domingo, 15 de março de 2009

O Massacre de São Bartolomeu

O Massacre da Noite da Saint-Barthélemy
Frank Viana Carvalho

Na noite de 23 para 24 de agosto de 1572, os sinos da catedral de Saint Germain-l’Auxerrois fizeram o prenúncio do dia da Saint-Barthélemy, por ironia um mártir. Com o toque dos sinos, ouvem-se também os terríveis gritos dos que eram assassinados. Começava o massacre da noite da Saint-Barthélemy em que, entre três e dez mil huguenotes morreram na capital francesa. Outros milhares morreriam no restante do país.

Poucos dias antes era calmo o ambiente na capital Paris. Havia sido celebrado no dia 18 de agosto um matrimônio real que deveria encerrar duas décadas de lutas religiosas entre católicos e protestantes.

Os noivos eram Henri, rei de Navarre e chefe da dinastia dos huguenotes, e Marguerite de Valois, princesa da França, filha do falecido Henri II e de Catarina de Médicis. Marguerite era irmã do então rei, Charles IX.

Milhares de huguenotes (protestantes franceses) de todo o país, a fina flor da nobreza francesa, foram convidados a participar das festas desse casamento. Na verdade, uma armadilha sangrenta, como se veria mais tarde. O casamento foi realizado por determinação da poderosa rainha-mãe Catarina de Médicis, conhecida por sua sagacidade e sede de poder. Mas as razões do massacre podem ser melhor explicadas.

O quadro já conturbado das disputas políticas e religiosas ganhou um complicador adicional quando Coligny (conselheiro real) convence o rei a reverter sua política externa tradicional e apoiar a resistência dos protestantes holandeses contra os espanhóis.

Se fosse concretizado esse plano, a França e a Espanha poderiam entrar em guerra. Catarina concluiu então que Coligny precisava ser eliminado, a fim de cortar toda a sua influência sobre o rei.

Sabendo que o seu filho não concordaria com uma execução legal, ela optou pelo assassinato do almirante. O plano era fazer parecer que Coligny fora morto pelos Guise – assim, a ira dos protestantes se voltaria contra os Guise, e duas ameaças à sua influência sobre o rei (Coligny e a família Guise) estariam afastadas.

Alguns dias depois da cerimônia de casamento, o almirante Gaspard de Coligny sofreu o atentado em rua aberta tendo apenas ferimentos leves. O problema é que o assassino errou o tiro e com isso, frustrou o plano de Catarina. Ainda assim, os huguenotes pressentiram uma conspiração.

Estava em perigo a frágil trégua obtida através do casamento. Carlos IX ficou estarrecido ao saber do atentado a Coligny, seu conselheiro e confidente. O rei então falou de “caçar implacavelmente os autores do atentado”, o que deixou sua mãe, Catarina de Médicis, em grandes dificuldades. Ela rapidamente modificou seu plano e junto aos líderes católicos espalhou o boato de que os huguenotes estavam planejando uma rebelião para vingar-se do atentado.

Neste momento, o rei Charles IX, a princípio inseguro, pressionado pela mãe e pelo temor da rebelião dos protestantes, finalmente cedeu e ordenou a execução de Gaspard de Coligny. (MIQUEL, 1976, p. 170-171; CHEVALLIER, 1954, p. 258).

Na impetuosidade da decisão solicitou um trabalho completo: nenhum huguenote que pudesse acusá-lo posteriormente do crime deveria permanecer vivo. Listas de nomes foram providenciadas para facilitar um massacre metódico. Os desprevenidos huguenotes foram mortos ainda em suas camas, a começar por Coligny, cujo corpo foi lançado pela janela do seu apartamento e depois, mutilado.

Teve então início o massacre que, segundo alguns historiadores, dizimou entre dez e cem mil huguenotes em toda a França. (ESTEBE, 1968, p. 19[1]; BURNS, 1994, p. 207[2]).

Henri de Navarre, o líder dos protestantes, foi poupado na Saint-Barthélemy, especialmente por ser genro da rainha mãe e ter ficado escondido nos aposentos palacianos.

O ódio misturado com o zelo religioso era tão grande que “o papa Gregório XIII fez cantar um Te Deum à Santa Maria e dirigiu uma cerimônia de ação de graças a São Luís, santo francês, em Roma, nos dias 5 e 8 de setembro de 1572, para agradecer a Deus de haver permitido” o massacre da Saint-Barthélemy. E “numa bula do dia 11 de setembro do mesmo ano ordenou um jubileu para obter a mesma graça da destruição dos huguenotes e o desaparecimento da heresia na França”. (AMBELAIN, 1981, p. 273).


Referências
AMBELAIN. A History of Political Thought in the Sixthenth Century. Londres: Methuen & Company Ltd., 1981.
BURNS, James Hendersen. The Cambridge History of Political Thought. Londres: Cambridge University Press, 1994.
CHEVALLIER, Jean-Jacques. Les Grandes Oeuvres Politiques de Machiavel a nous jours. Pris: Armand Collin, 1954.
ESTEBE, Janine. Tocsin pour um massacre: la saison des Saint-Barthélemy. Paris: Éditions du Centurion, 1968.
MIQUEL, Pierre. Histoire de la France. Paris: Arthéme Fayard, 1976.

[1] Janine Estebe (1968) apresenta numa pesquisa detalhada os seguintes dados: em 1661, Pèrefixe, preceptor de Luís XIV, na sua obra Vie de Henry IV dá o número de 100.000 mortos. Por outro lado, em 1758, o abade de Caveirac, na sua Dissertation sur la journée de la Saint-Barthélemy, afirma que o número total foi de 1.000 mortos. Entre esses dois números extremos há vários outros: Ainda no século XVI, Sully indicou 60.000 mortos; Michelet e o historiador oficial de Thou apontam 30.000; em 1630, o historiador italiano Davila indicou como sendo 10.000 os mortos no massacre; Bossuet, no século VXII afirmou que foram 6.000. Em síntese, por tudo o que se lê, tendo em consideração ao fato de que famílias inteiras foram mortas, corpos foram enterrados, jogados nos rios e até queimados; e os vitoriosos no sentido material e físico foram os do partido católico apoiados pelo rei, o número correto deve ser significativamente maior do que os historiadores católicos tentam demonstrar e certamente menor do que os cálculos feitos com influência protestante. (p. 18- 19).
[2] De acordo com as várias fontes de diferentes cidades onde houve registros do massacre, é seguro afirmar que devem ter morrido no mínimo, 30.000 protestantes.
Fonte da Imagem: http://www.emeth.com.br/wp-content/uploads/2008/12/571px-massacre_saint_barthelemy.jpg

2 comentários:

Enéias Teles Borges disse...

Tudo em nome da política e em gratidão em nome de deus... Os dois juntos, separados, etc?

A história se mostra viva e irônica.

Barbara Tuche disse...

Obrigado voce acabou de me ajudar para uma prova de cultura francesa!
POxa adorei seu blog. como faço para te seguir?

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