a trabalhar oficialmente com a alfabetização em nossas terras, os jesuítas.

1549 - 1880

Eles eram padres da Igreja Católica que faziam parte da Companhia de Jesus, criada logo após a Reforma Protestante (século XVI) como uma forma de barrar o avanço do protestantismo na Europa e no mundo. Esta ordem religiosa foi fundada em 1534 por Inácio de Loyola justamente no contexto da Contra-Reforma Católica. Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil no ano de 1549, com a expedição de Tomé de Souza.

Dentre seus objetivos, havia o de construir e desenvolver escolas católicas em diversas regiões do mundo e isso incluía o Brasil.

Nas escolas jesuítas funcionavam alguns princípios que se mantiveram por mais de duzentos anos: unificação do método de ensino por todos os professores, ênfase na concentração e na atenção silenciosa dos alunos e um processo de ensino ligado à repetição e memorização dos conteúdos apresentados. Todos estes princípios se sobressaem na “Ratio Studiorum” (Ordem dos Estudos), síntese da experiência pedagógica dos jesuítas, composta de normas e estratégias, que visavam à formação integral do homem, de acordo com a fé e a cultura católica daquele tempo.

Estes princípios irão se manter por muito tempo, mesmo após a expulsão dos jesuítas do Brasil em 1760, inculcados na maneira docente de se relacionar e ensinar conteúdos aos alunos. Ao que tudo indica, os alunos que se tornaram professores após se formarem nas escolas jesuíticas (ou jesuítas) mantiveram a forma e o espírito da atuação de seus predecessores. A alfabetização (desde a chegada dos jesuítas, no início do período do Brasil colônia, até perto do final do segundo império) seguirá de perto este modelo, onde a máxima medieval parecerá ser a única realidade: la letra com sangre entra.

1880 – 1940

No final da década de 1880, o professor da Escola Normal de São Paulo, Antonio da Silva Jardim, divulga no Brasil uma novidade pedagógica que estava fazendo sucesso em Portugal: a Cartilha Maternal, da autoria do poeta português João de Deus (a primeira edição foi em 1876[1]). E qual era a razão do sucesso dessa cartilha? Seu ‘método’ revolucionário de alfabetização.

A Cartilha Maternal (A Arte da Leitura) apresentava pela primeira vez em língua portuguesa uma proposta de ensino através do método analítico, pois partia da ‘palavra’ (palavração), ao contrário dos métodos sintéticos anteriormente utilizados, que partiam das letras (soletração) e das sílabas (silabação).

Cabe ressaltar aqui que os métodos sintéticos partem das unidades menores, as letras ou as sílabas em direção às palavras, depois às frases e finalmente ao texto (das partes para o todo). Já os métodos analíticos partem das unidades maiores - o texto, as frases ou a palavra - em direção às sílabas e letras (do todo para as partes).

A obra de João de Deus estabelecia outros princípios de ensino:
1) O alfabeto era ensinado por partes:
a) primeiro as vogais;
b) depois os encontros vocálicos básicos.
2) O ensino das regras tinha duas premissas:
a) complicação crescente;
b) generalidade decrescente.

Visando dar a sua contribuição a esse assunto, o brasileiro Thomaz Paulo do Bom Sucesso Galhardo[2] apresentou em 1880 a Cartilha da Infância. Nesta, ele focaliza a proposta para o ensino da leitura e escrita de acordo com o método da silabação. Para ele, havia três métodos para a alfabetização: um ‘antiguíssimo’, a soletração, um moderno, a silabação e um moderníssimo, a palavração. Para ele, a realidade brasileira não permitia ainda a utilização da palavração. Seu trabalho foi bem aceito e sua cartilha chegou à 233ª edição em 1992.

Na mesma época, uma nova geração de normalistas formadas pela Escola Normal de São Paulo começou a defender os métodos analíticos em detrimento da soletração e da silabação. Temos então a partir dessa época, de acordo com Mortatti[3], o início do embate entre os métodos sintéticos e analíticos.

Primeiro Momento – 1876 a 1890

Os professores formados pelas Escolas que receberam a influência da Cartilha Maternal defendiam o método analítico da palavração e se consideravam modernos em contraposição aos que defendiam a soletração ou a silabação (esta defendida por Galhardo). Era o embate da Palavração versus Soletração e Silabação.

Segundo Momento – 1890 a 1920

Como o professor Galhardo e outros haviam colocado o método silábico como um caminho moderno, os alfabetizadores se dividiram. Houve uma disputa ainda mais acirrada entre os que defendiam o novo método da palavração e o grupo que defendia o método sintético da silabação. Praticamente não havia defensores da soletração neste momento. Os defensores do método analítico se estranhavam: havia os que se consideravam ‘modernos’ e os que se consideravam ‘mais modernos’. Essa disputa ‘interna’ acontecia em razão da escolha do tipo de ‘todo’ do qual se deveria partir na alfabetização: “a palavração, a sentenciação ou a historieta”[4].

Terceiro Momento – 1920 – 1940

Neste momento surgem aqueles que defendiam caminhos mistos (método analítico-sintético ou sintético-analítico) disputando espaço com os defensores do método analítico. Nesse tempo ocorre também, em função de variados fatores, uma relativização da importância dos métodos. Este ‘esfriamento’ da disputa parecia fazer sentido na época, pois julgavam haver coisas mais importantes em jogo no momento da alfabetização, do que necessariamente o método.

Quarto Momento – 1980 – 2001

Com as propostas construtivistas trazidas por Emília Ferreiro, os partidários de sua ‘revolução conceitual’ se posicionam frontalmente contra os defensores dos métodos tradicionais. Estes últimos não se defenderam no campo teórico, mas sua atuação silenciosa foi e é forte, sobretudo na utilização dos métodos mistos. A ‘onda’ construtivista percorreu o país e tornou-se uma ‘modernidade’ ser ‘construtivista. Até mesmo os PCNs (1996-1998) refletiram a forte influência do modelo. No entanto, dificuldades na aplicação da proposta fizeram e fazem com que muitos docentes ‘construtivistas’ utilizem às escondidas métodos sintéticos para alfabetizar seus alunos.

Quinto Momento[5] – 2002 - 2006

Fruto de pesquisas quantitativas sobre o rendimento dos alunos brasileiros em avaliações internacionais e da adoção de métodos oficiais de alfabetização em países ricos (Estados Unidos, Bélgica, Inglaterra e França, entre outros), começou a surgir ainda no final dos anos noventa (séc. XX) fortes críticas ao modelo construtivista de alfabetização em vigor no Brasil. Boa parte desses críticos entrou em defesa do método fônico[6], alegando ser este um caminho mais eficiente e eficaz para a realidade brasileira. Contudo, vários teóricos construtivistas reagiram energicamente, atacando seus oponentes e alegando que o construtivismo não é um método e que realidades externas não devem servir de parâmetro para o Brasil.

Sexto Momento – 2006

Fruto de reflexões e análises sobre as críticas, o MEC começou a publicar a partir de 2003 materiais nos quais se vê, seja nas entrelinhas, seja abertamente, uma clara ‘permissão’ para a convivência ‘pacífica’ de diferentes tendências metodológicas no processo de alfabetização. Se considerarmos que o "método" Paulo Freire, nosso mais famosos educador, é um "método" silábico, embora, é claro, de ampla conscientização social e política e por esse caminho muitos aprenderam, porque negar as vantagens advindas de modelos como esse? O governo federal estabeleceu através de projetos, portarias e leis que todas as crianças devem ser alfabetizadas até os oito anos e isso criou um novo desafio para as escolas. Como a maioria dos docentes fez uso de caminhos mais ecléticos, a discussão e os debates diminuíram de intensidade, mas o problema da alfabetização insuficiente continua a rondar o país em 2015...


Referências
[1] A Cartilha de João de Deus se difundiu de tal forma em Portugal, que em pouco mais de seis meses de edição já havia mais de duzentas escolas utilizando a Cartilha e em 1888 o governo de Portugal tornou-a método oficial em todo o país. (Mortatti, p. 59).
[2] Thomaz Galhardo (1855-1904) foi aluno da primeira turma da Escola Normal de São Paulo. Dedicou-se ao ensino público onde fez brilhante carreira, ocupando os mais altos e honrosos cargos no magistério paulista. Além de Cartilha da infância, escreveu dois livros de leitura, publicados pela Livraria Francisco Alves (RJ) e vários livros didáticos que foram usados desde o século XIX até o fim do século XX. Um de seus livros, Monografia da letra A, foi citado por Rui Barbosa em sua crítica à redação do Código Civil. Além de professor, foi promotor público.
[3] MORTATTI, Maria do Rosário Largo. Os sentidos da Alfabetização. São Paulo: Editora da Unesp, 2000.
[4] Mortatti, p. 26.
[5] , Maria do Rosário Mortatti para a sua análise no quarto momento, até porque o livro dela foi editado em 1999. A partir daqui, apresentamos exclusivamente o nosso ponto de vista sobre o assunto.
[6] Os livros didáticos dos autores que preconizam o método fônico tentam ‘contextualizar’ o processo de alfabetização, lançando mão de pequenos textos.

Habilidades e Competências de Leitura e Escrita

Frank Viana Carvalho

Apresento a vocês uma proposta de análise das habilidades de leitura e escrita das crianças que estão cursando as séries inciais. Esta proposta avança progressivamente e abrange habilidades e competências do primeiro ao quinto ano (ciclo de 09 anos).

Análise das Habilidades e Competências na Leitura e na Escrita

Nome: ___________________ Série: ______ Idade: ______


Língua Portuguesa – Séries Iniciais

Docente, por favor, anote nas colunas correspondentes as habilidades/competências demonstradas pelo aluno avaliado. A fim de se produzir um diagnóstico correto, é necessário que se leve em consideração a real aprendizagem do aluno e não eventuais acertos ou erros em tópicos específicos. Após a análise, por favor, assine esse documento e encaminhe-o ao à pessoa responsável para o início do trabalho de Auxílio ao Estudante.
Em cada item, a resposta deverá ser apenas “Sim” ou “Não”, pois somente assim será possível fazer um diagnóstico preciso.

Habilidades e Competências progressivas no domínio da Leitura e da Escrita

1. Compreende (sabe) que a escrita alfabética representa os ‘sons’ da fala
2. Diferencia a escrita alfabética de outras formas gráficas
3. Escreve o próprio nome
4. Conhece o alfabeto (sabe os nomes das letras – MAIÚSCULAS)
5. Conhece o alfabeto (sabe os nomes das letras – minúsculas)
6. Sabe as relações entre os grafemas e fonemas equivalentes (o som representado por cada letra)
7. Escreve palavras ditadas
8. Ao escrever, mantém a orientação (esquerda para a direita) e o alinhamento (horizontal)
9. Em testes, apresenta-se na hipótese pré-silábica
10. Em testes, apresenta-se na hipótese silábica (sem valor sonoro)
11. Em testes, apresenta-se na hipótese silábica (com valor sonoro)
12. Em testes, apresenta-se na hipótese silábico-alfabética
13. Em testes, apresenta-se na hipótese alfabética
14. Separa as palavras ao escrever (segmentação)
15. Escreve pequenos textos de memória (parlendas, advinhações, etc.)
16. Reescreve um texto a partir do original
17. Localiza no texto (próprio) palavras escritas (que ele já conhece de memória)
18. Localiza no texto (trazido pelo professor) palavras escritas (aleatoriamente)
19. Localiza e marca no texto informações solicitadas
20. Produz sozinho pequenos textos (produção de texto)
21. Utiliza os sinais básicos de pontuação (vírgula [se necessário] e ponto [ao final da frase])
22. Utiliza os sinais intermediários de pontuação (interrogação, exclamação, travessão)
23. Utiliza os sinais avançados de pontuação (ponto e vírgula, dois pontos)
24. Lê textos simples pronunciando todas as palavras (todas as letras em maiúsculas)
25. Lê textos simples pronunciando todas as palavras (letras em maiúsculas e minúsculas)
26. Lê textos não conhecidos de antemão
27. Lê e compreende (interpreta) textos simples
28. Lê e compreende (interpreta) textos desconhecidos, mas adequados à série
29. Separa as sílabas (quando a necessidade da produção escrita se apresenta ou se solicitado)
30. Utiliza regras de ordenação e paragrafação (abre parágrafo, primeira letra maiúscula)
31. Identifica diferentes gêneros de escrita (carta, receita, rótulos, histórias, poesia)
32. Escreve utilizando letra cursiva
33. Percebe o próprio erro ao reler sua escrita
34. Identifica o sujeito da frase (sintaxe)
35. Identifica o predicado da frase (sintaxe)
36. Identifica artigo e substantivo (morfologia)
37. Identifica pronome, verbo e preposição (morfologia)
38. Produz textos com adequada concordância verbal
39. Produz textos com adequada concordância nominal
40. Utiliza as regras de acentuação gráfica

Professor (assinatura): ___________________________


Local e Data: _________________, ____/____/_______


Importante: Este material só poderá ser utilizado com menção da fonte.

Fonte do Texto: Este material foi desenvolvido por Frank Viana Carvalho, Delly Danitza Lozano Carvalho e Gláucia Picirilo Ricardo.
Fonte da Imagem: http://www.osaprendizes.file.wordpress.com/

Emília Ferreiro e o Construtivismo no Brasil

Emília Ferreiro e o Construtivismo Brasileiro
Frank V. Carvalho

Uma aluna de Piaget, a psicóloga Emília Ferreiro, foi quem adotou e tornou conhecida a expressão construtivismo. Ela nasceu na Argentina (1936) e atualmente reside no México, onde trabalha no Departamento de Investigações educativas (DIE) do Centro de Investigações e Estudos avançados (Cinvestav) do Instituto Politécnico Nacional do México. Fez seu doutorado sob a orientação de Piaget – na Universidade de Genebra, no final dos anos 60, dentro da linha de pesquisa inaugurada por Hermine Sinclair, que Piaget chamou de psicolingüística genética. Voltou em 1971, à Universidade de Buenos Aires, onde constituiu um grupo de pesquisa sobre alfabetização do qual fazia parte Ana Teberosky e outros. No ano de 1974, foi afastada de suas funções docentes na universidade (questões políticas da ditadura que instalava-se no país) e em 1977, após o golpe de estado na Argentina, foi abrigada a exilar-se na Suíça. Lecionou na Universidade de Genebra, onde inicia uma pesquisa com a ajuda de Margarida Gómez Palacio sobre as dificuldades de aprendizagem das crianças de Monterrey (México). Em 1979, mudou-se para o México e lá publicou várias obras, entre elas A Psicogênese da Língua Escrita, em parceria com Ana Teberosky. Recebeu o título de doutor Honoris causa em Universidades da Argentina, Grécia e Brasil. Em 2001 recebe do governo brasileiro a Ordem Nacional do Mérito educativo.

Em seu livro Psicogênese da Língua Escrita (em parceria com Ana Teberosky), ela aplicou a teoria mais geral de Piaget na investigação dos processos de aprendizado da leitura e da escrita entre crianças na faixa de 4 a 6 anos. Constatou que as crianças não aprendem exatamente como são ensinadas. Constatou também que o nível sócio-econômico e cultural dos pais e o ambiente familiar têm influência direta no aprendizado das crianças. A partir daí ela procurou dar aos educadores a base científica para formulação de novas propostas pedagógicas de alfabetização. Em seu livro ela critica os métodos sintéticos de alfabetização e a utilização de cartilhas.

Emília Ferreiro constatou que crianças na faixa dos 4 aos 6 anos seguem uma seqüência lógica básica na alfabetização. Na primeira fase, a pré-silábica, a criança não consegue relacionar as letras com os sons da língua falada e se agarra a uma letra mais conhecida (em geral, presente em seu nome) para "escrever". Por exemplo, pode escrever macaco como MMMM ou AAAAA. Na fase seguinte, a silábica, já interpreta as letras à sua maneira, atribuindo valor silábico a cada uma (para ela, MCO pode ser a grafia de Ma-ca-co, em que M = ma, C = ca e O = co). Essa fase é geralmente subdividida em silábico sem valor sonoro (letras aleatórias que representam sílabas) e silábico com valor sonoro (letras relacionadas aos sons da palavra em questão). Um pouco adiante, na fase silábico-alfabética, mistura-se a lógica da fase anterior com a identificação de algumas sílabas propriamente ditas. Por fim, na fase alfabética, passa a dominar plenamente o valor das letras e sílabas.

As investigações de Emília Ferreiro e outros construtivistas procuraram demonstrar que a questão crucial da alfabetização não era de natureza perceptual, mas conceitual. Ou seja, por trás do aluno sendo alfabetizado, está um sujeito que “pensa sobre a escrita”. E que essa escrita existe em seu meio social, não apenas na sala de aula, e ele toma contato com ela através de atos que envolvem sua participação em práticas sociais de leitura e escrita. Os construtivistas diziam então que ocorre uma “evolução da escrita na criança”, evolução influenciada, mas não totalmente determinada pela ação das instituições educativas. Dessa forma, pode-se descrever uma psicogênese nesse domínio. E as novidades não pararam por aí, para Emília, as crianças tinham idéias sobre a escrita muito antes de serem autorizadas pela escola a aprender. Essas idéias assumiam formas inesperadas e ao invés das crianças irem acumulando as informações oferecidas pela escola, elas pareciam inventar formas surpreendentes de escrever que apareciam dentro de uma ordem precisa. Foi a descoberta das ‘fases’ da aprendizagem da leitura e da escrita mencionada no parágrafo anterior.

Suas teorias alcançaram repercussão em alguns países de cultura latina e mais expressivamente, entre os educadores da Argentina, México e Brasil. A acolhida em nosso país, no começo restrita a alguns educadores e pesquisadores, logo se transformou em tendência. As práticas construtivistas foram se desenvolvendo rapidamente, mas à princípio não houve sistematização de procedimentos.

Fonte: tvtribuna.wsoma.com 

O avanço do Construtivismo no Brasil

O Desenvolvimento da Proposta Construtivista no Brasil
Frank V. Carvalho
Assim, no final dos anos oitenta e começo dos noventa (século XX) ser um professor ‘construtivista’ envolvia basicamente um aspecto teórico e outro ‘prático’ no qual havia ‘o que fazer’ e ‘o que não fazer’. No conjunto teórico se destacava: a) o estudo das fases da alfabetização; b) a teoria de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo e o ‘processo’ da aprendizagem; c) a compreensão de que cada aluno constrói o seu próprio conhecimento e que tem o seu caminho particular de aprendizagem; d) a compreensão de que os ‘erros’ são etapas construtivas durante o ‘processo’; e) a necessidade de se formar um leitor crítico; f) a compreensão de que o ‘processo’ deveria sempre caminhar do todo para as partes (caminhos sintéticos: globais ou ideovisuais) e finalmente, g) a ênfase na “aprendizagem significativa”.

Na atuação prática o professor deveria: a) agir como um mediador, não como um detentor do conhecimento; b) criar um ‘ambiente alfabetizador’ em sala de aula; c) valorizar o intercâmbio entre os alunos e o trabalho em grupo; d) avaliar os alunos de forma diagnóstica ao longo de todo o processo e conhecê-los ao ponto de fazer intervenções adequadas em cada caso; e) utilizar ‘textos’ ricos e complexos desde o começo do processo de alfabetização; f) tratar o aluno como se ele já soubesse ler e escrever, embora ainda não o soubesse.

E o professor construtivista não deveria: a) utilizar cartilhas ou “textos” específicos para ‘ensinar a ler e a escrever’; b) ir das partes (letras, sílabas ou palavras) para o todo (frases, texto, história); c) “enfatizar” a aprendizagem do alfabeto ou das sílabas mais do que o “texto”; d) realizar exercícios preparatórios de “prontidão” no começo da alfabetização; e) tratar o alfabeto unicamente como um código.

Esse “ideário” construtivista foi sendo moldado ao mesmo tempo pelas práticas docentes, pelas faculdades de formação de professores e pelas interpretações dos teóricos a partir das palestras e dos livros de Emília Ferreiro (ela veio ao Brasil diversas vezes para realizar palestras e seminários). Vale notar que, para os construtivistas, a “soma” dessas teorias e práticas jamais poderia ser chamada de “método” construtivista. Também deve ser destacado que, exceto nos cursos promovidos por uma ou outra entidade, nunca havia uma diretriz totalmente “clara” de atividades e procedimentos, mas apenas um corpo ‘teórico’ do qual o professor extraía e implementava suas próprias práticas.

Uma outra característica dessa fase, que mostra o ecletismo da proposta, foram as boas idéias de outras correntes pedagógicas que, agregadas ao modelo construtivista, deram um ar ainda mais modernizador e ‘inteligente’ à teoria. Dessa forma, práticas freinetianas[1], montessorianas[2], rogerianas[3] e ainda outras foram incorporadas pelos construtivistas. Embora nenhum dos teóricos do modelo reivindicasse isso, alguns educadores com menor conhecimento na área chegavam a julgar que o construtivismo detinha o ‘monopólio’ das boas idéias pedagógicas.

As práticas construtivistas ultrapassaram a alfabetização e foram sendo difundidas até a quarta série (quinto ano) do ensino fundamental. A partir da quinta série, dada a relativa escassez de pesquisas teóricas equivalentes no assunto, e a presença de um professor para cada disciplina, sua aplicação foi praticamente nula.

No Brasil havia um ambiente propício à aceitação do construtivismo. O fracasso escolar evidenciado no alto índice de reprovação da primeira série, a ansiedade dos professores em encontrar alternativas para esse problema, e o descaso das autoridades para com a evasão escolar, fizeram com que os docentes buscassem fazer uma transposição das situações de pesquisa construtivistas. Havia ainda o contexto político e social – com o fim dos anos da ditadura (1964-1984) havia um clima de mudança e uma rejeição do passado recente como se tudo o que estava em curso no país nos anos anteriores fosse fruto da ditadura. Muitos educadores lançaram-se à psicogenética como se ela fosse a solução para todos os problemas enfrentados em sala de aula. E não há como negar que muitos teóricos do ‘movimento’ incentivaram essa tentativa de transposição.

[1] Célestin Freinet.
[2] Maria de Montessori.
[3] Carl Rogers. 

Primeira Fase do Construtivismo no Brasil (1985-1990)


A Aceitação da Proposta Construtivista (1985-1990)
Frank Viana Carvalho
Durante os primeiros anos do construtivismo no Brasil (1985-1990), o desencontro entre a teoria e a prática evidenciou-se de várias maneiras, sendo o principal, a posição espontaneísta em relação ao ensino das crianças. De uma forma geral pôde-se ver: a ausência de intervenções pedagógicas para não ‘atrapalhar’ o processo de aprendizagem; a ‘não preocupação’ de propor experiências favoráveis à construção do conhecimento; a desconsideração do planejamento (para evitar as ‘rotinas pedagógicas’); a aceitação de qualquer tipo de ‘erro’ sem esforço interpretativo para entender a sua lógica ou para transformá-lo em recurso para a superação das dificuldades; a pretensão de hierarquizar a aprendizagem em etapas induzindo a progressão do conhecimento a partir de sucessões dos níveis descritos (fases descritas por Emília); deixar a criança escrever livremente[1], sem interferências e sem propósitos; trabalhar só com textos em detrimento de uma reflexão mais sistemática sobre o funcionamento do sistema; evitar a correção ou qualquer forma de revisão textual; composição de livros didáticos que, pretendendo substituir as cartilhas, agrupavam diferentes tipos textuais, mas não asseguram as especificidades do portador nem as reais situações de uso.

Como era ainda uma fase inicial, os insucessos foram atribuídos às dificuldades dos docentes em transpor a teoria para as práticas da sala de aula. Além disso, começavam a se multiplicar os cursos de capacitação de professores para uma atuação de fato construtivista.

No entanto prevalecia a opinião generalizada de que o aluno formado pelo construtivismo ficava bom em raciocínio, com maior senso crítico, porém fraco em conhecimentos específicos da língua. Eram os reflexos da prática espontaneísta. Porém, essa fase foi aos poucos superada, pois, para que se alcançasse sucesso, era esperado do professor uma atuação firme e planejada (prática intervencionista).

A partir daí o construtivismo ganhou força e, à medida que estudiosos de todo o país apoiavam a proposta de Emília Ferreiro, o modelo construtivista tornou-se cada vez mais a “onda modernizadora” na alfabetização e na educação. Professores que procuravam alfabetizar fora deste “modelo”, ainda que pudessem obter sucesso em seu trabalho, eram considerados como tradicionais e ultrapassados. Foram os tempos do embate “construtivismo versus escola tradicional”.

[1] Emília Ferreiro e o saber da criança. Por Glennda Paiva.  

Segunda Fase do Construtivismo Brasileiro (1990-1995)

Consolidação do Construtivismo no Brasil (1990-1995)
Frank Viana Carvalho

Posteriormente (1990-1995), praticamente todos os cursos de pedagogia e formação de professores enfatizaram a nova proposta, que, insistia-se à época, não era um “método”, mas uma “linha pedagógica”. Essa recusa do ‘rótulo’ “método” parecia boa, mas criava um dilema: impedia o estabelecimento de atividades cada vez mais específicas ou de rotinas metodológicas construtivistas, as quais, de certa maneira, facilitariam o trabalho dos professores. Por outro lado, se fossem estabelecidas ‘rotinas’ ou ‘estratégias’ claramente definidas, os teóricos do novo modelo entrariam em contradição com suas críticas aos ‘métodos’. As práticas intervencionistas acabaram se firmando novamente mais em cima “do que não fazer” no lugar “do que fazer”.

Outra marca desse segundo momento, foi a clara busca de uma fundamentação teórica do modelo construtivista mais em Piaget e outros importantes autores, do que propriamente em Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Isso porque na Espanha e nos Estados Unidos, estudos assemelhados colocavam em grande evidência o nome do mestre de Genebra e, em menor destaque, o de seus discípulos (os neopiagetianos). Entre os vários autores ‘redescobertos’, apareceu de forma evidente as contribuições de Vigotsky, Wallon e Ausubel. Isso marcou o ‘batismo’ de uma nova expressão: o sócio-construtivismo. Alguns iriam além e se chamariam de sócio-interacionistas-construtivistas. Para alguns teóricos (Mortatti, por exemplo), havia uma divisão entre os construtivistas e os interacionistas, pois a ênfase em um ou outro autor criava certas divisões nas fileiras sócio-interacionistas-construtivistas, mas nada comparável ao embate com a escola tradicional.


Fonte da Imagem: www.soldadinhodechumbo.wordpress.com 

Terceiro Momento da proposta Construtivista no Brasil (1996-2000)

O Construtivismo no Brasil (1996-2000)
Frank V. Carvalho

Logo, com a divulgação e grande aceitação da proposta construtivista, o Ministério da Educação deu amplo apoio para uma proposta totalmente ‘construtivista’ nos PCNs de Língua Portuguesa e Alfabetização. Assim, no último período do século passado (1996-2000), o construtivismo atingiu o ápice de seu desenvolvimento e divulgação em nosso país.

Professores e mesmo teóricos do modelo sabiam, no entanto, que havia problemas. Grande parte dos professores ‘construtivistas’ não conseguia ‘efetivamente’ alfabetizar seguindo apenas o modelo conceitual de Emília Ferreiro. Isso ocorria a despeito de haverem passado por cursos de capacitação e de receberem apoio de seus superiores para implementar a proposta[1]. A persistência de problemas oriundos da prática espontaneísta e novas ‘bandeiras’ e ‘slogans’ surgindo a todo momento em nada ajudavam o modelo: “se o aluno não aprende, é porque o professor não ensina”; “o professor é ‘apenas’ o mediador, não o condutor do processo”; “no construtivismo, o erro não é erro”; etc.

Contudo, a divulgação das experiências positivas, o excelente ‘embasamento teórico’ e a ‘modernidade’ apresentavam o construtivismo como a grande (e única) revolução conceitual no mundo da educação do século XX. Certamente, a euforia dos congressos e o apoio governamental impediam qualquer análise mais aprofundada.

Mas um problema colateral insistia em aparecer: nas avaliações de leitura e escrita, os alunos tiravam notas cada vez mais baixas e o fracasso das escolas em ensinar os alunos a ler e escrever se evidenciava em avaliações do SAEB e em exames internacionais (PISA) nos quais o Brasil quase sempre ficava nos últimos lugares (entre as nações desenvolvidas e em desenvolvimento).

Num primeiro momento, a tendência foi colocar a culpa nos ‘professores’ que não haviam aprendido ou não sabiam aplicar a proposta. Porém, como o ‘conhecimento’ das propostas dos PCNs era cada vez maior, os relatos de dificuldades se multiplicavam e alguns começaram a perceber limitações na aplicação prática do arcabouço teórico construtivista.

Uma leitura atenta dos PCNs revela que algumas colocações ‘técnicas’ eram de fato difusas, complexas e até mesmo, estranhas para um docente que se iniciasse nos caminhos da alfabetização construtivista. Algumas afirmações de fato requeriam explicações adicionais, ainda mais em se tratando de um material de referência para os professores em nível nacional:
- “Formar um leitor competente supõe formar alguém... que possa aprender a ler também o que não está escrito (...) (p. 54).
- Em “situações privilegiadas de epilinguística” ... “o aluno precisa: ler, embora ainda não saiba ler; e escrever, apesar de ainda não saber escrever.” (p. 83).
- “De certa forma, é preciso agir como se o aluno já soubesse aquilo que deve aprender.” (p. 56).

Não há dúvidas de que surgem questionamentos oriundos dessas afirmações. É uma condição desejável de um leitor competente a habilidade (ou competência) de ler ‘além do texto’, mas como esperar isso de uma criança que se encontra no início do processo? Não estaríamos estimulando um processo de ‘advinhação’? Dar um texto rico e complexo a uma criança que nem ao menos sabe o alfabeto e pedir para que ela leia. Há pesquisas qualitativas e quantitativas sobre a real contribuição que isso traz ao processo? Esses questionamentos mostram que alguns itens deveriam estar mais claros ou mesmo ser remodelados. Mas é claro que os ‘especialistas’ tinham (e têm) uma série de explicações para as propostas que são feitas nos PCNs de Língua Portuguesa e Alfabetização.

[1] Um claro exemplo ocorria nas etapas do processo analítico de alfabetização. Na proposta ideovisual (ou global) por caminhos analíticos, ao ir do todo em direção às partes, muitos professores não estavam seguros se a menor unidade era a ‘palavra’ ou a ‘letra’. Se paravam na ‘palavra’, o processo de compreensão da escrita alfabética parecia ‘interrompido’ e o avanço do aluno se dava de forma muito lenta. Se iam em direção às letras viam-se num dilema: utilizariam o antigo método da soletração ou lançariam mão da silabação (método silábico), contrariando assim postulados construtivistas? Esse pequeno exemplo mostra o porquê de muitos utilizarem caminhos e métodos mistos ao mesmo tempo em que abraçavam propostas construtivistas.

Fonte da Imagem: www.tripod.familias.com.br

Construtivismo - Revisão e Readaptação para um Novo Construtivismo

Quarto e atual momento – Reflexão para uma revisão e remodelação da postura metodológica? (2001 - ?)
Frank V. Carvalho

O Novo Construtivismo (eu assim o defino) incorporou (discretamente) elementos do fônico e do tradicional (silábico) para manter a sua força como 'a melhor proposta'. Isso é fácil de perceber. Novos manuais de orientação construtivista, mesmo mantendo as linhas norteadoras das décadas passadas, dão agora mais ênfase à parte fonética, a gramática, trabalham 'famílias silábicas', não evitam as dificuldades ortográficas (mas direcionam o aluno para as mais 'fáceis), sistematizaram procedimentos (que levam a 'rotinas pedagógicas), ensinaram o 'passo a passo' da alfabetização (são as 'estratégias', nunca métodos ou técnicas) e enfatizam a condução do professor no processo de alfabetização. Porquê? Porque buscou reagir face às críticas que estava recebendo. Como assim?

A partir do início do século XXI, a aplicação do construtivismo na alfabetização começaria a enfrentar novas dificuldade. Chegaram ao Brasil as notícias das modificações que estavam em curso com relação à alfabetização em vários países. Na verdade, essas modificações estavam ocorrendo há mais de uma década e lentamente foram chegando aqui.

Nos Estados Unidos e Inglaterra, diante das dificuldades apresentadas pelos estudantes em testes de leitura e escrita, foram patrocinados estudos para se verificar quais eram os caminhos mais eficientes para a alfabetização. Após anos de pesquisa e estudos consideráveis, chegaram à conclusão de que o método fônico era mais eficiente e eficaz para promover o aprendizado da leitura e da escrita do que todos os outros métodos (incluindo aí o método ideovisual ou global, similar ao modelo construtivista aplicado no Brasil). Com uma atuação mais pragmática, esses países adotaram o método fônico como o modelo oficial.

Mas, boa parte dos teóricos construtivistas brasileiros refutou qualquer comparação daqueles países com o Brasil, utilizando dois argumentos básicos: a cultura e a língua anglo-saxônica são significativamente diferentes da nossa e, no Brasil havia outras várias questões que levavam ao nosso fracasso em alfabetizar.

Porém, progressivamente chegavam as informações de que outros países também realizavam pesquisas para encontrar os caminhos mais eficientes para uma alfabetização de sucesso. Estes países oficialmente abandonaram o modelo global de alfabetização e decidiram por caminhos fônicos ou fonéticos. Países de língua e cultura latina (França e Cuba) estavam entre eles e dessa vez, os defensores do construtivismo não podiam utilizar o argumento das dessemelhanças lingüísticas e culturais para refutar a comparação com a situação brasileira.

Em 2003, a Comissão de Educação da Câmara Federal dos Deputados criou um grupo de trabalho para realizar uma pesquisa e dar uma visão atualizada sobre as teorias e práticas de alfabetização brasileiras. Os resultados apontaram o modelo fônico como solução e apontaram o construtivismo como o principal responsável pelo fracasso brasileiro em alfabetizar.

O resultado da divulgação do relatório desse grupo de estudos foi visto por alguns construtivistas como um trabalho ‘encomendado’ e ‘parcial’, ‘sem neutralidade’ e ‘equivocado’, feito por “defensores do método fônico”, com o “claro objetivo de dasalojar a influência construtivista dos documentos oficiais e de alguma possível estratégia na realidade brasileira”[1]. Felizmente, boa parte dos professores construtivistas que tiveram acesso às pesquisas, não tomou uma posição radical contra as conclusões do relatório, mas a encarou como um ponto de reflexão.

Os resultados dos testes revelaram um problema sério e real.

Se na década de oitenta os dados ruins oriundos das avaliações nacionais eram usados para desqualificar os métodos tradicionais e propagar o construtivismo a um topo discursivo, hoje, será que o temos hoje é o contrário disso?

Os dados obtidos nas avaliações brasileiras vêm sendo usados como fortes argumentos contra o construtivismo, como revela as avaliação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb/2003) em que 55,4% das crianças brasileiras, depois de quatro anos sucessivos de escolarização, são consideradas em situação crítica quando se analisam suas habilidades de leitura e escrita (dessas 18,7% foram classificadas no nível ‘muito crítico’; os 36,7% restantes compõem-se de alunos que ainda não possuem as habilidades exigíveis ao término da 4ª série do ensino fundamental.

Ultimamente, até publicações do Ministério da Educação se renderam às evidências. Embora diversos fatores possam ser apontados como causadores do fracasso escolar das crianças brasileiras, não há como negar a participação dos aspectos metodológicos. O que temos para finalizar essa reflexão é o que foi publicado pelo MEC em 2007:

“Nas últimas três décadas assistiu-se a um abandono da discussão sobre a eficácia de processos e métodos de alfabetização (...)


[Nesse tempo] a discussão sobre a psicogênese da língua escrita (...) sistematizada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) passou a ocupar lugar central.


Tais mudanças conceituais, traduzidas no ideário “Construtivista”, reverteram a ênfase anterior no método de ensino, para o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza. (...)


Embora tais contribuições tenham se incorporado como conquistas importantes na trajetória da alfabetização escolar, alguns problemas e dilemas se instalaram a partir da excessiva centragem nas dimensões conceituais, em detrimento da sistematização metodológica [método] do ensino desse objeto em construção. (...)


A ênfase na faceta psicológica da alfabetização obscureceu sua faceta lingüística fonética e fonológica, além disso, a ênfase na dimensão do letramento obscureceu a dimensão da alfabetização como processo de aquisição do sistema convencional de uma escrita alfabética e ortográfica. (...)


À luz desses dilemas, como poderia ser encaminhada atualmente, a discussão sobre uma didática da alfabetização? Embora a questão metodológica não possa receber o pesado tributo de responsável exclusiva pelo nosso fracasso em alfabetizar, certamente seu lugar é considerável e necessita ser redimensionado. (...)


A multiplicidade de métodos e sua combinação simultânea em função dos diversos momentos do ensino inicial da leitura e da escrita é, atualmente, uma tendência internacional.” (Ministério da Educação, Prática de Leitura e Escrita, Programa Salto para o Futuro, Brasília, 2006, pags. 31 e 32)

Diante de tudo isso, o Construtivismo se 'reinventou', abandonou velhos dogmas e (sem admitir) incorporou elementos que lhe pareciam estranhos. Mas isso é bom, afinal de contas, o construtivismo foi uma grata criação 'brasileira' na interpretação da contribuição de Emília Ferreiro.


[1] (VIVER MENTE E CÉREBRO.São Paulo, edição especial nº 5, 2005. p.64).
Fonte da Imagem: http://ncoisasparapensar.blogspot.com

O Construtivismo e Jean Piaget

Frank V. Carvalho

Nós chamamos de construtivismo a linha pedagógica que se tornou conhecida entre nós por enfatizar a participação ativa do aluno na construção do seu próprio aprendizado, através da experimentação, pesquisa em grupo, o estímulo à dúvida e o desenvolvimento do raciocínio, entre outros procedimentos.

A base na qual o construtivismo adotou tais práticas encontra-se nos estudos do psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), o qual procurou demonstrar que a criança raciocina segundo estruturas lógicas próprias, que evoluem conforme faixas etárias definidas, e são diferentes da lógica do adulto. Ele chama de estágios essas diferentes fases do desenvolvimento cognitivo (sensório-motor, operacional-concreto [pré-operatório e operações concretas] e operacional-formal). No entanto, ele não criou o construtivismo educacional. Ao contrário do que muitos imaginam, ele não se preocupou em formular uma linha pedagógica e nem mesmo indicou métodos específicos de alfabetização: dedicou a vida a investigar os processos da inteligência e do desenvolvimento das crianças. Outros estudiosos valeram-se das suas descobertas para desenvolver propostas pedagógicas.

Vale ressaltar também que construtivismo não é apenas o termo pelo qual é conhecida a linha pedagógica mencionada. Há outros significados, mas o principal deles é mais amplo e ultrapassa as fronteiras pedagógicas. É o nome de uma das grandes correntes teóricas empenhadas em explicar como a inteligência humana se desenvolve. Essa concepção parte do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelas ações mútuas entro o indivíduo e o meio.

Por ser o nome do sistema ao qual Piaget trouxe grandes contribuições, a palavra construtivismo passou a designar também a linha pedagógica inspirada em sua obra. Além de Piaget, outros estudiosos deram importantes contribuições para essa corrente teórica: o russo Lev Vygotsky (1896-1934), o francês Henry Wallon (1879-1962) e o norte americano David Ausubel (1918).

Fonte da Imagem: www.algosobre.com.br

Questões Importantes sobre o Método Silábico de Alfabetização

Alfabetização pelo Método Silábico - Porque é ainda tão utilizada?

A Silabação (alfabetização pelo Método Silábico) adquiriu status de modelo de alfabetização a partir de Thomaz Paulo do Bom Sucesso Galhardo, com a publicação da Cartilha da Infância no começo da década de 1880. Nela, ele critica o método da soletração e fala que o método da palavração (analítico) é muito avançado para a realidade brasileira. A partir daí ele defende a silabação como uma proposta mais racional e efetiva para as crianças do Brasil.
É verdade que o embate entre os métodos analíticos e sintéticos passará por várias fases entre 1880 e o começo do século XXI. Contudo, o método silábico se manterá como o mais influente modelo de alfabetização presente nas escolas brasileiras, seja em sua forma tradicional (a partir das sílabas), seja como método misto (mesclado com ‘palavração’ ou ‘sentenciação’).
A explicação dos entendidos é simples. Se você pedir a uma criança que divida uma palavra, por exemplo "boneca", ela dirá "bo" - "ne" - "ca". Se você pedir o mesmo a um adulto que ainda não sabe ler, ele fará o mesmo. Pela lógica, eles dizem, a divisão "silábica" mostra que o caminho 'silábico' é o mais natural. Não dá para dizer que isso não faz sentido.

Na prática das escolas. Se na soletração, a dinâmica era “b” com “a”, “ba”, “b” com “e”, “bé” (etc.), na silabação, a dinâmica será “ba, be, bi, bo, bu; da, de, di, do, du” (etc.).

No caminho silábico trabalham-se primeiro as consoantes que apresentam menores dificuldades fonético-ortográficas.

No entanto, o ensino da leitura e da escrita através do método silábico encontrará suas dificuldades. A primeira é que teremos muitas famílias silábicas. O desafio que se apresenta é múltiplo: saber quantas famílias são; quantas sílabas temos ao todo; quais são as que apresentam ‘alguma’ dificuldade; qual seria a ordem ideal de apresentação.


A Influência da Cartilha Caminho Suave

Caminho Suave é uma obra didática - uma cartilha de alfabetização concebida pela educadora brasileira Branca Alves de Lima (1911-2001), que se tornou um fenômeno editorial. De acordo com o Centro de Referência em Educação Mário Covas, calcula-se que, desde 1948 quando teve sua primeira edição, até meados da década de 1990, foram vendidos 40 milhões de exemplares dessa cartilha. 
Em 1995, por força da influência construtivista, a cartilha Caminho Suave foi retirada do catálogo do Ministério da Educação (portanto, não é mais avaliada), em favor da alfabetização baseada no modelo mais influente da época (construtivismo). Apesar de não ser mais o método "oficial" de alfabetização dos brasileiros, a cartilha de Branca Alves de Lima ainda vende cerca de 10 mil exemplares por ano. Afinal de contas, milhares de brasileiros adultos que lêem e escrevem muito bem (ou relativamente bem) aprenderam por esse caminho. Vale ressaltar que as novas edições desta cartilha incorporaram "textos" e 'contextos' deixando para trás a ênfase em frases isoladas.
Em pesquisas realizadas por professores que coordenaram o Alfabetização Solidária, quando era dado a uma pessoa (que sabia ler e escrever e já havia completado o ensino fundamental ou médio e que nunca antes havia alfabetizado ninguém) o desafio de alfabetizar alguém, o que eles faziam? 
Utilizavam fundamentos e elementos do método silábico. Porquê? (...)

Alfabetizando pelo Método Silábico

Alfabetizando pelo Método Silábico

1. Apresentação do Alfabeto – Conhecendo as letras, nome por nome, o ideal do traçado e da escrita. Conforme a escolha feita pelo professor, podem ser apresentados de uma a quatro representações do código (Letras maiúsculas e minúsculas de Imprensa (Bastão) e letras maiúsculas e minúsculas cursivas)

2. Escrita do Nome – Trabalham-se todos os nomes dos alunos no quadro.

3. Apresentação do Princípio Alfabético.

4. Apresentação do Conceito de Sílaba. Na Língua Portuguesa, todas as sílabas têm uma vogal.

5. Vogais. Seus sons e sua importância nas sílabas.

6. Apresentando e Trabalhando progressivamente as Famílias Silábicas.

1º Grupo
B, D, F, L, M, N, P, T, V, Z

2º Grupo
C, G, J
3º Grupo
R, S
4º Grupo
H, QU, X

5º Grupo
K, Y, W

6. Trabalhando os dígrafos e as famílias fruto da união de duas ou mais consoantes.

7. Todo o trabalho inicial é feito a partir de palavras contextualizadas ou frases curtas. Em um segundo momento são trabalhados textos curtos. Finalmente pequenas histórias e textos mais longos.

8. Diversas e diferentes atividades são realizadas com os alunos: bingo de letras e sílabas, coquetel, caça palavras, dominó de letras, desenhos, associações, treino, cópias, ditados, etc.
9. Cobra-se a leitura e a escrita de forma paralela.

Figura: Cartilha Meus Exercícios de Linguagem (1945)

Alfabetizando pelo Construtivismo

Alfabetizando pelo Construtivismo

1. A concepção de ensino e aprendizagem pressupõe que a alfabetização é um processo de construção conceitual, apoiado na reflexão sobre as características e o funcionamento da escrita: trata-se de compreender pouco a pouco as regularidades que caracterizam a escrita.


2. Os pontos de partida das situações de ensino são as possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos, ou seja, o que de fato pensam e sabem sobre a escrita. Acredita-se que é isso que possibilita que a aprendizagem seja significativa.

3. O modelo de ensino apóia-se na capacidade do sujeito de refletir, inferir, estabelecer relações, processar e compreender informações, transformando-as em conhecimento próprio - ou seja, construir conhecimento.

4. Utilizam-se textos reais. O texto é o ‘lugar’ de aprender a ler e escrever e a reflexão sobre as regularidades da escrita é o procedimento básico requerido dos alunos.

5. As atividades apóiam-se no uso de procedimentos de leitura mesmo quando não se sabe ainda ler e escrever. Essas atividades (epilingüisticas) que permitem a leitura e a escrita de textos são tidas como atividades desafiadoras, isto é, que se configuram como situações-problema, em que os alunos precisam pôr em jogo o que sabem, para aprender o que ainda não sabem.

6. O alfabeto deve ser ensinado no começo do processo.

7. Ler é atribuir significado, e isso se dá pelo uso de estratégias de leitura (de decodificação, seleção, antecipação, inferência e verificação), a partir do conhecimento prévio e dos índices fornecidos pelo texto.

8. É possível ler quando ainda não se sabe ler convencionalmente – e que é fazendo isso que se pode aprender: os alunos são tratados como leitores desde que entram na escola.

9. É interagindo com textos reais, mesmo que não se saiba ler convencionalmente, que se aprende a ler diferentes tipos de texto e sua respectiva linguagem. A correspondência letra-som é um conteúdo fundamental, mas apenas um dos inúmeros conteúdos cuja aprendizagem é necessária para que se possa dominar progressivamente a linguagem escrita.

10. O planejamento deve ser feito em função de uma classe real — portanto, não é totalmente reutilizável de um ano para outro, de uma classe para outra.

11. Existem diferentes tipos de erros. Quando uma criança ainda não sabe ler nem escrever, os erros que ela produz são, em geral, erros construtivos e esses erros não se fixam. Além do que, crê-se que a correção deles é incompreensível para as crianças.

12. A classe deve ser heterogênea, pois a interação entre alunos com diferentes níveis de conhecimento favorece a aprendizagem e a circulação de informações.

Atividades Construtivistas de Leitura e Escrita
1. Apresentação do Alfabeto.
2. Testes de verificação de nível (a fim de saber em qual fase a criança se encontra).
3. Leitura de diferentes textos em atividades de epilingüística (rótulos, receitas, capas, cartazes, pequenos livros, textos de livros, cadernos, lousa, etc.).
4. Exemplo:
a) Leitura do Poema “A Foca”, de Vinícius de Moraes. Leitura da Parlenda “Cadê o Toucinho...”; Leitura da Parlenda “Um, Dois, feijão com arroz...”. Atividade: Leitura. Duração aproximada: 30 minutos; Desafios colocados aos alunos: 1. tentar ler, antes de saber ler convencionalmente; 2. estabelecer correspondência entre partes do oral e partes do escrito, ajustando o que sabem de cor à escrita convencional; 3. utilizar o conhecimento sobre o valor sonoro convencional das letras (quando já sabem), ou trabalhar me parceria com colegas que já fazem uso do valor sonoro (quando não sabem); 4. adicionar estratégias que permitam descobrir o que está escrito e onde está escrito.
b) Para se assegurar do sucesso da atividade proposta: 1. garantir que os alunos saibam o texto de cor (não a sua escrita, mas a sua forma oral); 2. se os alunos, de alguma maneira tiveram acesso ao texto escrito, certificar-se de que não o consultem, a fim de evitar que o decorem dessa forma, pois a atividade poderia se transformar em cópia (o que não é a proposta nesses caso); 3. sempre que possível, levar para a classe os livros de onde os textos foram transcritos, para que os alunos conheçam os autores ou portadores reais.
5. Prosseguir com atividades que permitam o conhecimento progressivo das relações entre o texto e código alfabético.
6. Utilizar textos reais em todo o tempo.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores "Letra e Vida", Governo do Estado de São Paulo, Secretaria de Estado da Educação, Módulo 1, 2005.
Fonte da Imagem:  http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/discovirtual/portaldoprofessor.mec.gov.br

Estratégias e Instrumentos de Avaliação

Avaliação e Avaliações – Práticas Educativas
Frank Viana Carvalho

Vários caminhos são utilizados pelos professores para promover o aprendizado e avaliar seus alunos. Em cada um deles, os objetivos estão sempre relacionados aos aspectos formativos. Cabe-nos então, como educadores, tentar visualizar cenários nos quais estas atividades se desenvolvem, sejam eles positivos, intermediários, ou negativos.

Seminários
Utilizados para promover a interação entre os alunos, estabelecer contextos de expressão verbal dos conteúdos e estimulá-los a pesquisar os assuntos abordados em sala de aula.

Tarefas de Casa
A maioria dos exercícios tem por finalidade ‘fixar’ conteúdos trabalhados em sala de aula. Funcionam em duas direções, uma formativa e outra, de conteúdos. Na formativa, espera-se o desenvolvimento da responsabilidade. Na abordagem dos conteúdos, o pensamento é o aprofundamento e o treino de habilidades.

Trabalho em Grupo em Sala de Aula
Sob os cuidados e o olhar docente, é estabelecido a fim de promover a interação, a cooperação, o aprendizado do ‘trabalho em equipe’ (ceder, compartilhar, compreender, ouvir, expressar, ensinar, assumir responsabilidades, aprender), crescer em empatia (colocar-se no lugar do outro), autonomia, e promover o ‘conhecimento’ com o esforço de todo o grupo.

Testes Surpresa
Promover o estudo antecipado e contínuo dos conteúdos trabalhados cotidianamente em sala de aula.

Trabalhos em Grupo fora da Sala de Aula
Sem a supervisão direta do professor, visam aos mesmos objetivos do trabalho em grupo em sala de aula; tudo isso além da responsabilidade de realizar o trabalho de forma ainda mais autônoma.

Debates
Busca estimular os alunos a apresentar e defender seus pontos de vista diante de assuntos ou temas de interesse (ligados à disciplina).

Provas Escritas
O objetivo principal é a verificação do que foi aprendido ao longo de um determinado período com relação aos conteúdos da disciplina.

Prova Oral
Procura fazer um contraponto à avaliação escrita, dando a oportunidade ao aluno de expressar-se oralmente nos temas da avaliação.

Trabalhos de Pesquisa (a serem apresentados em data posterior)
Visam principalmente desenvolver hábitos de pesquisa e investigação, além, é claro, de propiciar uma oportunidade de aprofundamento no conteúdo proposto. Buscam também o desenvolvimento da autonomia e da responsabilidade discente.

Relatórios de Filmes e Livros
Após a apresentação do conhecimento por caminhos diferentes da simples apresentação docente, buscam verificar a capacidade do aluno de resenhar, sintetizar ou resumir as apresentações em textos escritos, mantendo-se de forma coerente dentro dos tópicos principais.

Fonte da Imagem: www.mistralis.com

Componentes da Avaliação Educacional

Frank Viana Carvalho

A Avaliação é um dos temas mais complexos da educação e talvez seja, após a aprendizagem e os processos de construção do conhecimento, o assunto que mais tem merecido a atenção dos estudiosos da pedagogia na atualidade.

Poderíamos, ao agregar as idéias de Gronlund, Bloom, Zabala e Perrenoud compreender a Avaliação[1] em nove partes interligadas, mas de certa forma distintas:

O objeto da AvaliaçãoO conhecimento declarativo (do domínio cognitivo/curricular/formal) e o conhecimento operacional (o domínio afetivo, as habilidades e os valores)

Os integrantes do Processo da Avaliação
Quem está sendo avaliado (participantes) - O ser humano em formação (o aluno), o profissional da educação (o professor) e a metodologia utilizada (as estratégias ou métodos empregados na avaliação)

Objetivos e Alvos da AvaliaçãoO que se pretende alcançar ao final do processo de Avaliação.

Instrumentos de Avaliação
A indicação da forma na qual a avaliação se apresenta ao estudante: provas escritas, testes escritos, avaliação oral, trabalhos, pesquisas, representações, relatórios, resenhas, resumos, interpretações, etc.

A abordagem da Avaliação
Verificada ou demonstrada na maneira como se avalia o educando: direta (avaliação padrão) e indireta (observação)

Funções da Avaliação
São várias as funções da Avaliação enquanto processo: a função didático-pedagógica (no cumprimento dos objetivos gerais e específicos), a função diagnóstica (para identificar progressos e dificuldades e indicar soluções), a função formativa (buscando ensinar valores, habilidades e competências através da avaliação) e a função de controle (através dos meios, da freqüência e da qualificação). Ainda poderiam ser adicionadas outras funções de acordo com a proposta filosófica do educador, da disciplina ou da instituição.

Periodicidade da Avaliação
Ainda com relação à aplicação da avaliação, este fator se apresenta com relação ao “quando” a avaliação é realizada ou o objeto da avaliação é aferido (Avaliação contínua, sistemática, pontual)

Resultados da Avaliação
O resultado que o aluno é capaz de apresentar com relação ao conhecimento que foi avaliado.

A mensuração dos ResultadosA apresentação dos resultados, quando distintos e passíveis de observação (direta ou indireta), sob alguma forma característica (notas, letras, níveis, classificações, percentuais, etc.)

[1] Não há necessariamente concordância entre os autores citados e suas abordagens sobre a avaliação partem de diferentes pressupostos.

Utilizando NOTAS na Avaliação do Ensino

Devemos usar notas na Avaliação do Ensino?
Frank V. Carvalho

Ao longo de muitos anos várias propostas tem sido apresentadas para cada uma das múltiplas faces da Avaliação, buscando torná-la mais produtiva, rica e interessante para todos os participantes do processo. Entretanto, quando se fala de notas ou de mensuração dos resultados, várias questões vêm à cabeça dos educadores. E é justamente sobre este item que nos aprofundaremos neste texto.

O que é a nota na avaliação do ensino e o que ela representa?

De maneira clara, a nota ou as notas (números) ao final do processo de avaliação não são o resultado da avaliação. A nota, neste caso é apenas uma representação numérica de uma medida (padronizada para aquele fim) ligada ao processo de avaliação. Desta forma, não se pode dizer que “o resultado de fulano é “7,5 (sete e meio)”. Esta nota é apenas uma mensuração agregada a um sistema de avaliação.

O resultado da avaliação, no que diz respeito ao aluno, é aquilo que ele foi capaz de demonstrar e ao mesmo tempo, aquilo que os instrumentos de avaliação puderam verificar com relação ao conhecimento proposto.

Outro aspecto importante é notar as conseqüências diretas do uso de um padrão numérico para determinar ou medir performances acadêmicas. Primeiramente, a nota estabelece de maneira prioritária, critérios de classificação comparativa. Em virtude de se trabalhar através de escalas decimais ou assemelhadas, a classificação inerente a esses sistemas levará a uma comparação que reprimirá aqueles que tem naturalmente mais dificuldades. A nota representa claramente uma medida padronizada de performance. E como medida, de forma natural, há uma desconsideração pelas diferenças. Não poderíamos esperar uma outra coisa, pois toda comparação de mensurações visa determinar ou acentuar as diferenças. E assim, mensurações produzem classificações de forma direta e inevitável.

Um segundo ponto, igualmente importante, é o fato da nota levar à busca da nota em virtude dela mesma (a nota pela nota), e não em função do conhecimento a ser alcançado.

A terceira argumentação iria na direção de que, ao gerar comparação de performances, a nota estimula diretamente a competição. E a competição, quando ligada à aprendizagem traz muito mais prejuízos do que benefícios.

Em quarto lugar, a nota torna-se um prêmio oferecido ao estudante. A visão de prêmio ou premiação que, se existisse, deveria estar ligada às habilidades e aos conhecimentos adquiridos, passa a estar ligada ao prêmio maior: tirar boas notas em função do “prêmio maior”: passar de ano. Para Chevallard, no que tange aos professores de Matemática do Ensino Médio:

““(...) As notas fazem parte de uma negociação entre o professor e seus alunos ou, pelo menos, de um arranjo. Elas lhe permitem faze-los trabalhar, conseguir a sua aplicação, seu silêncio, sua docilidade em vista do objetivo supremo: passar de ano. A nota é uma mensagem que não diz de início ao aluno o que ele sabe, mas o que pode lhe acontecer ‘se continuar assim até o final do ano’.” (CHEVALLARD, 1986:31-59)

Um quinto ponto: as notas estão ligadas a um processo social e cultural de se apontar o “melhor”, o “maior”, o “mais rápido”, o “mais eficiente”. A conseqüência direta disso é que também haverá aqueles que não conseguem alcançar um padrão tão elevado (quando em comparação direta com outros). Logo, estes (os que não se classificarem tão bem) serão os “piores”, os “fracos”, os “lentos”, os “deficientes”. E isto inevitavelmente trará rotulações.
O sexto e último ponto é aquele do qual fizemos referência inicialmente. A nota estabelece critérios de performance comparativa desconsiderando as diferenças individuais. A nota “8 (oito)” que um determinado aluno consegue é às vezes o “melhor” que ele pôde fazer em relação à sua capacidade e maturação cognitiva e psicomotora. Se agregarmos a isto as diferentes qualificações individuais, com relação às aptidões e diferentes inteligências, um sistema de notas será injusto ao não agregar justificativas e descrições detalhadas dos motivos daquela performance. Numa perspectiva dualizante, ao mesmo tempo em que enfatizamos as diferenças individuais na teoria das múltiplas inteligências, insistimos em utilizar uma “régua padrão” para mensurarmos o aprendizado dos alunos. Ora, se somos diferentes, se aprendemos de maneira e ritmos diferenciados, como podemos ser mensurados à luz de um padrão único que é sistema de notas? Zabala afirma que “o objetivo do ensino não centra sua atenção em certos parâmetros finalistas para todos, mas nas possibilidades pessoais de cada um” (ZABALA, 1998:197).

A favor da nota entrariam alguns pontos defendidos pela escola contemporânea:
- Ela é um referencial padrão de aproveitamento escolar, tanto para os alunos, como para professores e pais.
- A nota em si, não é boa, nem má, ela é apenas um padrão numérico.
- As notas dão ao sistema praticidade e agilidade.
- As classificações existem em tudo na vida moderna. O fato dela acontecer também na escola, através das notas, é apenas uma maneira de colocar os alunos em contato com a realidade da sociedade.

A despeito disso, alguns autores mostram sua preocupação com o uso das notas. Gronlund afirma:

O estabelecimento de padrões absolutos de desempenho para cada área instrucional tem grande solicitação, mas apresenta dificuldades. Primeiro, existe pouca evidência empírica para orientar o estabelecimento de padrões... Também, como se observou antes, estes (os padrões) são antes medidas rudimentares de aprendizagem que não proporcionam informação detalhada quanto aos resultados específicos da aprendizagem. (GRONLUND, 1979:21)

Gronlund apresenta a grande solicitação para a utilização de referenciais padronizados para a mensuração dos resultados. Sua primeira colocação é na direção de que seria dispensável a mensuração, pois há pouca evidência em termos de pesquisa prática sobre a sua utilidade. Ele adiciona que essas são medidas que deixam muito a desejar no que diz respeito a um relatório do desenvolvimento específico da aprendizagem. Sem dúvida, pois números ou classificações como letras(com sentido classificatório numérico) não detalham procedimentos e resultados específicos. Embora Gronlund não se posicione frontalmente contrário ao sistema de notas e mensurações quantitativas, ele afirma que “a mensuração do crescimento do aluno é uma tarefa complexa a ser desenvolvida. Os ganhos do rendimento que refletem o crescimento da aprendizagem podem ser contaminados e distorcidos por vários fatores.” (GRONLUND, 1979:20)

White, sobre o assunto da avaliação afirma:

“O sistema de avaliação que visa reprimir não é sábio. Eu sei que outros sistemas podem ser descobertos tão logo nossos educadores tenham aprendido os verdadeiros princípios da educação.” (WHITE, 1976:211)

Como vimos anteriormente, um sistema de notas, por estabelecer e gerar critérios de classificação comparativa, certamente irá reprimir aos que tem mais dificuldades. White fala de um sistema que impede o progresso dos alunos. Sistemas que não tem como enfoque a aprendizagem ou o real progresso - poderíamos afirmar que alguns sistemas levam (os professores e os estudantes) a uma busca de resultados quantitativos (notas, pontos, prêmios, etc.) pelos resultados em si, e não pelo valor do conhecimento e da aprendizagem; a previsão de que outros sistemas (de estratégias de avaliação e até mesmo de metodologias educacionais) poderiam ser descobertas mostra a humildade da escritora em reconhecer que no futuro caminhos melhores seriam encontrados.
Finalmente, “Verdadeiros princípios da Educação” - A verdadeira educação é a formação integral do ser humano - aspectos afetivos, sociais, espirituais, físicos e mentais - uma educação integral visa também todo o período possível da existência humana. A compreensão plena dos verdadeiros princípios da educação traz um novo enfoque para a educação e uma mudança de referenciais - uma preocupação e prática transcendentais.

Edward Deming embora não atuasse de maneira direta na área da educação, afirmou:

Dar nota na escola é uma tentativa de alcançar qualidade através da inspeção. Nenhuma melhoria notável acontecerá até que nossas escolas venham a abolir as notas, do maternal à Universidade. Ao receber notas, os alunos colocam ênfase nas notas, não na aprendizagem. O grande dano das notas é forçar a classificação, o ordenamento... Nossas escolas devem preservar e alimentar o anseio de aprender, com o qual todos nascem. A alegria no aprender não vem tanto do que é aprendido, mas do próprio aprender.” (DEMING, 1994)

Deming confirma o pensamento de outros autores: as notas forçam a classificação, gerando competição, rotulação e segmentação. O enfoque é deslocado da aprendizagem e seus resultados para algo externo à ela, a nota, que acaba sendo vista como um prêmio. Progresso real só será alcançado neste sentido quando as escolas não trabalharem mais com notas ou sistemas classificatórios.

Cosete Ramos dá ênfase a um trabalho sem a utilização de notas, mas acredita que a sua eliminação tem que ocorrer por etapas (estágios):

“No primeiro estágio, ainda existem as notas (esquema numérico), mas elas resultam de inúmeros eventos avaliativos.” (RAMOS, 1995:62) Estes eventos avaliativos, no dizer dela, são a utilização de diversos mecanismos e estratégias diferenciadas de avaliação.
“No segundo estágio, os números são substituídos por menções (esquema de conceitos), que podem ser letras (A, B, C) ou expressões valorativas (Excelente, Muito Bom, Satisfatório). O conceito final de cada aluno reflete o somatório das diferentes menções atribuídas nos vários eventos avaliativos.” (RAMOS, 1995:164) Neste ponto ela busca uma ruptura com os números em um sentido mais simbólico do que prático, pois as expressões valorativas ou as letras ainda estão numa correlação direta com as notas numéricas.
No terceiro e último estágio “as notas e os conceitos são totalmente eliminados, mantendo-se, porém, o registro do progresso, como expressão da avaliação permanente da aprendizagem... mesmo neste último momento adota-se uma abordagem gradual e evolutiva.” (RAMOS, 1995:164).

Para indicar como seria esta aplicação ela exemplifica com uma escola americana que progressivamente, a partir do jardim de infância e 1ª série, foi gradativamente substituindo as notas por uma abordagem onde se trabalhou com padrões pretendidos e expressos numa lista. A aprendizagem era documentado com indicadores e chaves que “indicavam os valores, as habilidades e os conhecimentos e também com boletins descritivas ou registros de avaliação, onde foram apresentadas as atividades desenvolvidas pelos estudantes, os seus sucessos e realizações e as dificuldades a serem trabalhadas, e também sugeridas formas de se trabalhar com o estudante.” No ano seguinte o mesmo foi feito com relação a 2ª série e assim sucessivamente. Ela enfatiza de que esta decisão e conscientização deve ocorrer de forma “consensual, compartilhada e aceita por todos, tanto alunos, como pais e professores.” Ela finaliza:

No sentido de garantir concordância e harmonia, em relação a estas novas práticas avaliativas, foram realizados estudos, debates, reuniões, com o envolvimento dos diferentes parceiros,tanto para explicar o que se pretendia e por que, quanto para discutir alternativas que orientassem a mudança.” (RAMOS, 1995:164)

Conclusões

Alternativas devem ser propostas e melhores sistemas devem ser encontrados. O modelo descritivo apresenta-se no momento como o ideal, mas ele requer mais trabalho da parte de todos. No entanto, não há dúvidas de que ele é superior ao sistema de notas (números) na avaliação do ensino. Os professores que almejam mudanças podem começar a realizar o trabalho no limite imposto pelas quatro paredes, mas certamente estarão semeando não só “resultados de avaliações”, mas procedimentos e compromissos futuros.

Porém, mudanças conceituais só poderão ocorrer, quando toda a equipe escolar estiver no Projeto. Desta maneira, uma escola, com base em seu próprio regimento, poderá estabelecer um modelo interno de avaliação que vise o aluno nas suas múltiplas potencialidades. Modelo este descritivo do desenvolvimento do educando: sempre numa perspectiva positiva, pois as dificuldades e problemas serão diagnósticos para ações educativas.

Poderíamos ficar satisfeitos, mas parafraseando Freinet, precisamos “ir além”. A avaliação deve ser formativa, pois deve considerar aspectos como participação (individual e em grupo) nas atividades, aprendizagem de habilidades e de valores que as notas não podem mensurar. Deve ser progressiva: quando se busca através da avaliação que o rendimento e a performance do aluno melhorem qualitativamente ao longo do período, estes devem preponderar sobre resultados anteriores. Deve contínua e cumulativa: os conteúdos conceituais serão sempre base para novas aprendizagens. Mas o bom profissional planejará (sistemático) e buscará “perceber” o momento para a adequação dos diferentes instrumentos (avaliação pontual).

Para o célebre educador francês Cèlestin Freinet “as notas e classificações são sempre um erro.” Para justificar o seu pensamento ele afirma:

“Professores e pais, no entanto apóiam esta prática, porque nas atuais condições da escola, com crianças que não tem desejo de trabalhar, as notas e as classificações são ainda o meio mais eficaz de sancionar e estimular (...) Mas a compreensão, as funções da inteligência, a criação, a invenção, o sentido artístico, científico, histórico, não se podem mensurar.” (WHITAKER, 1989:93)

Esta necessidade classificatória de promover os “mais aptos”, acaba por relegar a um segundo plano os “menos aptos”. Esta visão é compartilhada por Zabala quando ele afirma que é “necessário também, levar em consideração os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais que promovam as capacidades motoras, de equilíbrio e de autonomia pessoal, de relação interpessoal e de inserção social.” ZABALA, 1998:197). Para estas o sistema de notas se mostra incapaz de conceituar e determinar. No entanto, o mesmo autor afirma que a quantificação ou resposta em poucos pontos é mais fácil de controlar e, portanto, exige um menor investimento em recursos que permitam desenvolver processos qualitativos. Ou seja, convivemos com a busca do ideal: uma formação e avaliação integral, mas continuamos, até por questões de praticidade e facilidade, a utilizar mecanismos simplistas na demonstração dos resultados. Por tudo isso, com relação aos resultados da avaliação ele afirma que “a informação e o conhecimento têm de permanecer na privacidade do aluno e de seu professor”(ZABALA, 1998:219).

Perrenoud com sabedoria afirma que convivemos “com” ou “entre” duas lógicas. Por um lado está a educação integral, visando o ser todo e todas as suas potencialidades pedindo uma avaliação formativa (com todas as suas características: contínua, diagnóstica, descritiva, globalizadora, afetiva, progressiva, etc.). Pelo outro lado está a “lógica social”, nem sempre tão lógica assim, buscando classificações e padrões normativos de “excelência” e “seleção”, impondo uma avaliação tradicional (com as suas implicações: estratégias utilitaristas, sistema de notas, didáticas conservadoras, práticas seletivas, etc.). Para ele, a avaliação tradicional funciona inclusive como “uma salvaguarda das elites”, mantendo o “status quo” e as lógicas do sistema e do funcionamento da sociedade contemporânea.

Embora Perrenoud reconheça e afirme que a lógica formativa ganhou força e importância, ela não se impõe automaticamente. Vivemos um “período de transição”. “De que lado o futuro fará pender a balança?”, ele pergunta para em seguida responder: “ninguém sabe” (PERRENOUD, 1999: 18).

Frank Viana Carvalho

BIBLIOGRAFIA:
BLOOM, Benjamim S. Taxionomia dos Objetivos Educacionais: Domínio cognitivo. Porto Alegre: Globo, 1976.
CHEVALLARD, Y. Vers une analyse didatique dês faits d’evaluation, in De Ketele (dir.) L’evaluation ... 1986, pp. 31 a 59. citado por Perrenoud.
DEMING, W. Edwards. The new Economics: For Industry, Governement, Education. MIT – Center for Advanced Engineering
GRONLUND, Norman. O sistema de notas na avaliação do ensino. São Paulo: Pioneira, 1979.
PERRENOUD, Phillipe. Avaliação: entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1999.
RAMOS, Cosete. Sala de Aula de Qualidade Total. São Paulo: Qualitymark Editora, 1995.
WHITAKER, Rosa Maria. Freinet. São Paulo: Scipione, 1989, p. 93.
WHITE, Ellen G. Mensagens Escolhidas. Santo André: CPB, 1976.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: Como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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