quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Proposta para a Reforma do Ensino Médio (alternativa para modificações na MP 746/2016)

Proposta de Modificação da MP 746/2016

Dr. Frank Viana Carvalho (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - SP)

Considerações iniciais

Ao longo das duas últimas décadas, especialistas em educação têm debatido sobre a necessidade de mudanças no Ensino Médio (EM) com vistas à melhoria dos resultados dos alunos, e o próprio Ministério da Educação criou grupos de estudos com essa finalidade. Os resultados das avaliações dos últimos dez anos mostram que, embora pequeno, houve crescimento no Ensino Médio: o Ideb saiu de 3,4 em 2005, para 3,7 em 2015. O que se percebe é que ao analisar os dados dos países que alcançam melhores no PISA, há desafios em várias frentes para o Ensino Médio no Brasil: capacitação e formação dos professores (formação profissional e continuada), mudanças curriculares, introdução de novas metodologias de ensino e aprendizagem, melhoria da estrutura das escolas (equipe educacional, materiais e equipamentos, espaços pedagógicos), aumento da permanência diária dos alunos na escola (Tempo Integral) e melhoria do plano de carreira dos professores. A mudança proposta pela MP 746/2016 vai basicamente em apenas duas direções: aumento do tempo de permanência dos alunos nas escolas e alterações de natureza curricular. Nessa mesma linha, há grupos de estudo no Brasil com preocupação em realizar mudanças de natureza curricular, e realizar modificações Base Nacional Curricular Comum (BNCC), um deles criado pelo MEC: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio. Será que essas são as mudanças mais indicadas para alcançar os resultados almejados?
Ao analisar atentamente o que ocorreu em outros países que buscaram soluções para esta mesma questão, a resposta volta-se para outros caminhos. Se é verdade que a estrutura no Brasil do EM atual mostra-se anacrônica e insuficiente, não se pode conceber uma proposta moderna de reforma ou reformulação sem estabelecer processos de formação continuada para os professores (investir na melhoria da qualidade do trabalho docente) que lhes permitam utilizar melhores abordagens metodológicas (modernas metodologias de ensino e aprendizagem, percursos de interdisciplinaridade, uso das modernas tecnologias da informação) para a melhoria contínua do seu trabalho educativo e da aprendizagem dos estudantes. Vários modelos seguem essas tendências nos países mais desenvolvidos. Na Finlândia, país que tem sido referência na educação mundial, a maioria dos docentes têm pós-graduação e em seu trabalho têm de articular suas disciplinas a projetos interdisciplinares e às modernas tecnologias para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem.  Na França, por exemplo, o Ensino Médio (Lycée - Liceu) é igual para todos – as provas ou exames finais chamados Baccalauréat é que são diferentes. Ao todo são nove disciplinas, pois algumas são agrupadas interdisciplinarmente (Física e Química; História e Geografia). Na Inglaterra são nove disciplinas básicas no EM (algumas também articuladas interdisciplinarmente, como Artes e Tecnologia, Estudos Sociais e Filosofia, História e Geografia), além de outros componentes adicionais que completam a Escola de Tempo Integral. Em Portugal, os docentes recebem valores adicionais quando estão em capacitação. Os professores do Ensino Médio do Japão trabalham em equipe para estabelecer juntos estratégias de ensino e interdisciplinaridade. Nos Estados Unidos, em vários estados os investimentos se voltam para a capacitação dos professores, pois há vários estudos que mostram que quanto mais se investe na melhoria do trabalho e qualificação docente, tanto melhores são os resultados dos alunos. A diferença média entre alunos com potencial semelhante chega 53 pontos percentuais ao final de oito anos de estudo:

* Entre os 20% de melhores professores;

** Entre os 20% de piores professores

A análise dos dados testados de Tennessee mostrou que a qualidade dos professores afetou mais o desempenho dos alunos do que qualquer outra variável; em média, dois alunos de desempenho médio (50º percentil) diferiam em mais de 50 pontos de percentil num período de três anos dependendo do professor que tinham.

Fonte: Sanders & Rivers Cumulative and Residual Effects on Future Student Academic Achievement.


Quando se fala em estratégias para melhorar a qualidade do trabalho dos professores, o exemplo da Inglaterra é emblemático. Lá não houve melhoria nos níveis de alfabetização nas escolas durante 50 (cinquenta) anos. Uma abordagem estratégica para elevar a qualidade dos professores em 1997 resultou em melhorias significativas em apenas 03 (três) anos:


* Os níveis de alfabetização antes da introdução das avaliações nacionais eram extrapolados de fontes de dados disponíveis
Fonte: Departamento de Educação e Habilidades (RU), Trends in Standards of Literacy and Numeracy in the United Kingdom 1948-1996, análise McKinsey.


A proposta para o EM do Brasil:

Inspirada nos modelos acima citados, em pesquisas educacionais, em diálogos produtivos com vários docentes de diferentes instituições, e com membros da equipe do IFSP-SRQ, nossa proposta é simples e altamente funcional:
- Manter um grupo permanente de estudos da Base Nacional Curricular Comum (BNCC);
- Os sistemas de ensino deverão criar mecanismos de formação continuada e capacitação dos docentes e demais educadores que atuam na Educação Básica, remunerando de forma adicional os docentes durante todo o período em que estejam em capacitação;
- As instituições formadoras de professores modificarão seus currículos para ensinar aos educandos modernas metodologias de ensino e aprendizagem com eixos teóricos e práticos que envolvam a interdisciplinaridade em suas múltiplas apresentações, tecnologias da informação, avanços científicos, trabalho em equipe e cooperação, solução de problemas, educação socioemocional, criatividade, desenvolvimento de competências, habilidades e múltiplas inteligências;
- Estabelecer a interdisciplinaridade como meta principal da ação pedagógica, articulando o trabalho docente às novas tecnologias, saberes científicos e temas da modernidade;
- Alocar as disciplinas em Projetos multidisciplinares, de tal forma que os processos avaliativos também caminhem conjuntamente;
- Os docentes de cada uma das disciplinas continuarão a lecionar os conteúdos curriculares de suas áreas, mas planejarão as atividades de ensino e aprendizagem para a integração e não para a segmentação;
- As seguintes disciplinas trabalharão em projetos de avaliação interdisciplinar conjuntamente:
- Física e Matemática;
- Inglês e Espanhol (língua estrangeira moderna);
- Biologia e Química;
- História e Geografia;
- Filosofia e Sociologia;
- Artes e Educação Física;
- A disciplina Língua Portuguesa se articulará em diferentes momentos aos projetos de avaliação conjunta dos componentes de Artes e/ou das demais disciplinas;
- Em cada ano do Ensino Médio haverá um Projeto Integrador, conduzido por dois ou mais docentes para promover a interdisciplinaridade em suas variadas formas e integrar os componentes curriculares;
- Todas as escolas em suas grades horárias estabelecerão momentos (dias e horários) onde todos os docentes de cada turno poderão se reunir para estudar, desenvolver e estabelecer projetos para a atuação interdisciplinar de forma a melhorar os processos de ensino e aprendizagem – esses momentos deverão ocupar entre duas e quatro horas aulas semanais;
- Nos cursos técnicos de Ensino Médio as equipes docentes estabelecerão propostas de interdisciplinaridade nos componentes da formação profissional;
- As avaliações ligadas aos processos seletivos das instituições de ensino superior considerarão essas mudanças em seus modelos de avaliação e ao avaliar os conhecimentos curriculares terão enfoque em competências e habilidades;  
- Os sistemas de ensino estabelecerão projetos para a implantação em todo o país da Escola de Tempo Integral, aumentando progressivamente a carga horária até o total de 1400 horas anuais;
- Os temas transversais serão articulados de forma objetiva às disciplinas da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).

São Roque, 05 de outubro de 2016.


Tive o privilégio de visitar a Câmara dos Deputados em Brasília em 05 de outubro de 2016, onde fui cordialmente recebido pela equipe do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, presidente da Comissão de Educação. Entreguei a ele e à equipe a Proposta que, tenho certeza, pode contribuir para uma melhor reforma do que a anunciada na MP 746/2016.







segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A Polêmica Medida Provisória do Ensino Médio - MP 746/2016

Análise da MP 746/2016

por F. V. Carvalho

Considerações iniciais

Ao longo das duas últimas décadas, especialistas em educação têm debatido sobre a necessidade de mudanças no Ensino Médio (EM) e o Ministério da Educação criou grupos de estudos com essa finalidade. Como toda e qualquer mudança no EM terá natureza curricular, ao longo deste período houve estudos para se estabelecer uma Base Nacional Curricular Comum (BNCC).
Mas na ansiedade para realizar mudanças, a equipe atual do ministério atropelou as Comissões, o Congresso (há um Projeto de Lei tramitando para alterar o EM: PL 6840) e os Grupos de Estudo sobre o assunto.
Não se pode negar a boa intenção do ministério em realizar mudanças num modelo que se mostra anacrônico e insuficiente em suas propostas e objetivos. Mas a MP do EM (MP 746 de 22/09/2016) foi uma medida apressada e deixa muito a desejar em se tratando de qualidade de ensino, da real preocupação com a formação integral dos estudantes, e do interesse nos docentes e sua atuação.
Após citar pesquisas e estatísticas que, em grande parte não dizem respeito diretamente ao modelo do EM, mas ao sucesso ou insucesso da educação no Brasil, na argumentação do ministro ao presidente (EM nº 00084/2016/MEC, de 15/09/16), faltou um pouco mais de aprofundamento teórico, como por exemplo no item 20, onde é afirmado:
"É de se destacar, outrossim, que o Brasil é o único País do mundo que tem apenas um modelo de ensino médio, com treze disciplinas obrigatórias. Em outros países, os jovens, a partir dos quinze anos de idade, podem optar por diferentes itinerários formativos no prosseguimento de seus estudos”.
O Brasil não tem apenas um único modelo de EM (a LDB 9394/96 cita pelo menos quatro ‘modelos’ gerais), mas é verdade que os conteúdos estão divididos em um número maior de disciplinas aqui do que em outros países. Não são citados exemplos e nem há contextualização ao falar dos países que oferecem itinerários diferentes. Essa falta de aprofundamento é preocupante. Na França, por exemplo, o Ensino Médio (Lycée - Liceu) é igual para todos – as provas ou exames finais chamados Baccalauréat é que são diferentes. Ao todo são nove disciplinas, pois algumas são agrupadas (Física e Química; História e Geografia).
Assim, voltando à MP, percebe-se no processo a desconsideração para com as equipes de trabalho que estão à procura de alternativas e soluções para um melhor Ensino Médio. E na conjuntura atual do país, outras reformas são muito mais urgentes e necessárias (trabalhista, previdenciária, tributária, do judiciário) e o governo, que se diz tão interessado em modernizar o país e agradar as ‘tendências e forças do mercado’, não editou nenhuma até agora uma MP para fazê-las avançar. A pressa não se justifica. Na Finlândia, um país que é referência mundial em educação, a mesma reforma na educação levou dez anos. Se seguirmos pelo caminho correto, com a participação de todos e decisões passo a passo, quando se chegar a uma proposta, é provável que não haverá unanimidade, mas isso é normal em construções coletivas no processo democrático.

Após as várias tensões geradas, as vozes agora são de que a MP quer apenas provocar o debate. Será?
Para mim, dentre vários, são três os grandes problemas da MP: a diminuição do número de disciplinas obrigatórias; a redução da carga horária máxima (teto) das disciplinas da BNCC para 1200 horas; a possibilidade de ser ofertada apenas uma 'área' por escola. Mas há outros 'problemas'.
Aqui listo um resumo dos principais ‘problemas” da MP do Ensino Médio (EM) e na sequência apresento um estudo mais detalhado.

Resumo
1) É uma MP desnecessária, pois é um tema que requer muito mais debate e a participação efetiva dos segmentos cujos interesses são representados. Há um Projeto de Lei em tramitação na Câmara (PL 6840/2013) sobre o assunto. E não há que ter angústia por esse motivo: temas complexos e controversos demandam tempo em sua preparação e tramitação legal;
2) Vai criar ‘desemprego’ e reduzir as condições adequadas e necessárias ao trabalho docente (levará a uma competição predatória, trará insegurança, e ao mesmo tempo levará ao desprestígio e à supervalorização de diferentes carreiras docentes);
3) Haverá apenas um ano e meio de formação geral para estudantes que já têm apresentado nas últimas décadas um declínio na qualidade da sua formação no Ensino Fundamental e chegam defasados ao Ensino Médio;
4) Aumentará significativamente o valor das mensalidades escolares do Ensino Médio na rede privada em função do aumento da estrutura necessária para a implantação com qualidade desta nova legislação;
5) Os alunos sairão do Ensino Médio com uma visão ainda mais ‘fragmentada’ e reduzida do ‘conhecimento geral’ que advém das várias disciplinas, tão necessário em todas as carreiras – um ano e meio é insuficiente para todas as disciplinas, mesmo com o aumento da carga horária;
6) A MP claramente apresenta uma proposta que permite às redes e sistemas de ensino oferecerem apenas uma área por escola. Essa é uma parte muito frágil e complicada da proposta. Não há nenhuma garantia de que as ‘áreas’ oferecidas em diferentes escolas atenderão a critérios de necessidade regional – até porque a ideia é possibilitar a livre escolha – uma contradição;
7) O pretendido e gradual aumento na formação dos estudantes de 800 para 1400 horas ano só ocorrerá nas escolas de tempo integral. A MP diz que o ministro lançará regras para dizer quais escolas públicas se encaixam nas condições para receber os recursos destinados às Escola de Tempo Integral. Com a anunciada redução de recursos da PEC 241, fica claro que não é uma proposta para todos;
8) Embora o governo tenha emitido uma nota dizendo que elas continuarão, Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia tornaram-se opcionais no texto da MP. Resta ver se de fato será assim;
9) O estabelecimento de um ‘teto’ menor de horas para as disciplinas da BNCC, 1200 horas/aulas, mostra uma intenção de nivelar por baixo a qualidade da formação pretendida. No modelo atual (ou anterior) do EM, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) ocupa em torno de 2000 das 2400 horas/aulas totais no EM. Na proposta da MP, o ‘máximo’ que poderá ser ofertado pela BNCC serão 1200 horas/aulas;
10) Não é possível esperar aumento da qualidade da formação dos estudantes com uma redução tão drástica na carga horária da BNCC. As atividades complementares e disciplinas da parte diversificada certamente não darão conta de suprir a ausência e diminuição de conteúdos básicos. É uma medida (a redução da Carga Horária máxima da BNCC) que vai na contramão do que a MP anuncia, e evidencia, em paralelo, a intenção de cortar custos;
11) Forçará alunos ainda mais novos, em processo de amadurecimento de suas escolhas vocacionais, a decidir por caminhos que encaminharão seu rumo profissional. A formação geral que ajuda no processo e amadurecimento das escolhas foi encurtada em um ano e meio e diminuída em seu total de horas. Adultos mudam de ideia e de carreira com relativa frequência - imagine o que pode ocorrer com um aluno de dezesseis anos que mudar de ideia após cursar alguns meses na 'área' escolhida?;
12) Parte dos créditos acadêmicos na formação do estudante do EM pode ser contada com experiências profissionais, atividades à distância e outros. Aqui há muitos perigos camuflados, pois, sob o pretexto da modernidade, pode-se, por exemplo, eliminar postos de trabalho docentes e substituí-los por monitores em escolas de um único turno (4 horas/dia) ou de tempo integral (7 horas/dia);
13) Se em grande parte das escolas públicas, a oferta de apenas ‘uma área’ trará redução de custos e criará obstáculos aos estudantes da região em suas escolhas, nas escolas particulares a oferta de várias áreas aumentará os custos a princípio, mas com o tempo, as áreas de menor procura tenderão a ser desativadas, gerando ‘desemprego’ e decepção entre os docentes e os estudantes. Somente escolas de grande performance ou voltadas à classe economicamente mais rica continuarão ofertando todas as áreas;
14) Serão aceitos docentes para o EM que apresentem o ‘notório saber’. Em alguns casos, é verdade, esse conhecimento é válido. Mas vale lembrar que atualmente as Faculdades apenas certificam 'disciplinas' com o mecanismo do 'notório saber', nunca um curso completo de graduação. Então, como será a utilização desse mecanismo (notório saber) com a grande necessidade de profissionais da educação em algumas áreas críticas? Onde ficará a tão cobrada e exigida formação em nível superior para a docência? E a necessária formação pedagógica para o exercício do magistério?
15) A Medida Provisória prevê a concessão de certificados intermediários de "qualificação" para o trabalho. Ainda no processo de ensino e formação, o estudante do EM poderá receber um certificado profissional para ingresso no mercado de trabalho. Qual é a intenção dessa ‘pressa’ em certificar os estudantes?
16) A MP prevê aproveitamento de créditos em níveis diferentes. Outra evidência de pressa na construção da MP. Se a ideia vingar, disciplinas da graduação poderão ser aproveitadas no Latu Sensu, que por sua vez poderão ser aproveitadas no Mestrado, e consequentemente no doutorado. Essa é boa: para algumas áreas, basta fazer o EM. Sem comentários.
17) A MP prevê recursos adicionais pelo prazo máximo de quatro anos para as escolas que adotarem o modelo de EI (Educação Integral). E o crescimento das escolas? Como lidar com o aumento das demandas e dos investimentos?
18) Não resta dúvidas de que o modelo proposto aumentará as desigualdades já existentes no quadro de oportunidades dos jovens brasileiros e aprofundará o fosso social que separa pobres e ricos.

19) A Universidade de São Paulo e a Unicamp, por exemplo, diminuirão as exigências em seus processos seletivos para se adequar à avaliação por 'áreas' ou por 'competências' abrindo mão da 'carga de conteúdos' das diversas disciplinas?

Em entrevista na sexta-feira, quando recuou no discurso sobre as disciplinas obrigatórias, a Secretaria executiva do MEC afirmou o seguinte:
"As escolas não são obrigadas a oferecer todas as ênfases. Elas podem optar, oferecer uma só. Se ela não quiser oferecer nenhuma ênfase, ela pode continuar fazendo o que ela quiser, desde que ela cumpra a Base Nacional Comum".
Essas palavras da Secretária Executiva não estão coerentes com o texto da MP 746/2016, pois a mesma ‘altera’ a LDB 9394/96 trazendo parâmetros para todas as escolas do Ensino Médio. Mais uma evidência do desencontro entre o discurso e a letra da lei, no caso, a letra da MP. Observem que essa fala é preocupante. Se uma escola se limitar a cumprir apenas a Base Nacional Curricular Comum, ela reduzirá em muito a formação dos alunos, pois a MP estabelece que a BNCC deve ser de no “máximo” 1200 horas. Além disso, não há previsão de consequências para as escolas que façam de uma maneira ou de outra, desta ou daquela maneira. A MP traz as regras, cria a flexibilidade e ao mesmo tempo promove a instabilidade. Afinal, que tipo de Ensino Médio esse ministério pretende criar?

Aos fatos
Em resumo, a MP não é boa. Na verdade, há vazios, desconexões e desdobramentos que conspiram contra os próprios objetivos da MP. Causa estranheza que tenha partido do Ministério da Educação no qual há equipes que estudam o assunto há muito tempo.
Se o ministro enviasse uma MP com o aumento de quatro para sete horas diárias, ou seja, criando a Escola de Tempo Integral e solicitasse que a carga horária de Matemática, Língua Portuguesa e Inglês fosse maior do que a atual, teria sido mais simples e mais objetivo. E não causaria tanta polêmica.
Vamos agora analisar criteriosamente a MP 746 de 22/09/2016. Em letras da cor azul e dentro dos quadros, a MP, em seguida a análise.

Início
MEDIDA PROVISÓRIA No 746, DE 22 DE SETEMBRO DE 2016

Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:


Análise artigo a artigo e ponto a ponto:
MP 746 de 22/09/2016
Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 24. ......................................................................
Parágrafo único. A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, observadas as normas do respectivo sistema de ensino e de acordo com as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação estabelecidos no Plano Nacional de Educação." (NR)

Como diz a Lei 9394/96
O inciso I do caput diz(ia):
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver.

Análise e Implicações da MP:
O aumento de 800 para 1400 horas anuais só será possível em uma escola de tempo integral.
Os sistemas de Ensino responsáveis pelo Ensino Médio - esfera administrativa estadual – é que dirão como será feita a transição em cada estado.
A princípio, parece virtuosa essa mudança.

MP 746 de 22/09/2016
    "Art. 26. ............................................................
§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do Brasil, observado, na educação infantil, o disposto no art. 31, no ensino fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio, o disposto no art. 36.

Como diz a Lei 9394/96
Os currículos do caput do Art. 26, e capítulos posteriores, e normatizações sobre a Base Curricular dizem(iam):
Art. 26.  Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos.
§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.

Análise e Implicações da MP:
No art. 26, a abrangência do currículo envolve na LDB 9394/96 toda a Educação Básica (EI, EF e EM). Este artigo é o primeiro na MP a tentar dar clareza à obrigatoriedade da Língua Portuguesa e da Matemática em todos os anos. As alterações estão no final do parágrafo, onde se direciona para o art. 36.


     MP 746 de 22/09/2016
Art. 26...
§ 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.
§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, sendo sua prática facultativa ao aluno...

Como diz a Lei 9394/96
No art. 26, § 2 - “O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.
- § 3 - A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica...”

Análise e Implicações da MP:
Se esta modificação não for corrigida, Artes e Educação Física serão optativas no EM.
O governo emitiu uma nota na sexta-feira (23/09/16) recuando da mudança e mantendo a obrigatoriedade das Artes e da EF no Ensino Médio.

     MP 746 de 22/09/2016
Art. 26...
§ 5º No currículo do ensino fundamental, será ofertada a língua inglesa a partir do sexto ano.

Como diz a Lei 9394/96
No art. 26, § 5º “Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série [sexto ano], o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição.”

Análise e Implicações da MP:
Não é mais ‘opcional’ a escolha para a oferta de uma língua estrangeira – que era escolhida e definida pela escola em seu PPP: agora o ensino da Língua Inglesa é obrigatória do sexto ano em diante.


     MP 746 de 22/09/2016
Art. 26...
§ 7º A Base Nacional Comum Curricular disporá sobre os temas transversais que poderão ser incluídos nos currículos de que trata o caput.

Como diz a Lei 9394/96
Neste ponto a MP modificou completamente o Art. 26, pois na redação anterior, o § 7o dizia assim:  “Os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma integrada aos conteúdos obrigatórios”.

Análise e Implicações da MP:
A decisão sobre o que será objeto de ensino é transferida para a BNCC (Base Nacional Curricular Comum). E aqui os “os princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental” podem continuar ou não como obrigatórios, entre vários outros itens.


     MP 746 de 22/09/2016
Art. 26...
§ 10. A inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curricular dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação, ouvidos o Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed e a União Nacional de Dirigentes de Educação - Undime." (NR)

Como diz a Lei 9394/96
Como a MP altera completamente o art. 26, ela “anula” a obrigatoriedade dos componentes curriculares anteriores.

Análise e Implicações da MP:
Aqui as implicações da MP são muito grandes pelo que é omitido. Ao longo da MP fica claro que apenas Língua Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa estarão presentes em todos os anos do Ensino Médio (EM).
Embora em nota o Ministério tenha recuado, é necessário ver os desdobramentos e publicações legais dos próximos dias, pois todas as disciplinas do EM, exceto as três citadas (Língua Portuguesa, Matemática e Língua Inglesa), passam com a redação acima, a não ser obrigatórias nos três anos do EM.
 Pode parecer ‘ilógica’ a construção de uma base curricular do EM com ‘apenas’ três disciplinas obrigatórias, mas é o que diz o texto. Claro que o texto também diz que outras disciplinas ‘obrigatórias’ serão definidas pela BNCC, mas o nome delas não aparece aqui.

MP 746 de 22/09/2016
"Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional:
I      - linguagens;
II     - matemática;
III    - ciências da natureza;
IV    - ciências humanas; e
V     - formação técnica e profissional.

Como diz a Lei 9394/96
O Art. 36 previa [além da Base Nacional Comum Curricular]:
III - uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição.
IV – Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio.

E a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), de acordo com a Resolução CNE 02 de 30/01/2012, apresenta o seguinte para o Ensino Médio:
Parte Obrigatória:
Linguagens (Língua Portuguesa, Artes, Educação Física e Língua Estrangeira Moderna);
Matemática;
Ciências Humanas (História, Geografia, Filosofia e Sociologia);
Ciências da Natureza (Biologia, Química e Física);

Parte Diversificada:
2ª Língua Estrangeira;
Outras Disciplinas [ex. Informática];
Disciplinas Técnicas em Cursos Técnicos.

O Art. 36 (e os seguintes), continua falando sobre as Escolas de Ensino Médio Técnico.
§ 2º O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.   
§ 3º Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos.
Art. 36-B.  A educação profissional técnica de nível médio será desenvolvida nas seguintes formas:
I - articulada com o ensino médio;       
II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha concluído o ensino médio.       
Art. 36-C.  A educação profissional técnica de nível médio articulada, prevista no inciso I do caput do art. 36-B desta Lei, será desenvolvida de forma:  
I – integrada...
II – concomitante...
a) na mesma instituição de ensino...
b e c) em instituições de ensino distintas...
Art. 36-D.  Os diplomas de cursos de educação profissional técnica de nível médio, quando registrados, terão validade nacional e habilitarão ao prosseguimento de estudos na educação superior.

Análise e Implicações da MP:
Como a MP “anulou” o artigo 36 da LDB 9394/96, e retirou a obrigatoriedade de Artes e EF, a primeira e evidente leitura foi a da retirada das quatro disciplinas do EM (Artes, EF, Filosofia e Sociologia), pois era no artigo 36 que repousava a inclusão de Filosofia e Sociologia como disciplinas.
Na Legislação atual, embora ‘todas’ as disciplinas ‘obrigatórias’ da BNCC costumem aparecer em todos os anos do EM, com a alteração da LDB 9394/96 realizada pela Lei 11.684, de 2008, somente Sociologia e Filosofia aparecem na LDB como ‘obrigatórias em todos os anos’ (art. 36, IV). Na formulação atual da LDB, Artes e Educação Física (Art. 26, § 2 e § 3) aparecem como ‘obrigatórias’ no Ensino Médio, não como obrigatórias em todos os anos. Como a MP altera completamente o art. 26, ela “anula” a obrigatoriedade dos componentes curriculares anteriores.
O governo, após a publicação da MP na sexta-feira de manhã, no mesmo dia à tarde (23/09/16), recuou e disse que todas as disciplinas ‘obrigatórias’ da BNCC continuam como obrigatórias. Resta agora ver uma publicação oficial afirmando isso durante o tempo de validade da MP.
Além do recuo do governo, fica evidente que, qualquer modelo, proposta ou caminho ‘novo’, não poderá avançar sem a definição da BNCC pelas autoridades competentes.
Entre outras, essa é mais uma evidência da ‘pressa’ e do ‘atropelo’ da medida.

MP 746 de 22/09/2016
Art. 36...
§ 1º Os sistemas de ensino poderão compor os seus currículos com base em mais de uma área prevista nos incisos I a V do caput.
§ 3º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências, habilidades e expectativas de aprendizagem, definidas na Base Nacional Comum Curricular, será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino.

Análise e Implicações da MP:
Esta é, talvez, uma das partes mais “problemáticas” da MP. Tem várias implicações:
Em se tratando de ‘sistema de ensino’, a instância responsável pelo EM com base na LDB 9394/96, art. 10, inciso VI, são os Estados. Eles também deliberam sobre as instâncias privadas (escolas particulares) na educação do ensino médio e fundamental (art. 17, incisos I a IV). Com base na afirmação da MP, cabe então aos estados a organização e definição da ‘quantidade’ de áreas (educativas no EM de acordo com a MP) no seu espaço de abrangência legal.
Quando a MP diz que os sistemas “poderão compor os seus currículos com base em mais de uma área”, já dá a entender que podem ser compostos modelos com apenas “uma” área. Ou múltiplos modelos – enfim, uma escola pode oferecer ‘uma área’, outra escola oferecer ‘duas áreas’ e assim por diante. Isso é muito problemático e já de início leva a vários desdobramentos e análises.

As Escolas, os Sistemas e as Redes de Ensino:
Ao analisar a implantação da proposta, no que diz respeito às Escolas que ofertarem cinco áreas (linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas e formação técnica e profissional) ou quatro áreas (todas, menos a técnica), em 4 horas/dia (durante a transição), ou 7 horas (com o período integral implantando), algumas análises:
- A partir da metade do curso, onde havia uma ‘turma’, para cada área, haverá uma nova ‘sala’ ou ‘turma’ – o que implica e indica que é necessário aumento da estrutura (tamanho da equipe e espaço físico); Todas as escolas ou a maioria delas oferecerá todas as áreas?
- Sem dúvida, é possível a partir da metade do EM manter os alunos numa mesma sala nos horários em que terão os mesmos componentes curriculares e separá-los apenas no momento em que eles terão as aulas de cada área. Mas se a ênfase da MP é a preparação na 'área' específica da escolha, então (logicamente) essa 'área' terá muitas aulas específicas voltadas somente a essa área. 
- Para que os alunos nas diferentes ‘áreas/turmas/salas’ não tenham tempo ocioso na escola, os ‘currículos’ na segunda etapa do EM deverão prever mais ‘aulas’ e mais ‘atividades’ para ‘cobrir’ o espaço deixado na grade horária semanal (pelas disciplinas que a partir de ‘agora’ fazem parte de outras ‘áreas’);
- Na área de ‘Matemática’, por exemplo, ainda no modelo de 4 horas dia, num modelo hipotético, o aluno terá 30 aulas semanais, onde passará de 15 a 20 horas/aula estudando ‘Matemática’ (as outras horas serão para as ‘atividades’, ‘temas transversais’ e outras propostas que ainda dependem da aprovação da BNCC). No modelo de Escola Integral, 7 horas dia, o aluno terá 50 aulas semanais, onde passará de 30 a 35 horas semanais estudando ‘Matemática’. Ora, nem em Faculdades de Matemática há tal ‘ênfase’ com tal carga de aulas de ‘Matemática’.
- Hipoteticamente, uma escola que vier a oferecer as cinco áreas, a partir da segunda etapa do EM, terá que necessariamente ‘aumentar a carga horária’ dos docentes da ‘área’ selecionada entre 3 e 5 vezes mais (no modelo de 4 horas/dia) e até o máximo de 7 vezes mais (no exemplo de Matemática). Esse aumento de C/H seria numa única escola.
- Nas redes e sistemas de ensino onde os docentes que lecionam ‘Matemática’ ou ‘Língua Portuguesa’ estão próximos do limite máximo de aulas semanais (32 horas/aulas em sala de aula), os exemplos acima mostram que é praticamente ‘inviável’ para a maioria das escolas públicas estaduais entrar no novo modelo e ofertar essas áreas sem a contratação de outros profissionais (mesmo se tiverem salas e espaços pedagógicos disponíveis). Em geral, esses docentes dessas duas disciplinas dão muitas (ou todas as) aulas na mesma escola;
- A oferta de apenas uma área em algumas escolas implicará em disputas internas na elaboração do modelo nas escolas e nas redes de ensino (qual área será a ‘eleita’ ou ‘escolhida’?);
- O estudo logístico e operacional para a oferta das diferentes áreas em diferentes escolas, envolvendo escolhas dos alunos, disponibilidade e locomoção de docentes, capacidade das salas nas escolas em diferentes turnos (no caso de 4 horas/dia) e mesmo na escola integral será um desafio sísifo, isso sem mesmo considerar a mobilidade atual que os atrativos da carreira impõem.
- As escolas particulares terão um claro e óbvio motivo para aumentar o valor das mensalidades (a maioria encaminhará a oferta para quatro opções com muitas aulas em cada uma delas).

Os Estudantes e as Escolhas das Áreas:
Historicamente, as escolhas profissionais sofrem sazonalidade, havendo em diferentes momentos maior procura em diferentes caminhos profissionais. As Universidades indicam ano a ano os cursos ‘mais procurados’ na relação candidato/vaga. Essa é a realidade da educação no seu desenvolvimento. Com as diferentes ‘áreas’, em diferentes escolas ou mesmo em uma única escola do EM, há várias implicações:
- Após um ano e meio, vários estudantes de Escolas públicas terão que mudar de escola para continuar a sua formação do EM. E se não houver próximo à residência deles a oferta daquela determinada ‘área’ escolhida?
- Como operacionalizar essa escolha e consequente transição? Qual será o critério da escolha das áreas pelos estudantes? Ou não haverá critérios, ficando esse importante momento apenas pela pura e ‘simples’ escolha da ‘área’ que naquele momento mais atrai ou agrada o estudante?
- Como atender aos estudantes se houver menos ‘vagas’ na área que em determinado momento houver mais procura? Neste caso específico, haverá sorteio? Ou serão observadas as notas, rendimento ou ainda outros critérios? Os alunos não contemplados serão ‘obrigados’ a ingressar em outra área que tenha vagas? Sim, há o argumento de que eles poderão voltar depois e cursarem a ‘área’ desejada. Mas se os alunos forem ‘forçados’ a escolher outra área pela falta de ‘vagas’, eles manterão a motivação para os estudos?  
- Se na faixa etária dos 18 ou 19 anos, muitos adolescentes têm grandes dificuldades de escolher uma carreira ou caminho profissional, como jovens ainda mais novos, com 16 ou 17 anos, estarão ‘seguros’ para escolher uma ‘área’ que os encaminhará ou definirá o seu rumo profissional?
- Há diversos estudos sobre a adolescência (BLOS, 1985; KIMMEL e WEINER, 1998; CARVALHO, 1996, e outros) que mostram como nessa faixa etária eles são fortemente influenciados por seus respectivos grupos nas escolhas e atitudes ideológicas, ocupacionais e interpessoais. O que levará grande parte das escolhas das áreas a não seguir o que supostamente pretendem os autores da MP. Explico: a escolha durante o EM - onde há a possibilidade concreta dos ‘grupos’ permanecerem juntos - é diferente da escolha ao final do EM, quando os vestibulares e ENEM definem os rumos. Eles farão escolhas influenciados por seus pares ou para permanecerem juntos de seus ‘amigos’.
- Como a formação geral estará restrita à primeira parte do EM, haverá um ‘empobrecimento’ nesta formação, que é justamente aquela que possibilita melhores escolhas vocacionais e profissionais;
- Se as escolas decidirem oferecer ajuda profissional para ajudar aos estudantes (com orientação e aconselhamento vocacional), isso será determinante nas escolhas das áreas? E se os estudantes quiserem escolher uma área diferente que aquela indicada numa análise vocacional?
- Em caso de uma área ser ‘mais escolhida’ ou ‘procurada’ que outras áreas, como atender a todos os estudantes que a procuram? Ofertar essa área’ em mais escolas em detrimento das áreas de menor procura? Mudar a cada certo tempo a oferta das áreas? Criar mais escolas com as áreas mais procuradas?
- O que fazer com as ‘áreas’ de menor procura? Abrir menos oportunidades ou oferecer as áreas de menor procura em um número menor de escolas?

Os Professores
É bastante provável e possível que algumas áreas serão, em determinado momento, serão mais escolhidas que outras. Embora possa parecer razoável oferecer logo de início a mesma quantidade de áreas, isso não refletirá necessariamente nas escolhas dos alunos (aqui, o aspecto quantitativo). No afã de atender corretamente aos estudantes, a tendência inicial dos modelos é ofertar no máximo possível de escolas todas as áreas. Mas depois de apenas alguns anos de implantação do sistema, os alunos começarão a escolher e demonstrar quais são seus interesses. Isso implicará em várias questões:
- Áreas menos escolhidas implicarão em menos alunos e menos ‘salas’/’espaços’ para essas áreas e menos horas/aulas para os professores dessas respectivas áreas? Haverá ou não grandes disputas entre os docentes para escolher as escolas que oferecem maior carga horária para as suas respectivas áreas?
- Assim como deve aumentar a procura de profissionais para ‘áreas’ com maior procura, o inverso também se aplica. O que fazer com os docentes já contratados ou concursados que terão menos horas/aulas?
- É solução diminuir a carga horária dos professores das áreas de menor procura de uma hora para outra? Não significará isso desconsiderar todo o esforço institucional e pessoal na formação dos profissionais? Ou os idealizadores da MP preveem que esses profissionais serão ‘aproveitados’ para ensinar ‘outros’ conteúdos que não sejam de sua área de formação?
- Já há um déficit histórico de professores em algumas áreas. Criar um modelo que aumenta a necessidade de docentes com o desdobramento de turmas (em função das áreas) trará necessariamente mais profissionais para essas áreas?

Geral
As modernas teorias e modelos de ensino e aprendizagem mostram que as diferentes habilidades, competências, inteligências e aptidões devem ser alvo do trabalho da educação. Nessa visão da MP, não estaria a divisão por áreas acontecendo ‘cedo demais’ no processo formativo do EM?
Embora o governo tenha voltado atrás no mesmo dia da publicação, a ênfase em Matemática e Língua Portuguesa (e também o Inglês como linguagem) mostra claramente que o modelo é o mesmo da supervalorização das inteligências lógico-matemática e verbal-linguística que ocorreu em grande parte do século passado. Howard Gardner, pesquisador da Universidade Harvard, conhecido e respeitado pela Teoria das Múltiplas Inteligências, faz duras críticas a essa visão, estereotipada pelos antigos testes de QI, e suas questões lógico-matemáticas e verbais-linguísticas (GARDNER, 1998). Ou seja, insistir numa visão que já se mostrou insuficiente é mais uma das marcas do retrocesso.

MP 746 de 22/09/2016
Art. 36...
§ 6º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e duzentas horas da carga horária total do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.

Análise e Implicações da MP:
Há aqui uma contradição, um erro evidente, ou um claro pretexto para a diminuição da ‘qualidade’ pretendida. Se a carga horária da BNCC não pode ser maior que 1200 h/a durante todo o EM, e no modelo anterior, a BNCC ocupava na montagem da grade, em torno de 2000 das 2400 horas/aulas, já na primeira parte do EM (um ano e meio) será alcançada a carga horária da BNCC. Como avançar sem ‘ultrapassar’ o limite máximo?
Se estivesse escrito “não poderá ser inferior”, na busca da qualidade e na divisão em áreas, o texto teria ‘alguma lógica’. Do contrário, a permanecer essa limitação, haverá perda da qualidade na formação.
A permanecer esse texto com apenas 1200 horas h/a para a BNCC, ela terá que ser alterada, com a mudança de algumas disciplinas para a parte diversificada.
Ou então os ‘sistemas’ de ensino terão de criar currículos complementares para dar conta do atendimento às áreas ao completar a carga horária total.

MP 746 de 22/09/2016

Art. 36...
§ 8º Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.
§ 9º O ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio.

Análise e Implicações da MP:
A presença da Língua Inglesa nos três anos do Médio está subentendida no parágrafo 8 do Art.  36, ao dizer que "os currículos do EM incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa...". Ao dizer assim, "currículos", fica obrigatório tanto no começo, como no final.


MP 746 de 22/09/2016

Art. 36...
§ 7º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26, definida em cada sistema de ensino, deverá estar integrada à Base Nacional Comum Curricular e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e cultural.

Análise e Implicações da MP:
Esse parágrafo, aliado à grande carga horária disponível para a parte diversificada (afinal, limitou-se a BNCC a 1200 horas), levará à inclusão de muitas e muitas propostas e atividades em cada sistema de ensino – o que, ao invés de unificar, regionalizará em extrema medida os sistemas educacionais. Um sistema tão amplo em suas flexibilizações trará grandes dificuldades na elaboração do ENEM.


MP 746 de 22/09/2016
Art. 36...
§ 10. Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino médio cursar, no ano letivo subsequente ao da conclusão, outro itinerário formativo de que trata o caput.

Análise e Implicações da MP:
Esse parágrafo dá a entender que o EM da maneira como o temo hoje será um itinerário mais ‘longo’. Ou seja, para ter mais de uma área, o aluno terá que voltar para cursá-la. Nesse pensamento, quem deseja um EM ‘completo’, terá que gastar entre 6 e 7 anos.

MP 746 de 22/09/2016
Art. 36...
§ 11. A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação a que se refere o inciso V do caput considerará:
I             - a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional; e
II           - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com terminalidade.

Análise e Implicações da MP:
A Medida Provisória prevê a concessão de certificados intermediários de "qualificação" para o trabalho. Ainda no processo de ensino e formação, o estudante do EM poderá receber um certificado profissional para ingresso no mercado de trabalho. Qual é a intenção dessa ‘pressa’ em certificar os estudantes?

MP 746 de 22/09/2016
Art. 36...
§ 13. Ao concluir o ensino médio, as instituições de ensino emitirão diploma com validade nacional que habilitará o diplomado ao prosseguimento dos estudos em nível superior e demais cursos ou formações para os quais a conclusão do ensino médio seja obrigatória.
§ 14. A União, em colaboração com os Estados e o Distrito Federal, estabelecerá os padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos processos nacionais de avaliação, considerada a Base Nacional Comum Curricular.

Análise e Implicações da MP:
Inicialmente, este parágrafo possibilita o ingresso no Ensino Superior para qualquer modalidade ou área do egresso do EM. Resta ver os desdobramentos na qualificação limitada dos estudantes.


MP 746 de 22/09/2016
Art. 36...
§ 15. Além das formas de organização previstas no art. 23, o ensino médio poderá ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos ou disciplinas com terminalidade específica, observada a Base Nacional Comum Curricular, a fim de estimular o prosseguimento dos estudos.
§ 16. Os conteúdos cursados durante o ensino médio poderão ser convalidados para aproveitamento de créditos no ensino superior, após normatização do Conselho Nacional de Educação e homologação pelo Ministro de Estado da Educação.

Análise e Implicações da MP:
O § 15 traz uma novidade ‘interessante’, mas precisa de uma análise mais acurada. No caso aqui, o estudante pode ‘guardar’ créditos para continuar avançando (sem a reprovação ‘anual’). Ou os módulos podem ser semestrais, ou por disciplinas. É algo a se pensar.
O § 16 dispensa comentários e nem merece outra análise, pois são níveis diferentes. Se o pragmatismo prevalece, um aluno que fez o Curso Técnico em Administração será dispensado de disciplinas do Bacharelado em Administração.


MP 746 de 22/09/2016
Art. 36...
§ 17. Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como:
I   - demonstração prática;
II  - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar;
III                       - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino;
IV                       - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;
V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e
VI                       - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias." (NR)

Análise e Implicações da MP:
Aqui uma ‘boa’ novidade, pois tal prática já é utilizada no Ensino Superior. No entanto, há riscos e  resta ver como serão normatizados e utilizados esses critérios de aproveitamento, pois parte dos créditos acadêmicos na formação do estudante do EM pode ser contada com experiências profissionais, atividades à distância e outros. Aqui há muitos perigos camuflados, pois, sob o pretexto da modernidade, pode-se, por exemplo, eliminar postos de trabalho docentes e substituí-los por monitores em escolas de um único turno (4 horas/dia) ou de tempo integral (7 horas/dia).


MP 746 de 22/09/2016

"Art. 44. ....
§ 3º O processo seletivo referido no inciso II do caput considerará exclusivamente as competências, as habilidades e as expectativas de aprendizagem das áreas de conhecimento definidas na Base Nacional Comum Curricular, observado o disposto nos incisos I a IV do caput do art. 36." (NR)

Análise e Implicações da MP:
O ENEM ou os processos seletivos terão seu enfoque em “competências e habilidades”, o que é positivo, por outro lado, os exames também se basearão “nas expectativas de aprendizagem das áreas de conhecimento definidas na BNCC” – se forem reduzidas as horas (no caso, 1200), menos conteúdos serão abordados no processo formativo.

MP 746 de 22/09/2016

"Art. 61. ...................................
III                       - trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim; e
IV                       - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o disposto no inciso V do caput do art. 36.

Análise e Implicações da MP:
Com relação ao notório saber ‘reconhecido’, no que diz respeito ao Ensino Superior, não há problemas, pois já há legislação sobre isso. Resta ver se os sistemas criarão novas formas de validação e reconhecimento de notório saber para agilizar a contratação de profissionais: isso e temerário, pois poderão até substituir a formação completa em nível superior pelo ‘notório saber’.

...................
Todos os artigos mencionados acima, até essa parte, são modificações na LDB 9394/96. A partir daí,  a MP segue em seus próprios artigos:

MP 746 de 22/09/2016
Art. 6º São obrigatórias as transferências de recursos da União aos Estados e ao Distrito Federal, desde que cumpridos os critérios de elegibilidade estabelecidos nesta Medida Provisória e no regulamento, com a finalidade de prestar apoio financeiro para o atendimento em escolas de ensino médio em tempo integral cadastradas no Censo Escolar da Educação Básica, e que:
I   - sejam escolas implantadas a partir da vigência desta Medida Provisória e atendam às condições previstas em ato do Ministro de Educação...

Análise e Implicações da MP:
Quais serão essas exigências do Ministro da Educação? Atenderá ele a expectativa de todas as escolas ou as exigências serão tantas e tais que apenas poucas se adequarão à condição de Escolas de tempo Integral?

          Concluindo
           É muito importante destacar que eu torço para que o Ministério da Educação acerte em suas medidas: eu amo a educação e amo meu país. Eu quero que as coisas deem certo, mesmo que algumas medidas sejam impopulares. No entanto, as medidas e propostas têm que necessariamente serem boas, acertadas, inteligentes e coerentes.
        Na próxima postagem, comentarei sobre boas propostas para corrigir a MP do Ensino Médio.

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