domingo, 30 de setembro de 2012

Primeira Escalada das Agulhas Negras


Foi minha primeira escalada no Parque Nacional de Itatiaia. Eu estava junto com dois amigos, o campeão brasileiro de mountain bike, Levi Nogueira, e o analista judiciário, Elias Rolemberg. Eu havia lido o livro do Sérgio Beck com orientações precisas de como chegar ao topo das Agulhas Negras e em janeiro de 1993 partimos para uma aventura estranha aos trilheiros: escalar um maciço rochoso. A época ideal de escaladas no PNI vai de abril a setembro. Nos outros meses é necessário se assegurar de antemão que vai ter tempo bom. 
Elias (de vermelho) e eu (de azul) no caminho de acesso ao PNI.

Ansiosos pela aventura, percebemos que o nosso plano estava fadado ao fracasso: o tempo fechou quando chegamos ao Abrigo Alsene, já no platô das Agulhas. Bem, para chegar ao Alsene, nós, marinheiros de primeira viagem, vivemos uma epopeia. No livro do Beck, ele apenas dizia que o Parque Nacional fica na cidade de Itatiaia. 

É verdade, mas isso quando se refere à parte baixa do PNI. Para chegar a parte alta, é necessário pegar a Rodovia Dutra até a cidade de Engenheiro Passos. Como não sabíamos, tivemos que pedalar os quinze quilômetros que separam as duas cidades (é, fomos de bike). Mas a dureza estava apenas no começo. 
O Elias segurou um exemplar do 'flamenguinho'.

De Engenheiro Passos até a entrada do Parque Nacional de Itatiaia na parte alta, são quase trinta quilômetros de estrada num aclive medonho. No caminho, já perto do parque nos deparamos com vários sapinhos (ou rãs), vermelhinhos, com listras negras no corpo. Hoje, o sapinho ‘flamenguinho’ é o símbolo do Parque. Depois de muitas horas de subida chegamos ao abrigo, ou seja, no acampamento base, no final do dia.


Bem, descansamos naquela noite e ao amanhecer, nos dirigimos ao Parque. Na portaria falamos de nossa intenção de escalar as Agulhas Negras. Fomos avisados dos perigos da escalada com o tempo instável. Seguimos. 

Levi Nogueira (à direita) e eu (à esquerda).

Vista das Agulhas desde a trilha: o tempo fechou.

Início da subida: pisando nas ranhuras para manter o equilíbrio.

Tive que me segurar com firmeza na subida, pois a rocha estava molhada.

O Elias se posiciona para subir com corda um dos acessos à fenda do estudante.

O Elias segura-se à corda e segue logo após a fenda do estudante.

Elias (agasalho escuro) e eu (agasalho azul e branco) no topo em meio a Neblina.

A placa indicando a conquista do Exército colocada na década de 1960.

O Levi Nogueira no topo, junto à cruz.

A subida foi lenta e difícil. A indicação do Beck não levava ao caminho mais fácil – na verdade, um dos caminhos mais difíceis – a fenda do estudante, que dá acesso a rochas que beiram precipícios, no caminho rumo ao topo. Mas nossa perseverança foi premiada: chegamos ao topo. Na época ainda havia uma placa do exército fixada numa rocha e uma cruz de ferro no topo, castigada por vários raios que a atingiram. Hoje, apenas o parafusos que fixavam a cruz se encontram no local.
Foi uma grande aventura que me motivou a várias outras. Acabei gostando muito do Parque e retornei ao Agulhas seis vezes. Amo esta montanha.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

QUESTIONANDO A EXISTÊNCIA DOS (JARDINS) ZOOLÓGICOS

QUESTIONANDO A EXISTÊNCIA DOS
(JARDINS) ZOOLÓGICOS

Dr. Frank Viana Carvalho

Resumo
Em todo o século XX, vários pesquisadores se posicionaram pelo fim dos jardins zoológicos, marcando posição a favor da criação e aumento das reservas e áreas de proteção (ambiental) da vida animal nos países originários dessas espécies. Nestes locais seriam mantidas as pesquisas sobre os animais, com aparatos, equipamentos e cuidados para que houvesse o mínimo possível de invasão dos espaços da vida animal. Faz sentido ainda existirem Zoológicos?

Abstract
Throughout the twentieth century, several researchers have positioned the end of zoos scoring position in favor of creating and increasing reserves and protected areas (environmental) of animal life in the originating countries of these species. These sites would be maintained research on animals, with apparatus, equipment and care so that there was the least possible invasion of areas of animal life. Zoos makes sense still exist?

Já há alguns anos venho questionando a existência dos Zoológicos, não como um ambientalista, mas como filósofo. Quanto mais estudo e leio sobre o assunto, tanto mais me convenço da sua inadequação, anacronismo e irracionalidade.

Ora, é necessário questionar não só o ‘para quê’, mas também o ‘porquê’ de, em nossas cidades, termos zoológicos. Chamados graciosamente de ‘jardins’ ou ‘parques’ zoológicos, estes locais são destinados ao aprisionamento de animais selvagens, a maioria desconhecidos do público, para exibição e entretenimento do homem mediante o pagamento de ingressos. Seria esta uma visão radical? Tudo bem, temos outras definições mais pedagógicas e suaves. Para os defensores, o zoológico é um local de preservação e reprodução desses animais. E para a lei, pelo Artigo 1° da Lei Federal 7173/83, é considerado jardim zoológico qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos, em cativeiro ou em semiliberdade expostos à visitação pública.

Contra e a Favor

Os defensores dizem que os Jardins Zoológicos têm como ponto forte a conservação de espécies. Em outras palavras, ele serve como local de preservação de espécies ameaçadas de extinção pela destruição de seu habitat natural. No avanço científico atual, os pesquisadores têm até mesmo conseguido levar essas espécies à reprodução em cativeiro.

Além disso, outras razões são apresentadas na manutenção do modelo, tais como a possibilidade do desenvolvimento e aperfeiçoamento profissional (dos zoólogos, biólogos e outros técnicos e estudiosos do comportamento animal), a pesquisa científica da vida animal e, finalmente, a conscientização através da exposição com a clara ideia de difundir o pensamento de preservação da natureza selvagem.

Já os contrários ao modelo, insistem no argumento de que o melhor para os animais é deixa-los nas montanhas, vales, matas, cavernas, florestas, rios e mares - em seu ambiente natural. Ou seja, é uma insensatez retirar os animais de seu habitat e trancafiá-los em jaulas e espaços reduzidos ou, na melhor das hipóteses, em cercados de tamanho diminuto quando comparados com o espaço disponível de seu ambiente de origem (natural). O que devemos, argumentam, é proteger o habitat das espécies para que elas vivam ali da forma mais harmoniosa possível.

Um pouco de história

Desde o Egito dos faraós, cujos servos e soldados capturavam em suas caçadas gatos selvagens, macacos, babuínos e leões, e os mantinham (em seus templos) como símbolo de força e poder, até o século XVII, os zoológicos eram propriedades particulares e o seu valor era medido pelo grau de exotismo e ferocidade dos animais expostos.

No século XVIII nascerá o primeiro zoológico público, fundado em Paris (França) para abrigar animais oriundos de apreensões em circos e eventos que utilizavam animais em shows. Em Londres (1826) surgirá o primeiro zoológico público com o claro objetivo de ser uma instituição científica para o estudo dos animais. Justamente neste, com a finalidade de serem obtidos recursos financeiros para a manutenção dos animais, o local será aberto à visitação pública e, imaginem só, começaram a fazer shows com os animais para atrair os visitantes. Como aumentaram os visitantes, julgaram ser necessária a aquisição de outros animais – que foram buscados diretamente da natureza e colocados em cativeiro.


Desde os primeiros jardins zoológicos até por volta de 1900, os espaços, ambientes e jaulas eram construídos para proporcionar aos visitantes o melhor ângulo de visão, e não para dar boas condições de vida aos animais.


Em 1900 foi fundado na Alemanha o “Stellingen Zôo”, baseado em um conceito radicalmente diferente: os animais teriam recintos mais amplos e apropriados – estes espaços buscavam imitar o habitat natural dos animais. Embora positivo, nele foi continuada a ideia de manter aberta a visitação e de cobrar por ela. Este zoo na Alemanha foi fundado pelo naturalista Carl Hagenbeck.

Por que sou contra

O conceito e ideia dos melhores jardins zoológicos é a de cuidar dos animais que estavam sofrendo maus tratos em circos ou em ‘coleções’ particulares, ou ainda aqueles que foram vítimas do tráfico de animais.

Idealmente, estes animais (retirados de circos e do tráfico) deveriam ser reintroduzidos em seu habitat. Contudo, após anos em cativeiro, é fato que eles seriam presas fáceis ou morreriam por não saber caçar e se defender de seus predadores.

Entretanto, o contato com os seres humanos tem se revelado como uma das principais fontes de stress e enfermidades para várias espécies animais.

Em todo o século XX, vários pesquisadores se posicionaram pelo fim dos jardins zoológicos, marcando posição a favor da criação e aumento das reservas e áreas de proteção (ambiental) da vida animal nos países originários dessas espécies. Nestes locais seriam mantidas as pesquisas sobre os animais, com aparatos, equipamentos e cuidados para que houvesse o mínimo possível de invasão dos espaços da vida animal.

No distante 1937, Julia Allen Field afirmou: “Não podemos ver a beleza essencial de um animal enjaulado, apenas a sombra de sua beleza perdida.”

No final do século XX conforme tudo indicava, os jardins zoológicos estavam com data de validade vencida.

Grande engano, quase vinte anos se passaram e tudo continua como sempre.

Alguns equívocos, erros, falhas e ideias equivocadas continuam:
a) Várias espécies que não correm risco de extinção são mantidas cativas em jardins zoológicos, apenas para entreter visitantes.
b) Com a finalidade de aumentar o acervo, novas espécies exóticas são trazidas, num tráfico ‘autorizado e legal’, mas tremendamente danoso e eticamente questionável.
c) A insistência na reprodução em cativeiro de espécies não ameaçadas. Os filhotes nascidos nestas condições são ‘condenados’ a sempre viver em cativeiro.
d) Vários animais em condições de serem reintroduzidos em seu habitat, são mantidos em cativeiro. Salvo raríssimas exceções, não há uma política e ação séria de preparo dos animais para a reintrodução na natureza.
e) Os animais são tratados como propriedade do ‘homem’, obviamente contra a vontade deles.
f) A insistência no argumento do zoológico como um bom local de estudo das espécies. Desconsideram que o animal em cativeiro tem seu comportamento e hábitos alterados.
g) Os animais são ‘forçados’ a conviver com o homem, seu ‘tutor’.
h) Os animais são expostos numa exibição não consentida, pois na natureza várias espécies evitam ‘aparecer’ e se escondem naturalmente. É certo que esta exposição acarreta stress e outras consequências danosas aos animais.
i) Mantem os animais em um clima, vegetação e alimentação distintas de seu habitat natural.
j) Utilizam animais selvagens para entretenimento e lazer dos seres humanos.

Obviamente crescemos cercados e envolvidos pelo paradigma de que os jardins zoológicos são uma coisa boa, adequada e correta para com os animais.

Por este paradigma, é como se tivéssemos o ‘direito’ de capturar, prender e apresentar em exposição os animais selvagens. Ainda sob este prisma temos um bom argumento – nós os mantemos presos para o próprio benefício deles. Mas isso é equivocado. Segundo o cubano naturalizado brasileiro Pedro Ynterian, 71, presidente internacional do "Great Ape Project", que luta pelo bem-estar dos grandes primatas, zoológicos causam estresse aos animais, que chegam a se mutilar, e não têm importância pedagógica. “Crianças podem ver o leão no zoológico, mas o comportamento do animal é falso. Acho mais válido assistir a um documentário.”

Finalizando

Não consigo ver lógica e racionalidade nos argumentos apresentados em defesa dos zoológicos. Eles deveriam ser um lugar de transição com data marcada para fechamento – para que nos movêssemos em ações que levassem a ampliação ou criação de reservas naturais. O paradigma de que os jardins zoológicos são bons é tão forte que ‘cega’ e ‘ensurdece’ algumas pessoas.

Mas lentamente o movimento contra os zoológicos ganha adeptos. Enquete feita pela Folha Online com 5723 pessoas revelou que 46% (2.630 pessoas) são favoráveis ao fechamento dos zoológicos. Os demais, 54% (3.093 pessoas) são favoráveis à sua manutenção. Enfim, pela força dos movimentos e pelas pesquisas, podemos afirmar sobre o tema e sobre o futuro dos animais: 'a sorte está lançada' (alea jacta est).

Fonte:
SANDERS, Aline Sanders, FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos.
Uma reflexão sobre animais selvagens cativos em zoológicos na sociedade atual. Disponível em
ALMEIDA, Flavya Mendes de. Bioética Aplicada a animais de zoológicos.
Disponível em: Historia dos zoológicos na Europa. Disponível em: BOSTOCK, Stephen St. C. Zoos and zoological parks. In: Encyclopédia of
Applied Ethics. Vol. 4. London: Academic Press, 1998. 571-582.
Zoológicos: Objetivos e conceitos. Disponível em: Folha Online. http://polls.folha.com.br/poll/1029903/results
http://mylostworldjm.blogspot.com/2011/05/nao-podemos-ver-beleza-essencial-de-um.html

Imagem:



RELAÇÕES INTERPESSOAIS NO MUNDO ESVAZIADO PELO INSTANTÂNEO E DESCARTÁVEL

RELAÇÕES INTERPESSOAIS NO MUNDO ESVAZIADO PELO INSTANTÂNEO E DESCARTÁVEL

 Dr. Frank Viana Carvalho

Resumo
Tornamo-nos a sociedade do instantâneo e do descartável. Vivemos na era dos bens descartáveis e dos serviços instantâneos. Quase tudo que nos chega às mãos é descartável e ao mesmo tempo queremos as coisas na velocidade do pensamento. E qual é o problema? A resposta é simples – nós transpomos nossas relações com as coisas para a nossa relação com as pessoas.

Abstract
We have become a society of instant and disposable. We live in an age of disposable goods and services snapshots. Almost everything we get in our hands we throw them at the same time we want things at the speed of thought. And what is the problem? The answer is simple - we transpose our relations with things for our relationship with people.


Viver continuamente num contexto de relações interpessoais parece ser uma condição básica da natureza humana. Seja na família, na comunidade do bairro, do trabalho, do clube, da igreja e sobretudo da escola, interagimos continuamente com o outro. No caso da escola, relações entre alunos são reproduções do cotidiano em um contexto particularizado – quase uma ilha. Quando os professores lançam o desafio de que os alunos trabalhem em grupos, este gesto pedagógico mostra-nos uma clara intenção de potencializar estas relações, seja por motivá-los a crescer no aprendizado do trabalho em equipe, seja na busca conjunta da realização de uma tarefa.

Entretanto, esta não é uma prática rotineira, especialmente por demandar do professor o preparo e o planejamento para que não ocorra o contrário do que se pretendia. Em outras palavras, pretende-se que na escola, o aluno desenvolva habilidades que o ajudarão nas relações interpessoais no mundo fora da escola. Desta forma, trabalhos em grupos que ocorrem de forma organizada e produtiva, onde cada um cumpre a sua parte não são tão constantes na vida escolar. São muitas as dificuldades neste processo e um número razoável de docentes mantém os alunos num ensino individualizado e com poucas interações entre si.

No cotidiano fora da escola, há uma tendência natural ao agrupamento e à busca de realizações conjuntas para uma grande variedade de tarefas. Fora da escola, como diz Piaget, “existe a vida, e na vida, existem os amigos e as relações sociais entre crianças.” Para ele é “nesta atmosfera de cooperação que se desenvolve a autonomia.” E logo em seguida o mesmo autor pergunta: “Por que a escola não tiraria então proveito destas possibilidades que revela o estudo psicológico do desenvolvimento moral e social das crianças. Aqui ainda, isto depende antes de tudo da atitude do professor.”(1)

Relações interpessoais são construções de identidades

O que ocorre, neste caso, e estamos falando de relações interpessoais, é a constante busca da escola para adequar-se aos mecanismos sociais da atualidade e porque não dizer, da modernidade. Mas esta busca esbarra numa profunda frustração para a escola ao não conseguir o sucesso almejado, ou consegui-lo apenas de forma parcial. Soma-se a isto o próprio ser humano em busca da sua identidade. Para onde vais? Essa era uma pergunta que denotava na antiga Roma um sentido de rumo para a vida, no sentido de construção desse rumo. É a construção de si próprio. Esse quo vadis mostra uma busca inconsciente que é uma constante na vida do adulto, mas será também nas crianças em idade escolar? Com certeza.

Não estaríamos tentando dar uma explicação psicológica a uma simples questão do cotidiano das instituições (neste caso, da escola)? Talvez. Aqui poderíamos afirmar como Fischmann e Wheelis (2) que, ao mesmo tempo em que há uma profunda insatisfação das pessoas na sua busca, há também um excesso de psicologização na tentativa de resolver e explicar os problemas.

Esse processo, no entanto, não é algo que ocorre de forma metódica, sistemática e, com isso diversas rupturas nessas tentativas de explicação da natureza humana e seu processo de construção. A sensação de descontinuidades leva a uma busca individual, com explicações para tudo – logo há também uma exacerbação da crença no próprio indivíduo. Neste contexto, onde muitas pessoas (quase todos) supõem saber analisar o comportamento, caminha-se para o processo narcísico, onde as pessoas se tornam referências para si mesmas e para os demais. Em todo este processo há uma busca de respostas imediatas na tentativa (de) que sejam definitivas, pois as pessoas têm dificuldade de compreender que a identidade é um processo em construção.

É essa busca de respostas instantâneas que, tão logo pareçam suprir as necessidades imediatas, são abandonadas, ou mesmo descartadas, se reproduz em muitas coisas do cotidiano. Tornamo-nos assim, uma sociedade do instantâneo e do descartável.

O Instantâneo e o Descartável

Isto se manifesta especialmente em nossas relações com as coisas. Vivemos na era dos bens descartáveis e dos serviços instantâneos. Lenços, guardanapos, copos e fraldas descartáveis, para não mencionar uma infinidade de coisas, substituíram lenços e guardanapos de pano, copos de vidro e fraldas (sim, isso mesmo) de tecido de algodão.

Ao mesmo tempo queremos as coisas na velocidade do pensamento: comida rápida (fast-food), dinheiro sacado instantaneamente (caixas 24 horas), transações comerciais feitas com um clique, celulares que nos permitem falar com quem quisermos a qualquer hora (é impossível não ser localizado) e milhares de outras coisas que tornaram nossa vida instantânea.

Mas o descartável e o instantâneo se misturaram e aí banalizamos tudo: comida servida em marmitex com talheres de plástico, sanduíches em embalagens de papel (o isopor é démodé) e porque não, mensagens de texto pelo celular, fotografias que nunca são reveladas (e diga-se de passagem, para quê?). Realmente, o instantâneo e o descartável dominaram a nossa vida, a nossa cultura e em muitos, até o pensamento e a personalidade.

E qual é o problema? Não é esse o caminho natural da evolução humana? A resposta é simples – nós transpomos nossas relações com as coisas para a nossa relação com as pessoas. Não é apenas uma tendência – é uma realidade. É algo muito e completamente humano. E no instantâneo e no descartável não há antes e nem há depois, pois o que importa é o momento presente.

Muitos exemplos poderiam ser dados, mas ficarei apenas em um. Todos conhecem a expressão ‘ficar’, que em nosso mundo (tão moderno) significa simplesmente ter alguém para o momento, sem nenhum (absolutamente nenhum) compromisso. Dirão alguns que isso ocorria no passado, mas esses se esquecem que as pessoas evitavam fazer isso às claras ou deixar evidente para os demais, especialmente para a pessoa envolvida. Hoje não, o ficar é uma troca consciente – ‘eu te uso e você me usa, mas não queremos nada um com o outro’. A transferência foi total – é a completa e absoluta banalização do instantâneo e descartável.

Poderíamos dizer que a facilidade e a rapidez dessas relações levam a um esvaziamento e a uma superficialidade que confunde as pessoas e faz com que elas percam o referencial da construção do eu? Seguramente, pois se por um lado, cada um é o “eu em construção” e, por outro lado, somos “descartáveis”, onde está a nossa importância? Esta perda de referenciais pode levar a uma anulação de si próprio. Não é de se admirar que vivemos na época em que a crise da auto-estima é a maior na história da humanidade. E ainda assim, muitos se colocam como a medida de todas as coisas.(3) Isso mostra a que ponto chegamos no esvaziamento das perspectivas para a construção do eu.

Como proporcionar ambientes saudáveis de relações interpessoais num mundo que perdeu os referenciais básicos na construção do eu? Como incentivar alunos a interagirem para melhorar suas habilidades de trabalho em equipe no mundo que transfere o instantâneo e descartável para os relacionamentos interpessoais?


A complexidade das relações entre as pessoas numa interação em grupos

O trabalho em grupo é bem exemplificado numa corrida de revezamento: é necessário planejamento, preparo, responsabilidades individuais e esforço de todos para a consecução das metas globais e individuais. Não se pode esquecer nunca que os grupos são formados por pessoas e que não são apenas grupos, são um conjunto de relações entre as pessoas.

Estranho é que a sociedade de uma forma geral e a mídia de forma particular não enfatizam a busca coletiva, mas sim a individual, com destaque para o estrelato (ou estrelismo). No grupo enquanto um mecanismo de cooperação e ganhos conjuntos não deve haver uma busca de estrelato ou preponderância, onde o próprio conceito de estrelato é equivocado (uma estrela não brilha sozinha no céu). Sempre há espaço para todos (muitas estrelas brilham juntas). Um claro exemplo disso ocorreu em maio de 1995 quando a mídia tentava destacar o feito de Waldemar Niclevicz ao atingir o cume do monte Everest, como o primeiro brasileiro a escalar a montanha mais alta da Terra. Na verdade, Waldemar Niclevicz estava acompanhado de outro brasileiro, Mozart Catão. Como se percebe, parecia aos olhos da imprensa e da TV que seria mais heroico e glorioso destacar o feito de um só (4). Logo, não é positivo o papel da mídia na construção das identidades e das relações entre as pessoas no grupo.

Numa sociedade que coloca o hedonismo como um valor aceitável (5) e desmerece os esforços de muitos para destacar a realização de uns poucos, a consequência natural é ver as pessoas fechando os olhos para quem está ao seu lado e deixando de perceber o sofrimento alheio. Construir relações é exatamente o contrário: é ver no outro de fato um semelhante. Tudo aquilo que pode ser positivo no trabalho em grupo, pode, e deve ser maximizado pelos que incentivam o trabalho em equipes e grupos. É necessário trabalhar as potencialidades de cada um. Dentro e além do aspecto cognitivo é necessário desenvolver as capacidades analíticas, argumentativas, reflexivas e críticas. Estas podem ser trabalhadas para que se desenvolva um exercício permanente da democracia, da cidadania e da ética.

Na construção das relações e na construção da identidade pessoal é necessário ver e ter consciência de que os esforços fazem sentido. Ver de que forma a vida e as relações fazem sentido. E este senso depende de valores estáveis: nossos referencias de vida, de história. O que nos leva a ter segurança no que é certo e errado e estar pronto a decidir.

Trabalhar em grupo é sobretudo construir relações com os demais e assim, estabelecer também valores seguros para a construção da própria personalidade. Não há dúvidas de que ocorre uma construção da própria identidade nas relações de grupo.

Ervin Goffman , que foca seus estudos nas relações entre as pessoas nos grupos sociais afirma que ‘atuamos’ como se fôssemos atores em um palco (6). E acabamos mais desenvolvendo efeitos dramáticos do que atitudes. Esta é uma abordagem interessante numa análise do trabalho em grupos em sala de aula. Até que ponto estaremos sendo autênticos em nossas relações interpessoais? E o que de fato vêm a ser autenticidade se todos somos assim? Mas a sua afirmação de que as pessoas agem para ser aceitas é uma constante nos grupos. Com isto mudam de postura e mesmo de atitudes. Algumas se apropriam do papel de outras e desta forma, o importante é manter a fachada.

O grande risco aqui é a não preocupação moral com os próprios padrões, e isto envolve o risco da aceitação formal e da vivência apenas dos padrões visíveis, externos e não de fato, pessoais. Desta forma, as pessoas ditam e vivem padrões e traços de identidade. (alguns destes, apenas suposições).

Nas relações entre componentes dos grupos há ainda a questão dos estigmas que carregamos e que influenciam diretamente a maneira como as pessoas nos vêem e nos tratam. Influenciam também a maneira como nós tratamos os demais. Muitas vezes o estigma é tão marcante, que as pessoas não olham para uma “outra pessoa”, mas para o estigma que ela carrega. Ora, quanto mais se tece na superfície aparente, mais frágeis os papéis que vivenciamos ficam por baixo. É como insistir em construir uma casa sobre alicerces frágeis. Quanto mais se insiste em avançar, maior é o risco de desmoronamento.

A solução está na figura do próprio docente (e dos líderes): ele deve assumir o seu papel e ser uma referência de valores para seus alunos. John Dewey dizia que “é pelo exemplo que aprende a humanidade, não aprenderão em outra escola”.

Segundo Green (7), “o ensino cooperativo é a solução para uma parte significativa dos problemas de ensino e aprendizagem” e “as técnicas do ensino cooperativo, quando bem aplicadas, podem resgatar alunos considerados sem chance e sociabilizar a turma” (8). Sua definição é de que o Ensino Cooperativo (ou aprendizagem cooperativa) é uma proposta metodológica de organização do trabalho da sala de aula com os alunos trabalhando em grupos de estudo. Estes grupos recebem instruções dos professores e se interagem positivamente para o progresso da aprendizagem e do relacionamento interpessoal.

O problema central neste caso é analisar os alunos em interação e as múltiplas interações dos alunos enquanto trabalham conjuntamente sob a orientação do professor. A prática docente busca modelos consensuais e a ênfase na cooperação é uma necessidade da educação conforme muitos autores, inclusive Piaget (9):

“Conforme a cooperação substitui a coação, a criança dissocia seu eu do pensamento de outro.” ... “Logo, cooperação é fator de personalidade, se entendermos por personalidade ... o eu que se situa e se submete, para se fazer respeitar, às normas da reciprocidade e da discussão objetiva.” ... “Sendo a cooperação, fonte de personalidade, na mesma ocasião, as regras deixam de ser exteriores.”

Diversas pesquisas confirmam os aspectos positivos e a necessidade de melhor analisarmos as inter-relações que ocorrem no funcionamento da aprendizagem a partir dos grupos dentro da sala de aula e em vários ambientes de convivência coletiva. Se nenhum trabalho for feito no sentido de melhorar as relações entre os estudantes e, consequentemente, entre as pessoas, a pergunta feita há quase dois milênios, não terá uma resposta positiva.

Fontes:
(1) PIAGET, A Educação da Liberdade: Conferencia apresentada no 28º Congresso Suíço dos Professores em 8 de julho de 1944 em Berna, Suíça.
(2) Do livro The quest for identity, de WHEELIS, Allen, citado por FISHMAN. Roseli. Professora da Faculdade de Educação da USP.
(3) Richard Sennet, O declínio do homem público: tiranias da intimidade.
(4) O próprio Waldemar, infelizmente, destaca em seu site este feito da mesma forma que a imprensa o fez. A menção a Catão é apenas periférica. (http://www.niclevicz.com.br/pag14.php)
(5) Konrad Lorenz em, A demolição do homem.
(6) Erving Goffman, A representação do eu na vida cotidiana; Estigma: notas sobre a manipulação da identidade; Manicômios, prisões e conventos.
(7) Andrews University, Michigan, USA.
(8) Green, William, Aulas do Mestrado em Educação, dez/jan 96/97, UNASP, Eng. Coelho - SP.


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Estação Ecológica de Bananal


Localizada na região da serra da Bocaina, divisa entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, no município que dá nome à estação. A Estação Ecológica de Bananal abriga remanescentes da mata atlântica, e seus 884 hectares estão situados numa região em que a altitude varia de 1.200 a 1.900 metros.

A Estação é um ponto de acesso ao PNSB (Parque Nacional da Serra da Bocaina). Com alta pluviosidade e temperaturas médias que variam entre 20º e 33ºC, mas que podem chegar à mínima de 0ºC no inverno, a Estação faz limite com o PNSB próximo a histórica trilha do Ouro, construída por escravos para o transporte de mercadorias entre as minas do interior e do litoral.
Visitamos a Estação para futuras visitas técnicas dos professores e alunos do Instituto Federal de São Paulo. Além dos animais e muito verde, quem gosta de quedas d'água e caminhadas terá na Estação Ecológica de Bananal, a trilha da Cachoeira. Fácil de percorrer, com pouco mais de 300 metros, essa trilha leva o visitante ao último salto da cachoeira Sete Quedas, um dos cenários mais bonitos da região. 

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Parque Nacional do Itatiaia


Localizado ao sul do Rio de Janeiro, na divisa com Minas Gerais, o Parque Nacional do Itatiaia foi a primeira área do país oficializada em unidade de conservação. Fundado em 1937, tem por objetivo preservar seu rico patrimônio ambiental.
Centro de Educação Ambiental - parte baixa do PNI

Além da paisagem exuberante, o parque possui um Centro de Visitantes composto por biblioteca, auditório, orquidário e Museu de Fauna e Flora, além do Núcleo de Educação Ambiental, que desenvolve diversos projetos, como o musical multimídia VerdeSom. O museu dispõe de um grande acervo de espécies de frutos e flores, peças preparadas de animais (répteis, aves e mamíferos) e uma intrigante coleção de insetos e aracnídeos. 
Entrada da parte alta do PNI - Posto Avançado das Agulhas Negras

Com um relevo montanhoso e de encostas íngremes, o parque é uma boa pedida para os amantes do trekking (caminhada ecológica) e de escalada. O ponto mais alto é o pico das Agulhas Negras, com 2.791 metros. Os outros desafios são a serra do Maromba, com 2607 metros, a serra das Prateleiras, com 2.540, o pico Dois Irmãos, com 2.500 e pedra Cabeça do Leão, com 2.408.

Nossa visita oficial ao PNI abriu novas portas para os alunos dos cursos de Biologia e Gestão Ambiental do Instituto Federal de São Paulo. Em breve os futuros biólogos e gestores ambientais aprenderão muito nesse lugar incrível.

Vista do Maciço das Agulhas Negras a partir da trilha na altitude de 2550mts.

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