quarta-feira, 30 de maio de 2012

Pobre Classe Média Rica


O Governo brasileiro apresentou ontem uma nova metodologia de cálculo com base na vulnerabilidade social e colocou 54% da população como pertencendo a classe média. As famílias com renda per capita entre R$ 291 e R$ 1.019 são as que formam a classe média brasileira, segundo a nova definição aprovada pela  SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República).

Para a Secretaria (SAE), esse grupo representa 54% da população brasileira e é o maior do país.

Foram ainda estabelecidos dentro da classe média três grupos: a classe média ‘baixa’, com renda familiar per capita entre R$ 291 e R$ 441, a classe média ‘média’, com renda familiar per capita de R$ R$ 441 a R$ 641 e a classe média ‘alta’, cuja renda familiar per capita fica entre R$ 641 e R$ 1.019.  

Os extremamente pobres têm renda per capita familiar até R$ 81 e os pobres, de R$ 81 a R$ 162.

A Secretaria também estabeleceu critérios para a classe alta. Ela foi dividida em dois grupos. A classe alta ‘baixa’ fica entre R$ 1.019 e R$ 2.480 e a classe alta ‘alta’ fica acima deste valor.

Imaginando uma família composta por quatro pessoas (pai, mãe e dois filhos pequenos menores que não trabalham), a classificação e renda familiar total deverão ser de:


Classificação
SAE
Classe ‘Baixa’
Extremamente Pobres
Pobres
Renda Per Capita
R$ 81
R$ 162
Renda Familiar Total
R$ 324
R$ 648


Classificação
SAE
Classe ‘Média’
Baixa
Média
Alta
Renda Per Capita
R$ 292 a R$ 441
R$ 441 a R$ 641
R$ 641 a R$ 1.019
Renda Familiar Total
R$ 1.168 a R$ 1.764
R$ 1.764 a R$ 2.564
R$ 2.564 a R$ 4.076


Classificação
SAE
Classe ‘Alta’
Baixa
Alta
Renda Per Capita
R$ 1.019 a R$ 2.480
+ de R$ 2.480
Renda Familiar Total
R$ 4.076 a R$ 9.920
+ de R$ 9.920


O estudo e classificação da Secretaria pode certamente levar a situações estranhas. Uma delas é imaginar um casal sem filhos que (somadas a renda do marido e da esposa) ganha R$ 584,00. Para o governo, eles já são classe média. Pasme: eles juntos não ganham nem um salário mínimo (R$ 622,00) e foram classificados como classe média. Ora, sempre se considerou classe média quem tem carro, plano de saúde e os filhos em escola particular.

Mas se considerarmos as despesas médias de uma família paulistana (dois filhos) classificada pela SAE como classe média ‘alta’ que tem carro no financiamento, paga aluguel, plano de saúde e os filhos em escola particular, o quadro abaixo mostra uma realidade complicada:

Despesas
Valores
Carro (combustível + prestação + seguro + manutenção)
R$ 1.050,00
Aluguel
R$ 1.000,00
Plano de Saúde (família)
R$ 600,00
Escola dos filhos
R$ 800,00
Água, luz, telefone
R$ 400,00
Subtotal
R$ 3.850,00
Sobra para alimentação, passeios, cultura, TV a cabo, internet, vestuário, etc.
R$ 226,00

Se você é classe média (com base nos critérios do governo), agora entendeu agora porque suas contas não fecham no final do mês.

Fonte da Imagem: achoumabsurdo.blogspot.com

terça-feira, 29 de maio de 2012

João do Pulo - João Carlos de Oliveira


Eu era um jovem professor no UNASP, na estrada de Itapecerica da Serra (São Paulo, zona sul), o ano era 1989 e a cada semana tínhamos que promover uma reunião cultural com os alunos, chamada na instituição de “Capela”. Um dia, na Biblioteca do instituto li em um jornal que o João do Pulo dava palestras para diferentes públicos. Não fiquei nem um minuto a mais assentado ali – saí e fui direto pegar um telefone para ligar para um dos mais famosos atletas brasileiros de então. Liguei e, de seu gabinete (Assembléia), ele mesmo atendeu o telefone e, sem delongas, aceitou o convite para compartilhar no IAE um pouco da sua rica experiência.
Quando ele chegou, andava devagar e eu, sem conseguir esconder o entusiasmo pela sua presença, fui logo o enchendo de perguntas. Ele, calmamente, respondia a todas. Finalmente o conduzi a frente do auditório, onde ele narrou sua epopeia como recordista mundial do salto triplo. Ele não tocou no assunto do acidente e, é claro, minhas perguntas não foram nenhuma vez nessa direção. Abrimos o espaço para as perguntas e logo vieram aquelas perguntas típicas de alunos da quinta série: - Porque você não salta mais?
Bem, ele foi evasivo e educado. Disse que já tinha se aposentado como atleta. A entrevista terminou e nossa conversa se prolongou um pouco mais. Senti ali, naquele pouco tempo que permanecemos juntos, uma pessoa humilde, um pouco triste, mas acima de tudo, um ser humano incrível, lutador e determinado. Nos despedimos e guardei aquele dia em minha memória e coração.
Não sei o porquê, mas meus contatos e admiração sempre foram direcionados a atletas que a mídia não dá muita atenção (pelo menos não quando eles mais precisam). Além do João, conheci pessoalmente o Rubens Barrichelo e o Alexandre Sloboda (vôlei).
Porque toquei nesse assunto? É porque hoje fazem 13 anos que o João faleceu.
Hoje, a juventude (a maioria) não faz nem ideia de quem era o João do Pulo. Mas aqueles que acompanhavam o esporte nos anos setenta e oitenta (século passado) sabem. Quem era João do Pulo?
João Carlos de Oliveira nasceu no interior de São Paulo em 1954. Em 1973, com 21 anos,  quebrou o recorde mundial júnior de salto triplo no Campeonato Sul-Americano de Atletismo com a marca de 14,75 m. Em 1975, dois anos depois, nos Jogos Pan-Americanos da Cidade do México conquistou a medalha de ouro no salto em distância com a marca de 8,19 m e em 15 de outubro, também a medalha de ouro no salto triplo, com a incrível marca de 17,89 m, quebrando o recorde mundial desta modalidade em 45 cm, e que pertencia ao soviético Viktor Saneyev. Na Olimpíada de Montreal em 1976 ficou com a medalha de bronze com a marca de 16,90 m. Em 1979, nos Jogos Pan-americanos de Porto Rico, tornou-se bicampeão tanto do salto triplo como do salto em distância.
Em 1980, nas Olimpíadas de Moscou ele era o favorito para vencer o salto triplo. Mas, estranhamente, os fiscais anularam várias de suas tentativas (que causou muitas especulações) e ele ficou novamente com a medalha de bronze.
Ainda no auge, com apenas 29 anos, teve sua carreira atlética brutalmente interrompida em 22 de dezembro de 1981, quando sofreu um acidente automobilístico. Sua perna direita teve que ser amputada e foi forçado a aposentar o sonho das medalhas.
Após recuperar-se, concluiu o curso de Educação Física e foi eleito deputado em São Paulo pelo PFL duas vezes. Seguiu sua vida longe dos ginásios e pistas de atletismo, mas a depressão o visitou com força. Solitário, empobrecido e esquecido pela mídia, João morreu em 1999 devido a uma cirrose hepática e infecção generalizada.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Fernando Pessoa - Todos são perfeitos, menos eu


Poema em linha reta

Fernando Pessoa

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

domingo, 27 de maio de 2012

É entre Você e Deus


“Muitas vezes as pessoas são egocêntricas, ilógicas e insensatas.
Perdoe-as assim mesmo!
Se você é gentil, as pessoas podem acusá-lo de interesseiro.
Seja gentil assim mesmo!
Se você é um vencedor, terá alguns falsos amigos e alguns inimigos verdadeiros.
Vença assim mesmo!
Se você é honesto e franco, as pessoas podem enganá-lo.
Seja honesto e franco assim mesmo!
O que você levou anos para construir, alguém pode destruir de uma hora para outra.
Construa assim mesmo!
Se você tem paz e é feliz, as pessoas podem sentir inveja.
Seja feliz assim mesmo!
O bem que você faz hoje, pode ser esquecido amanhã.
Faça o bem assim mesmo!
Dê ao mundo o melhor de você, mas isso pode não ser o bastante.
Dê o melhor de você assim mesmo!
Veja você que, no final das contas, 
é tudo entre você e Deus.”

Madre Tereza de Calcutá

sábado, 26 de maio de 2012

Dia dos Nerds - Guia do Mochileiro das Galáxias

Guia do Mochileiro das Galáxias é um clássico e, além de ser apreciado pelos Nerds e amantes de histórias fantásticas, tem também um lugar cativo na bagagem dos fãs de videogames. O livro foi escrito por Douglas Adams, que utiliza de muita ironia e humor inteligente para contar a história de Arthur Dent, envolvido em várias aventuras absurdas e alucinantes, construídas a partir de um ponto de vista científico e filosófico elaborado pelo próprio escritor.

O amigo de Arthur Dent, Ford Prefect, revela a ele ser um habitante de outro Planeta.
Arthur nem mesmo tem muito tempo para absorver as novas informações, pois Ford também compartilha com ele a informação de que a Terra está em via de colisão com os interesses dos Vogons, uma civilização extraterrena que pretende construir, no lugar do Planeta, uma via interligando as galáxias que povoam o Universo. Ford toma a iniciativa da elaboração de um plano maluco, viajar como clandestino na própria nave dos Vogon, e convida Artur para seguir ao seu lado; ambos fogem instantes antes da destruição da Terra. Não demora muito, porém, para que sejam descobertos pelo líder da Frota de Demolição, Prostetnic Vogon Jeltz, que os expulsa e os deixa à mercê da sorte no Cosmos. Resgatados pelos comandantes da nave Coração de Ouro, passam a conviver com outros personagens, Zaphod Beeblebrox, que preside a Galáxia, Trillian, ex-habitante da Terra que também conseguiu fugir ao lado de Zaphod; e Marvin, um robô que desvaloriza a vida, vive depressivo e tem uma mente artificial muito bacana.
Ao lado destes personagens, os amigos navegam pelo Cosmos a procura de uma compreensão essencial da Vida, do Universo e de Tudo o Mais, orientados por uma inusitada obra voltada para os viajantes cósmicos: O Guia do Mochileiro das Galáxias. Este é um vislumbre do livro trazido a mim pelo LeRoy, um escritor e desenhista apaixonado por quadrinhos, cinema e computadores. Bem, ele é meu filho. Neste dia dos Nerds, um grande abraço a todos os apaixonados por tecnologia e novidades.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Viver é Lutar


Canção do Tamoio
Antônio Gonçalves Dias

I
Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida: Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.
II
Um dia vivemos!
O homem que é forte
Não teme da morte;
Só teme fugir;
No arco que entesa
Tem certa uma presa,
Quer seja tapuia,
Condor ou tapir.
III
O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves conselhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!
IV
Domina, se vive;
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!
V
E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.
VI
Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'inimigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouví-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.
VII
E a mãe nestas tabas,
Querendo calados
Os filhos criados
Na lei do terror;
Teu nome lhes diga,
Que a gente inimiga
Talvez não escute
Sem pranto, sem dor!
VIII
Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do inimigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.
IX
E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.
X
As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.


terça-feira, 8 de maio de 2012

Makarenko - Psicologia e Pedagogia Socialista


ANTON MAKARENKO

Anton Semyonovich Makarenko, (1888 - 1939) foi um pedagogo ucraniano que se especializou no trabalho com menores abandonados, especialmente os que viviam nas ruas e estavam associados ao crime.
Makarenko teve uma infância pobre, seu pai foi operário ferroviário e sua mãe dona de casa. Quando foi matriculado em uma escola primária já havia aprendido a ler e escrever com sua mãe. Apesar de ter tido contato com várias disciplinas na escola, ele não pode estudar sua língua materna (ucraniana), pois o império czarista da Rússia proibia, assim como Filosofia e lógica que eram estudos apenas para elite. Em 1906, com um ano de conclusão do curso de magistério, Makarenko deu sua primeira aula na Escola Primária das Oficinas Ferroviárias, onde ficou por oito anos.
Assumiu então a direção de uma escola secundária e esteve em contato com as idéias de Lênin e Máximo Gorki que influenciaram seu modo de lidar com a educação. Mudou o currículo escolar implantando o ensino da língua ucraniana e ampliação do espaço cultural na escola. De 1920 a 1928 esteve à frente da direção da colônia Gorki, instituição rural que atendia crianças e jovens órfãos que haviam vivido na marginalidade. Durante este período demonstrou grande habilidade junto às questões educacionais, colocou em prática uma maneira revolucionária e eficaz de educar. De acordo com a pedagogia de Makarenko o jovem deveria ser educado em uma escola baseada na vida em grupo, no autocontrole, no trabalho, e na disciplina.
Os jovens da colônia Gorki eram indivíduos rebeldes e complicados, Makarenko com rigidez e disciplina conjugadas à afeto, compreensão e valorização conseguiu índices positivos de melhora. Os jovens além de seguirem regras disciplinares, eram ouvidos e podiam opinar a respeito das regras em reuniões e votações, isso os deixavam mais abertos aos métodos educacionais. Makarenko vivenciou a Primeira Guerra Mundial, e a Revolução Russa, presenciava as reivindicações de países que queriam se livrar da miséria e da desigualdade, e convivia de perto com a carência afetiva e material dos jovens cujos pais operários trabalhavam para os burocratas da época. Colocar em prática uma pedagogia tão revolucionária no início do século XX foi reflexo da sociedade em que vivia e das necessidades da mesma. Durante sua trajetória profissional Anton Makarenko registrava suas experiências, feitos, erros e acertos, publicou novelas, peças de teatro e livros sobre educação, sendo “Poema Pedagógico” o mais importante. Ele faleceu em 1939 de um ataque cardíaco durante uma viagem de trem.

O pensamento Pedagógico de Makarenko
Para Makarenko, o coletivo é um organismo social vivo colocado, ao mesmo tempo, como meio e fim da educação. É um conjunto finalizado de indivíduos, ligados entre si pela comum responsabilidade sobre o trabalho e a comum participação no trabalho coletivo. Makarenko acrescenta que (...) “só através do ‘coletivo’ é possível formar aqueles “homens novos”, engajados e socialistas, que são requeridos para a criação e o desenvolvimento da sociedade revolucionária” (Makarenko in Cambi, 1999, p. 560).
A relevância do trabalho coletivo para o pedagogo soviético também pode ser demonstrada quando esse menciona que “é a participação no trabalho coletivo que permite a cada homem manter relações moralmente corretas com os seus semelhantes” (Makarenko, 1981, p. 58). Outro pressuposto metodológico de Makarenko é o apelo à moderação permanente quanto a elogios e demonstrações afetivas, como antídoto ao desenvolvimento de sentimentos individualistas entre as crianças. Neste sentido, o educador soviético menciona que: (...) Elogiar sua criatividade, seu espírito de empreendimento, seus métodos de trabalho, sua capacidade para esforçar-se, é também recompensá-la. Mas não se deve abusar das aprovações verbais, particularmente das felicitações diante dos companheiros e dos amigos dos seus pais (Makarenko, 1981, p. 65).
De acordo com Makarenko (1981), não se deve também castigar fisicamente as crianças. Para ele, em nenhum caso se deve recorrer à coação física. A disciplina era também outro importante pressuposto da educação de Makarenko. Entretanto, para o pedagogo russo, o que importava não era a disciplina consciente, mas a autodisciplina (Makarenko, 1986). Nas suas próprias palavras, do cidadão soviético exigimos uma disciplina muito mais ampla. Exigimos que não só compreenda por que e para que deve cumprir uma ordem, mas que sinta a necessidade e desejo de cumpri-la da melhor maneira possível. Exigimos dele, além disso, que esteja disposto a cumprir com o seu dever em cada minuto da sua vida sem esperar resoluções nem ordens; que possua iniciativa e vontade criadora (Makarenko, 1981, p. 37).
Enfim, como pressuposto metodológico, percebemos que para Makarenko o coletivo devia receber toda a prioridade sobre o individual. Não poderia haver educação senão na coletividade, através da vida e do trabalho coletivo.
Retomando, então, todos os principais pressupostos metodológicos da pedagogia de Anton Makarenko, podemos listar:
1) grande confiança na organização e na autoridade;
2) formas participativas de gestão;
3) estratégias de democracia e direção coletiva;
4) o trabalho coletivo;
5) a moderação quanto a elogios e demonstrações afetivas;
6) o repúdio à coação física;
7) a disciplina; e
8) a preponderância dos interesses do coletivo sobre o individual.
Com relação aos pressupostos teóricos da pedagogia de Makarenko, observamos que há uma grande presença da teoria marxista na obra e no contexto social em que o autor viveu.
A pedagogia de Makarenko foi completamente voltada para a formação do novo homem soviético, um homem comunista. E, para tal empresa, o marxismo pedagógico foi o modelo teórico e prático no qual o pedagogo que estamos estudando se inspirou no desenvolvimento de um paradigma educacional nitidamente diferente das pedagogias burguesas de até então. As posições pedagógicas de Makarenko resultam, por um lado, intimamente entrelaçadas com a ideologia revolucionária da Rússia soviética do pós-1917, explicitando na vertente educativa seus aspectos mais originais e profundos, enquanto, por outro lado, com singular coerência levaram às últimas conseqüências aqueles princípios de educação social que estão na base de muitas filosofias contemporâneas, de Hegel a Marx, de Comte a Dewey.

Luria - Pedagogia e Psicologia Socialista


ALEXANDER LURIA

Alexander Romanovich Luria (1902 - 1977) foi um famoso neuropsicólogo russo, especialista em psicologia do desenvolvimento. Foi um dos fundadores de psicologia cultural-histórica onde se inclui o estudo das noções de causalidade e pensamento lógico-conceitual da atividade teórica enquanto função do sistema nervoso central. Filho de pais judeus, estudou no Curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Kazan (graduado em 1921) e graças ao seu interesse em psicologia e à sua erudição, em 1924, foi convidado a participar do Instituto de Psicologia de Moscou. Estudou no Instituto médico de Kharkov e no Instituto Médico de Moscou graduando-se em medicina em 1937, onde depois foi professor (1944). Obteve seu doutorado em Pedagogia (1937) e Ciências Médicas (1943).
No início dos anos trinta Luria foi para a escola médica. Durante a guerra, Luria continuou seu trabalho no Instituto de Psicologia de Moscou. Durante um determinado período, ele ficou afastado do Instituto de Psicologia, principalmente como resultado da intensificação do anti-semitismo e optou por pesquisar crianças mentalmente retardadas no Instituto de Defectologia durante os anos cinqüenta. Ocasionalmente, a partir de 1945, Luria trabalhou na Universidade Estadual de Moscou, o que foi essencial para fundação da Faculdade de Psicologia na Universidade Estadual de Moscou onde ele depois chefiou os Departamentos de Psicopatologia e Neuropsicologia. Enquanto um estudante em Kazan, ele estabeleceu a Associação Psicanalítica Kazan e trocou cartas com Sigmund Freud (1856-1939).
Em 1923, com seu trabalho sobre tempos de reação associados a processos de pensamento, conquistou uma colocação no Instituto de Psicologia de Moscou. Lá, ele desenvolveu o “método motor combinado", que ajudava diagnosticar processos específicos de pensamento, criando o primeiro dispositivo efetivo detector de mentira. Esta pesquisa foi publicada no EUA em 1932 e em russo apenas em 2002.
Em 1924, Luria conheceu Lev Vygotsky (1896-1934) que grandemente o influenciaria. Junto com Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), estes três psicólogos lançaram um projeto de desenvolver uma psicologia radicalmente nova. Esta aproximação inter - relacionou “análises “culturais” e ”históricas", à "psicologia instrumental" usualmente conhecida, em nossos dias, como psicologia cultural-histórica. Essa psicologia enfatiza o papel mediador da cultura, particularmente da linguagem, no desenvolvimento de funções mentais superiores na ontogênese e filogênese.
Nos anos trinta Luria deu continuidade ao seu trabalho com as expedições para pesquisas de neuropsicologia e cultura na Ásia Central. Sob supervisão de Vygotsky, Luria investigou várias mudanças psicológicas (inclusive percepção, resolução de problemas, e memória) que se sucederam como resultado de reeducação e desenvolvimento cultural que aquelas minorias (as aldeias nômades do Uzbekistão e da Khirgizia) se submeteram nas intervenções do governo revolucionário. O que tem sido considerado como uma importante contribuição ao estudo da linguagem verbal.
Posteriormente ele estudou gêmeos idênticos e fraternos nos grandes internatos escolares para determinar a interação da multiplicidade de fatores genético e culturais que interferem no desenvolvimento humano. No início de seus estudos neuropsicológicos no final dos anos trinta como também ao longo da vida acadêmica pós-guerra dele ele concentrou-se no estudo da afasia, focalizando a relação entre linguagem, pensamento e funções corticais, especialmente o desenvolvimento da compensação de funções corticais na reabilitação da afasia.
Durante Segunda Guerra Mundial Luria liderou uma equipe de pesquisa no Hospital do Exército para desenvolver métodos de reabilitação de deficiências orgânicas psicológicas em pacientes com lesões no cérebro. Morreu, em Moscou aos 75 anos, alguns anos depois de publicar os estudos de casos realizados nesse período, praticamente dando início à Neuropsicologia que conhecemos hoje.
Neuropsicologia
Foi pelo seu trabalho no Hospital do Exército que se originaram suas principais contribuições à Neuropsicologia. Destacam-se dois entre os estudos de caso realizados, um apresenta S.V. Shereshevskii, jornalista russo com uma memória aparentemente ilimitada (1968), em parte devido à sua acentuada sinestesia. Este caso foi apresentado em um livro The Mind of a Mnemonist (A Mente de um Memorioso). O outro livro de Luria relativamente bem conhecido é The Man with a Shattered World (O Homem com um Mundo Despedaçado), uma penetrante relato de Zasetsky, um homem que sofreu uma lesão cerebral traumática (1972). Estes estudos de caso ilustram os principais métodos de Luria de combinar as medidas clássicas de anamnese e diagnóstico com registro detalhado (psicométrico) da função alterada e sua progressiva reabilitação.
As contribuições suas e de Vigostski à localização das funções cerebrais modificando as noções de centros da ação reflexa a partir dos analisadores corticais fixos propostos por Pavlov (1849-1929) como centros da ação reflexa para um sistema de localização funcional dinâmica e mutável. A neuroplasticidade das funções nervosas está entre as suas principais contribuições à neurociência moderna. Seus estudos com Vigotski referem-se à instalação, perda e recuperação de funções ao nível do sistema nervoso central considerando tanto as variáveis que interferem na filogênese – ou história evolutiva da espécie como a partir das formações sociais histórico-culturalmente definidas além da ontogênese ou historia individual.

Leontiev - Psicologia e Pedagogia Russa


Alexei Nikolaevich Leontiev  (1903 - 1979) foi um psicólogo russo. A partir de 1924, depois de graduar-se em Ciências Sociais, aos vinte anos, Leontiev passou a trabalhar com Lev Vygotsky.
Assim como os outros teóricos sócio-interacionistas (Vygotsky e Luria), para Leontiev, as teorias psicológicas veem o conhecimento em espiral, enquanto aprendizagem sócio-histórica, construída em processo dialético, através de situações-problema, de atividades complexas e relacionais, avaliada nos aspectos qualitativos de resolução e no formato coletivo de trabalho, o que rompe, definitivamente, com os critérios exclusivos de mensuração quantitativa.
O conhecimento prévio, em função do contexto sócio-cultural do aluno, de sua vida e de sua experiência sócio-cultural, é considerado, e este, por sua vez, influencia as formas e os tempos diferentes de aprendizagem dos conteúdos trabalhados e das competências construídas.
Como o domínio do conhecimento acontece em constante transformação, há uma ruptura com a lógica individualista, e o "outro" é visto como parceiro da aprendizagem, sendo estímulo ao processo de aprender, em que cada parte é integrada à composição que se interliga ao todo.
O conceito espontâneo do aluno,conhecimento não-escolar, e sua representação sobre a realidade mudam de referenciais, quando, pela interação, se constitui uma zona de possibilidade de desenvolvimento do sujeito, a partir do outro.

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo IV



CAPÍTULO IV

ARGENTINA

"Do que adianta um amigo que fica, só porque ele não pode ir embora". A. de Saint Exupery

            A despeito da tradicional rivalidade a Argentina é um país receptivo aos brasileiros.
            No caminho dos pampas o Binho encontrou naquela madrugada um outro animalzinho que também gosta de atravessar as estradas ànoite: a lebre. O problema é que elas só atravessam quando vêem a luz dos carros. O Binho, porém, atravessou aquela parte sem atropelar nenhum coelhinho.
            Chegamos no PUIGARI5 às três da manhã. Felizmente eles já nos esperavam (ligaram do IAU avisando) e dormimos ali.
            Ao amanhecer fomos procurar um dos diretores que eu já conhecia. No caminho para o prédio da administração da Universidade, tivemos de escutar calados um coro de alunos:
            Goico! Goico! Boiadeiro!
            Eles estavam se referindo à defesa do penalti que o goleiro Goicochea fez no último jogo Brasil  X Argentina, dias antes. Boiadeiro, o jogador brasileiro que perdeu o penalti, era o alvo maior da gozação.
            O diretor financeiro, Roberto Matos, era um velho conhecido meu, e nos deu uma fantástica recepção ali na Universidade. A TV Cabo, da Província de Entre Rios, tem um espaço aberto para a Universidade e convidaram-nos para uma entrevista. Logicamente utilizamos aquele espaço para divulgar a viagem e a campanha ecológica. Após conhecermos as instalações e os prédios da Universidade, juntamente com uma senhorita comissionada para nos acompanhar, almoçamos e seguimos para a capital do TANGO, Buenos Aires.
            Saímos das proximidades de Paraná e Santa Fé, rumo sul. Os pampas argentinos são muito bonitos. São planícies de perder de vista. Muito gado bovino nesta região. Vários alagados também fazem parte do cenário. A estrada por estes lugares possui algumas retas de dezenas de quilômetros.
            À medida em que avançávamos para o sul, a temperatura caía. Ali, nas proximidades de Buenos Aires era de uns 5 ou 6 graus positivos.
            Chegamos a Buenos Aires, que abriga quase a metade da população argentina. Queríamos encontrar a Fábrica de Alimentos GRANIX, pois o chefe ali é um conhecido meu. No entanto, não encontramos o endereço da Fábrica e então fomos para a União Austral da Igreja e das Escolas Adventistas. Ali, um senhor argentino, Rubem José, tesoureiro de uma escola em Misiones, se dispôs prontamente a nos mostrar a cidade.
            Com a filmadora e a máquina fotográfica prontas saímos sob orientação do Sr. Rubem José. Passamos em frente ao estádio do River Plate e seguimos ladeando o porto. Quando passamos em frente à Casa da Moeda, o nosso guia disse que ali era um bom lugar para filmar. Descemos e enquanto o Márcio batia fotos, o Binho filmava. Conversando com o Sr. Rubem, percebemos a estranha aproximação de um veículo na contramão.
            - Pronto! Só faltava essa! Pensei comigo mesmo, enquanto os policiais desciam e pediam os documentos. O Binho, no entanto, continuava  filmando. Com alguns gritos, o Márcio e eu conseguimos convencê-lo da gravidade da situação.
            - Sigam-nos. Disse o policial secamente.
            Seguimos o carro deles e fomos parar numa comissaria (delegacia). De posse dos nossos passaportes eles começaram a ligar para a Interpol e para outras entidades de segurança a nível nacional e internacional. Ali na ante-sala policial tentávamos acalmar o Sr. Rubem. Sabíamos que nada de grave poderia suceder.
            Finalmente o inspetor de polícia, Claudio Lucioni, estatura mediana, claro,  sai trazendo os passaportes.
            - Vocês sabiam que não se pode filmar um edifício de segurança nacional? -Disse ele num "portunhol" sofrido.
            - Senor, eres mia la culpa! (Senhor, a culpa é minha!) interrompeu o Sr. Rubem.
            - Olhem bem. À frente de vocês estava a casa da Moeda. Atrás, a sede da Marinha e também o edifício geral das Forças Armadas!
            - Desculpem-nos! -Dissemos. Sabíamos que não adiantava argumentar.
            - Mas eu já liguei para a Interpol e vocês estão liberados. Só terão que esperar o preenchimento do Livro de Ocorrências, disse ele.
            Ao mesmo tempo em que nos sentíamos aliviados, ele continuou:
            - Já morei no Rio de Janeiro e gostei muito do Brasil. Isto lá pelo início dos anos 80. Gostei muito das mulheres brasileiras. Acho que elas são melhores do que as argentinas. Em todos os aspectos.
            Caímos na gargalhada.
            - Mas, continuou ele, o homem brasileiro não sabe valorizar. É frio e insensível. Não sabe dar uma boa cantada.
            Estávamos prontos para reagir a esta "ofensa". Mas a situação não nos era favorável. Então mudamos de assunto para as belas praias, belas cidades, bom clima... enfim as coisas boas do Brasil. Logo, porém, o Sr. Cláudio se despediu e nos deixou com os outros guardas preenchendo o Livro de Ocorrência.
            Nesta hora, sem que os policiais percebessem, começamos a filmar dentro da comissaria. Filmamos o interrogatório do Márcio. Uma molecagem das grandes.
            - Por que vocês estão gastando bateria? Perguntou o Márcio. Desconfiado, no mesmo instante o policial se levantou da cadeira e veio ver o que estávamos fazendo. Disfarçadamente apertamos o botão e rebobinamos a fita. Quando ele olhou, só viu cenas anteriores. Saímos então dali rindo bastante em direção ao centro de Buenos Aires. Passamos em frente à Casa Rosada e também em frente à mais famosa casa de espetáculos da cidade, onde ocorreu o casamento do Maradona. O Sr. Rubem, pediu-nos que não filmássemos mais. Agradecemos e despedimo-nos dele e logo após telefonarmos para nossos familiares e dizermos que a viagem estava indo bem, seguimos para o sul da Argentina naquela mesma noite.
            A temperatura caiu rapidamente e começamos a sentir os efeitos do nosso carro não ter ar condicionado quente. O Márcio até inventou uma nova maneira de dirigir: quando o pé direito já estava endurecendo por causa do frio, ele acelerava com o esquerdo. Mas o frio foi ficando insuportável. Os minutos arrastavam-se e uma hora parecia um século. Ali, enrolados em cobertores e com dois ou três pares de meias, praticamente "batíamos queixo" de frio.
            Na pior parte da noite, lá pelas duas da madrugada, eu tentei limpar o parabrisa para o Márcio, mas algo estranho acontecia e o vidro continuava embaçado. O Márcio continuou dirigindo assim mesmo.
            - O vapor e o orvalho estão congelando no vidro! -Exclamei.
            - Rapaz, é isto mesmo! Disse o Márcio. A que temperatura devemos estar? Perguntou.
            - Abaixo de zero, com certeza! -Respondi.
            O Márcio teve que fazer malabarismo para enxergar pelo vidro congelado.
            Assumi a direção. O sono apertava os olhos. De repente um buraco na pista. Desviei e o carro foi quase completamente para fora da pista. O barulho das rodas no cascalho acordou a todos. A mim também. Imagino que estava dormindo de olhos abertos, pois não tive reflexos para desviar do buraco sem sair da pista. Dirigi mais devagar e mais acordado.
            E naquelas horas horríveis fomos nos revezando na direção. Até que finalmente chegamos a Bahia Blanca.
            - Sem sombra de dúvida esta foi a noite mais fria que passamos no Sul. - Disse o Binho. E o Márcio completou:
            - Esta foi a pior noite da minha vida! Nós não estávamos esperando este frio todo!
            Em Bahia Blanca fomos recepcionados pela Sra. Susana de Peto e pelo Sr. Arnoldo Kalbermatter, respectivamente, esposa do presidente da Missão Argentina del Sur e o tesoureiro desta missão da Igreja Adventista.
            Disseram-nos que naquela noite a temperatura havia caído para 4 graus abaixo de zero na cidade, e que nos arredores devia ter caído para 5 ou 6 graus negativos. Boa explicação para o nosso sofrimento.
            Nos serviram um delicioso desjejum, enquanto explicávamos o nosso intento. O Sr. Kalbermatter prontamente se ofereceu para levar-nos à escola, onde divulgamos a nossa viagem e a Campanha Ecológica. Aquele homem nos foi de grande utilidade ali. Sem nunca nos desanimar de nosso objetivo, nos levou até um mecânico (as válvulas estavam desreguladas de novo) e nos orientou sobre procedimentos para dirigir sobre o gelo e sobre a neve. Também nos orientou sobre a colocação de um termostato que mantivesse constante a temperatura do motor, e sobre a utilização de um líquido anticongelante no radiador. Gastou um dia inteiro conosco e ainda nos trocou dólares num câmbio vantajoso para nós. Com gratidão nos despedimos daquele bom homem. Creio que nunca vamos esquecê-lo.
            Ainda em Bahia Blanca resolvemos comprar umas lembracinhas da Argentina. Que preço amargo. Cinco dólares uma lembrancinha que em São Paulo, no Embu das Artes-SP não custa nem um e meio. Mas os preços na Argentina são os mais altos da América do Sul. Um peso vale um dólar, mas são necessários por exemplo, dois pesos e cinqüenta centavos para se comprar um refrigerante.
            Almoçamos em Bahia Blanca comendo um prato típico argentino: a parrillada.
            Antes  de sairmos de Bahia Blanca compramos uma estufa pequena a gás ( Um conselho do sr Kalbermatter ). O precinho: U$ 50,00.
            Ali naquela cidade definimos o esquema de conduzir o carro que iríamos utilizar no resto da viagem. Quem estivesse na direção iria conduzir durante duas horas. Ao seu lado, o companheiro ficaria acordado, encarregado de verificar as estradas no mapa e "manter" o piloto acordado. O que estivesse no banco de trás poderia ou deveria dormir. E a cada duas horas revezaríamos. Em alguns pontos utilizamos mais de 100 horas seguidas este recurso, chegando a alterar o nosso relógio biológico.
            Seguimos para Viedma, já fazendo uso da estufa. Ela mantinha o interior do carro entre 15 e 20 graus positivos.
            Chegamos a Viedma e fomos gentilmente hospedados por um casal de missionários. O Pr. Omar Gimenez e sua esposa foram muito amáveis conosco. Naquela noite do 6º dia de viagem comemos pizzas enquanto falávamos sobre educação, ecologia e futilidades
            O Binho foi então buscar alguma coisa no carro e voltou dizendo:
            - Brasileiros, venham conhecer o que é neve!
            Saímos rapidamente e vimos a neve caindo em floquinhos na rua sobre as árvores, e sobre o carro. Ficamos sabendo que fazia onze anos que não nevava em Viedma.
            - Usteds han traido nieve! - Disse sorrindo o Sr. Gimenez.
            O Binho então disse:
            - Quando estive em janeiro no Texas também nevou. Fazia onze anos que não nevava lá. Agora, aqui também!
            O Márcio e eu nos olhamos pensando a mesma coisa: Esse cara é um "pé frio". Será que quando passarmos no Deserto do Atacama vai chover?
            No sábado, dia 3 de julho, o sétimo dia de viagem, descansamos. Seguimos com  o Pr. Gimenez e a esposa até a Igreja Adventista de Viedma. Após o culto o Pr. nos direcionou para a casa dos membros a fim de almoçarmos. À tarde conhecemos um pouco mais da cidade e à noite estivemos junto com os jovens jogando ping-pong, fazendo embaixadas com uma bola de futebol e falando sobre o Brasil. Como eu ainda estava com fome fui comprar um sanduíche e tomar um refrigerante. Pasmem: U$ 8,00 (oito dólares). À noite a sra. Gimenez pediu-nos que ficássemos mais alguns dias, mas não podíamos ficar.
            O domingo amanheceu gelado. Fomos dar a partida no carro, e nada. Nada de funcionar. Tentamos no tranco e o "Pois é" nem deu sinal de que iria nos atender. Então saiu o Pr. e sua esposa. Após verem a nossa penúria, resolveram dar uma mãozinha. Nós três e o Pr. Gimenez empurramos e a esposa do pastor assumiu a direção. Seria no tranco a nossa derradeira tentativa. Empurramos o carrão.
            - Dále, Dále! (Dá-lhe, Dá-lhe), gritava o Pr. para sua esposa. Mas a "máquina" "fez hora" com a cara da gente. Aí o Márcio decidiu colocar em prática seus conhecimentos adquiridos enquanto servia na aeronáutica. Girou a chave, fez algumas coisas que são próprias dos mecânicos e "Vrum".
            - Pegou! Gritamos em uníssono.
            Despedimo-nos do simpático casal e tomamos o rumo sul. Dentro do carro gritávamos a nova expressão que havíamos acabado de aprender:
            - Dále! Dále! ...( Dá-lhe!)
            Passamos por San Antonio Oeste e vi algo branco na beira da estrada. Brasileiro, desacostumado a essas coisas, pensei comigo: é saibro (tipo de terra esbranquiçada).
            - Frank, você não vai parar? Tem gelo do lado da pista! gritou o Binho.
            - Gelo ?!?
            Parei o carro e era gelo mesmo. Enquanto seguíamos na estrada o Binho pegou o Skate que vinha confortavelmente no porta-malas e começou a tirar as rodinhas. Já sabíamos o que ele iria fazer. Paramos alguns quilômetros à frente onde havia muito gelo na encosta de um barranco e fomos ver o Binho fazer suas acrobacias em cima da tábua do Skate.
            Entusiasmados com a idéia, o Márcio e eu não resistimos. Fomos experimentar. Mas só uma vez cada um. O Binho no entanto, dava o seu show ali em pleno início do deserto gelado da Patagônia.
            Em Trelew paramos para almoçar. Fizemos uma verdadeira busca por um restaurante e nos deparamos com um problema comum no sul da Argentina: a maioria dos restaurantes só começam a funcionar no final da tarde. Na verdade, o comércio em geral abre muito tarde, fecha para o almoço e abre novamente lá pelas quatro da tarde. A vantagem é que à noite pode-se encontrar muitas lojas abertas. Com isso a vida noturna também é movimentada. Bem, após algum tempo conseguimos encontrar um bom restaurante.
            Chegamos a Comodoro Rivadávia, capital argentina do petróleo, em meio a uma euforia geral. A Argentina tinha faturado mais um "caneco". Venceu a final da Copa América contra o México. Patriotas como são, eles vibravam como se houvessem ganho a copa do mundo.
            Este aspecto é marcante na Argentina, o patriotismo. Muitas estátuas e muitas ruas homenageando os heróis da nação. José de San Martins, o libertador, tem no mínimo uma estátua em cada vila ou cidade. É isto aí: tudo pelo patriotismo.
            Hospedamo-nos na Escola Adventista e pela primeira vez nosso carro não ficou ao relento durante a noite. O pátio era fechado e também tinha calefação. Ficamos dentro de uma sala de aula, sobre os colchões emprestados pelo missionário líder da Escola e da Igreja. Achegamo-nos ao aquecedor e tomados por um profundo sono, apagamos.
            Com tanto frio lá fora, fiquei feliz por ter escolhido o lugar mais quentinho, perto do aquecedor. Acordei umas dez vezes naquela madrugada pensando que os meus pés estavam pegando fogo. Como dizia meu conterrâneo Tancredo Neves: "Esperteza quando émuita, come o dono".
            Cedo, na manhã do nono dia de viagem, compramos um par de correntes para enfrentarmos a neve. Trocamos o óleo e soubemos através da ajuda de um radioamador, que teríamos muita neve e gelo pela frente.
            A pequenina escola de Comodoro recebeu com alegria a nossa campanha, e mais uma vez, como tantas outras nesta viagem, despedimo-nos dos novos amigos que fizemos, para seguir nosso caminho.
            Tomamos algumas cenas da cidade e dirigimo-nos para o extremo sul das três Américas. Na estrada, sob um frio de aproximadamente 5 graus negativos, começamos a perceber que não cruzávamos com muitos veículos. Encontramos um rio congelado e, encantados com a cena paramos para filmar.
            O Márcio e o Binho se animaram e resolveram realizar mais uma aventura enquanto eu filmava. Vagarosamente e com cuidado, deram alguns passos sobre a capa de gelo que cobria o rio. Ao perceberem a firmeza do gelo, deixaram a timidez e caminharam como se estivessem numa pista de patinação.
            Seguimos até San Julian e resolvemos comprar pão. Havíamos ganho um pote de doce de leite no Uruguai e decidimos fazer um bom uso dele. Mas, o que fez sucesso no nosso estômago foi uma massa de pizza quentinha, recheada apenas com molho de tomate, que compramos ali em San Julian. Idéia do Binho.
            Saindo de San Julian sabíamos que teríamos para frente muitos quilômetros sem cidades e sem postos de gasolina. Assim, enchemos o  tanque, completamos o óleo e... "pé na tabua".
            Começamos a ver que muita neve e gelo cobriam aquela região do deserto da Patagônia. Porém, esse gelo começava a estar presente nas laterais da pista e mais alguns quilômetros àfrente, também na estrada. Cuidadosamente o Márcio conduziu o carro até à cidadezinha de Comandante Luiz Piedra Buena. Ali eu assumi a direção, sem imaginar que estávamos prestes a passar por uma experiência perigosíssima, arriscada e muito emocionante.
            Nos primeiros quilômetros a partir de Piedra Buena, uma base militar argentina, nenhum gelo ou neve na estrada. Éinteressante o comportamento dos veículos no gelo, mas não éagradável de ser experimentado. A neve cai sobre a estrada - logo vem um caminhão e passa sobre ela. A neve é prensada e forma uma camada de gelo altamente escorregadia, como uma pista de patinação. Obrigatoriamente a velocidade máxima cai para 50 ou 60 quilômetros por hora. Isto para caminhões ou carros pequenos com tração dianteira. Carros pequenos com tração traseira, no máximo chegam a 40 quilômetros por hora, a não ser que sejam conduzidos com as duas rodas do lado direito para fora da pista, sobre o cascalho.
            Mas seguíamos em um trecho onde não havia neve ou gelo sobre a pista e eu conduzia a noventa quilômetros-horários. De repente, como num piscar de olhos, o gelo a nossa frente surgiu cobrindo a pista. Rapidamente tirei o pé do acelerador. Mas o carro começou a dançar sobre o gelo e nenhum movimento que eu fizesse com a direção parecia "consertar" a trajetória. Sem controle sobre o carro, fiz a única coisa que tínhamos sido aconselhados a não fazer: freiar. Pisei fundo no freio e por incrível que pareça o carro endireitou-se e diminuiu a sua velocidade. Assustados, resolvemos seguir os conselhos que nos foram dados e levamos o carro para o canto da pista: duas rodas fora, sobre a neve e abaixo dela o cascalho, e duas sobre a pista congelada. Como estávamos em uma reta, dava para andar até a  55 ou 60 quilômetros por hora. E assim seguimos, refazendo-nos do susto que havíamos passado.
            Contudo, surge a nossa retaguarda um caminhão que havíamos ultrapassado uns vinte quilômetros antes. Sinalizou com a luz alta, querendo nos ultrapassar. Pensei comigo: Já estou no canto da pista, ele, se quiser ultrapassar, que busque passar por outro lugar. Daqui é que eu não vou sair. O Binho então falou:
            - Acelera Frank, vamos deixar este cara para trás!
            Acelerei e o que aconteceu em seguida é até difícil de explicar. O carro tracionou mais no lado direito, onde estava o cascalho e havia mais aderência dos pneus. Com isto o carro se direcionou para a pista e aí ele começou a fazer um brusco movimento pendular. Para lá e para cá. A sessenta quilômetros por hora. O coração disparou. Perdi completamente o controle sobre a direção e o Binho gritou:
            - Põe terceira!
            Obedeci prontamente, mas já era tarde. O carro rodopiou na pista congelada à frente do enorme caminhão. Vimos o mundo inteiro rodar enquanto o motorista do caminhão deveria estar assistindo atento aquela cena, da sua cabine. Uau! mais uma vez, tudo rodando de novo. Pensamos: agora vai capotar. E ficamos só esperando o choque. O motorista do caminhão assistia tudo sem poder freiar. Se o fizesse, o seu caminhão deslizaria em nossa direção. Adeus, mundo cruel! Mas, na segunda rodada, as rodas passaram sobre o cascalho e deram atrito suficiente para direcionar o carro para o lado direito da pista. E na terceira vez que rodamos vimos uma nuvem de neve que estava se levantando, enquanto sentimos que saíamos para fora da pista. Vrum! o caminhão passou por um triz.
            Coração disparado, respiração ofegante, olhamos assustados, o Márcio e eu, a passagem do caminhão. Nesta hora o Binho caia na gargalhada. Até agora não consigo entender como ele conseguiu, em meio a tanta tensão. Pois bem, paramos do lado da pista, sobre uma camada de uns quarenta centímetros de neve. O carro estava bem, apenas o motor havia morrido. Dei a partida. Nada. Mas na segunda vez ele pegou e acelerei com força para que ele saísse do acostamento e conseguisse voltar à pista. O desnível era de mais ou menos um metro. Mas tudo bem, o carro respondeu prontamente e ao retornar à estrada, conduzi como um "gato escaldado". Devagarzinho avançamos, ainda assustados, enquanto a noite começava a cair sobre a Patagônia.
            Por volta das dez da noite chegamos a Rio Gallegos, a última cidade Argentina do continente. Havia nevado bastante uns dois dias antes de chegarmos ali. Tudo ainda estava coberto por neve e gelo, pois a temperatura parecia se manter sempre abaixo de zero. O Binho conduzia pelas ruas "congeladas" e o carro "patinava" em zigue-zague vagarosamente. Todos os motoristas dirigiam devagar. Seguindo a apenas 30 km/h, chegamos a um cruzamento e vimos que dava para cruzarmos aquela avenida. Que nada. Só impressão. Ao vermos que o outro carro que vinha pela avenida não pararia, gritamos para o Binho:     -  Freia !
            Mas não adiantava e o carrão se deslizava em direção ao outro veículo. Da mesma forma que o outro motorista tentava parar o carro dele. Segundos de tensão se seguiram e a apenas 15 ou 20 km/h, o outro carro passou, e nós, na mesma velocidade, passamos a centímetros dele. Ufa! Por pouco!
            Depois de rodar um pouco a cidade, chegamos finalmente ao único endereço que tínhamos em mãos. A jovem senhora esposa do missionário Daniel Nikolaus a quem buscávamos, disse-nos que seu esposo estava de viagem a Rio Grande, na ilha da Terra do Fogo. Entretanto, com uma cordialidade quase inexplicável após explicarmos os nossos objetivos, nos hospedou. Dormimos no quarto das crianças, após jantarmos e tomarmos banho.
            Acordamos cedo para os padrões do inverno local, pois o sol só nasce às  onze da manhã. Sofremos muito para fazer o carro pegar naquela manhã fria do dia 6 de julho, décimo dia da viagem. Com um frio intenso, sempre abaixo de zero, a bateria não fornecia carga suficiente para aquele motor quase congelado. Com uma outra bateria, que a nossa hospedeira emprestou do seu carro, reforçamos a carga e o carro pegou. Na alegria do momento nem percebemos, o Binho e eu, que havia caído líquido da bateria em nossas roupas.

O campus universitário do PUIGARI, na província de Entre Rios, no nordeste da Argentina.

Conversando com o Diretor do PUIGARI.

Chegamos no meio de uma noite de festa.

O Refeitório do PUIGARI.

A entrada do PUIGARI em 1993.


Nossa Bandeira no PUIGARI.

Planície no caminho entre o PUIGARI e Buenos Aires.

Essa é a foto que involuntariamente nos levou a ser detidos e interrogados pela polícia Argentina.


Momentos antes de sermos detidos pela Polícia Argentina.

O Márcio sempre fazia umas 'regulagens' no motor do Opala.





(5) PUIGARI - Universidad del Plata - EntreRios - Argentina

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