Dr. Frank Viana Carvalho (1)
Resumo
As Guerras travadas entre Católicos e Protestantes (Huguenotes) na França na segunda metade do século dezesseis (entre 1562 e 1598) ficaram conhecidas como "Guerras de Religião". Elas são o desdobramento das diversas consequências da Reforma Protestante iniciada em 1517 por Martinho Lutero. No entanto, na França, a intolerância e a violência não tinham apenas motivações religiosas, mas também (e principalmente) política.
(continuação)
O início da quarta guerra de religião foi marcado pelo episódio da Saint-Barthélemy. O rei Charles IX, após autorizar a trágica morte de Coligny, volta-se totalmente contra os reformados e ordena o cerco à cidade de La Rochelle em fevereiro de 1573. Durante este tempo, os protestantes, “privados de seus chefes, mas inflamados por seus pastores”, retomam as armas e defendem-se como podem. Estabelecem em Millau, no sul da França, uma constituição federativa, civil e militar, onde uma espécie de república oferece segurança aos huguenotes e garantias aos católicos moderados. Em julho, após seis meses de cerco a La Rochelle, sem que o rei conseguisse a rendição da cidade, é feito um Edito de paz em Boulogne, que marca o fim da quarta guerra. Essa paz deixa os católicos descontentes e é insatisfatória para os protestantes por suas condições: livre exercício de culto em apenas três cidades de segurança (La Rochelle, Nîmes e Montauban) e no restante do país (exceto em Paris) poderiam ter reuniões religiosas em suas casas com no máximo dez pessoas. O rei Charles IX, tido como fraco por ambos os lados, tenta a paz pelo Edito de La Rochele em 25 de junho de 1573. Pouco tempo depois, no ano seguinte, o rei Charles IX vem a falecer (31 de maio de 1574).
O país entra em efervescência: panfletos e escritos huguenotes que antes da Saint-Barthélemy atacavam os
Guise, agora atingem também o rei e sua mãe. O desencontro entre o pensamento religioso da realeza na população, e a idéia política da realeza entre os dirigentes do poder provocou a perda do prestígio da monarquia francesa entre todas as camadas da população. (BERTIÈRE, 1994, p. 208). A corte enfrenta tremendas dificuldades financeiras e o país está dividido: a Saint-Barthélemy nada trouxera de bom ao reino. Há descontentes de todos os lados e Henri de Navarre, finalmente, mas com dificuldades, consegue sair do país em direção à Suíça. Em 30 de maio de 1574, o rei Charles IX falece e Catarina de Médicis mais uma vez assume o reino. Henri III, informado da morte de seu irmão deixa a Polônia, onde estivera para assumir o poder pelos laços de união com sua esposa polonesa.
Neste ínterim Catarina de Médicis propõe aos protestantes que entreguem as cidades que estavam sob seu poder, deponham as armas e em troca receberiam o direito de liberdade de consciência e de poder batizar seus filhos no culto protestante. Mas ambos os lados não querem a paz e os protestantes no decurso da guerra conseguem retomar mais algumas cidades (Riez, Digne, Saintonge e Languedoc) e ainda recebem apoio e tropas da Alemanha. Henri III, irmão do falecido rei Charles IX, assume em seu lugar. Sente-se no ar que algo irá mudar, mas tudo continua como antes e em agosto de 1574 inicia-se a quinta guerra de religião com combates generalizados.
As reivindicações são muitas de todos os lados: os católicos, liderados por Henri de Guise, não querem nenhuma concessão aos protestantes; os huguenotes querem a liberação de prisioneiros, liberdade de culto e uma reunião dos Estados Gerais. Após quase quatro anos de incessante turbulência, o rei, sentindo grandes dificuldades de lidar com a situação, além de ceder, demonstra simpatia à causa huguenote e assina o Tratado d’Etigny, chamado de “Paix de Monsieur” ou Edito de Beaulieu em maio de 1576. É o fim da quinta guerra de religião, com aquele que seria, até o momento, o acordo mais favorável aos protestantes: “liberdade de culto em todo o país (exceto em Paris), várias cidades de segurança (onde teriam liberdade de culto), liberação dos prisioneiros, metade das cadeiras no parlamento e a promessa de reunir os Estados Gerais”. Além disso, os líderes huguenotes são premiados: Alençon recebe o título de duque D’Anjou, Henri de Navarre recebe o governo da Guiana e Henri de Condé, o governo da Picardia. (BERTIÈRE, 1994, p. 464-465; CHARTROU-CHARBONNEL, 1936, p. 193-196).
Inconformados, os católicos se organizam em uma Liga e, sob a liderança dos Guise, fazem de tudo para recomeçar os combates e impedir que os líderes huguenotes desfrutem de seus novos postos. [1] Apoiados “pelos prelados do rei, pelo rei da Espanha e pelo papa”, querem muito: devolver aos nobres católicos todos os seus privilégios, restituir o trono aos carolíngios (diga-se ‘aos Guise’) e restabelecer a ortodoxia católica em todo o reino. A guerra era uma questão de tempo. Os protestantes também se organizam: sob a liderança de Henri de Navarre, ‘chefe dos protestantes’, unem-se ao rei da Suécia, aos príncipes alemães e a Elisabeth, da Inglaterra. Mas nesse meio tempo, pacifistas como La Noue, herdeiro político e religioso de Coligny, fazem de tudo para que haja paz e tolerância e, por algum tempo, conseguem neutralizar os ânimos exaltados de lado a lado.
Tão reivindicados pelos huguenotes, os Estados Gerais se reúnem em dezembro de 1576 em Blois, onde os representantes católicos, em maior número, reivindicam o restabelecimento da unidade religiosa. A Assembléia termina sem alterações no Tratado d’Etigny e os conflitos recomeçam, marcados por pequenos e grandes confrontos em diversas cidades. Tinha início a sexta guerra de religião. O rei resiste, mas, pressionado pela Liga, acaba por assinar em setembro de 1577 o Tratado de Bergerac e o Edito de Poitiers, mais restritivos aos huguenotes do que os anteriores, diminuindo os lugares de segurança e impedindo o proselitismo protestante. A guerra termina e, embora o clima de tensão permaneça no ar por quase três anos, esse período é marcado pela tolerância e pela ação de La Noue e dos politiques, católicos moderados que incentivam a convivência pacífica das duas ‘religiões’ beligerantes. Em abril de 1580 ocorrerá a penúltima guerra, com novos enfrentamentos dos Guise e dos protestantes na região do Poitou. Mas apenas seis meses depois, em novembro, virá o Edito de Paz de Fleix, marcando o final da sétima guerra de religião.
A Liga, insatisfeita com o rei Henri III, por suas concessões ‘generosas’ aos protestantes, indigna-se ainda mais após o falecimento de François D’Alençon Anjou, irmão mais novo do rei. [2] Essa morte abriu caminho para que o Henri de Navarre se tornasse o próximo na linha sucessória, tanto por seu casamento com Marguerite de Valois, como por sua ascendência real, por ser o mais velho descendente direto do último filho do rei Luís IX (‘São’ Luís). Essa possibilidade assusta os partidários da Liga e entusiasma os protestantes, o que traz mais elementos de instabilidade ao reino. [3]
Mesmo após sofrer um atentado, o rei confirma Henri de Navarre como seu sucessor, declarando-o ‘delfim da França’. Inconformada, em março de 1585, a Liga protesta com violência em Péronne, ameaçando não só os huguenotes, mas também o rei. Esse incidente marca o início da oitava e última guerra de religião. O rei sente o reino ameaçado e julga que, para não perder o trono, terá de fazer concessões: é assinado o tratado de Nemours entre o rei e a Liga revogando todos os Editos que autorizavam o culto reformado e proibindo o protestantismo na França. (CHARTROU-CHARBONNEL, 1936, p. 197).
Os combates se acirram com vitórias de ambos os lados: em outubro de 1587, Henri de Navarre vence as tropas reais conduzidas pela Liga em Coutras; em novembro, Henri de Guise vence os cavalheiros huguenotes nas proximidades de Paris. Panfletos são distribuídos a mando dos Guise numa forte crítica ao rei. Em maio de 1588, a Liga tenta tomar Paris e o rei, temendo a morte, foge da cidade. Acuado pela Liga e receoso da pressão exercida por Filipe II, rei da Espanha, ele é forçado a aceitar o Edito de União, o qual assina em julho, restabelecendo a hegemonia católica no reino.
As coisas pareciam ficar cada vez piores e mais complicadas para o rei e para os huguenotes, mas um acontecimento externo traria uma mudança importante aos eventos internos. O rei da Espanha, que ameaçava invadir a França ou outros países que mostrassem uma política de tolerância aos protestantes, resolveu mostrar a força da “invencível armada” numa invasão ao reino bretão. Isso porque Maria Stuart, que havia restabelecido à força o catolicismo na Escócia, aprisionada e mantida cativa por dezenove anos, fora decapitada por ordem de Elisabeth Iª, rainha da Inglaterra. O rei espanhol Filipe II, com 130 navios, 10.000 marinheiros e 19.000 soldados tinha a vitória como certa. Mas tempestades e a forte resistência dos marinheiros e soldados ingleses reduziram a “invencível armada” a 63 navios, que voltaram humilhados para a Espanha. (GAUSSEN, 1998, p. 7).
(continua)
Fonte:
CARVALHO, Frank Viana. Tese Doutoral - O Pensamento Político Monarcômaco: da limitação do poder real ao contratualismo. Orientador: Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2008, p. 197 - 201.
(1) Frank Viana Carvalho, doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo - FFLCH (Doutorado SW [CNPq] na Université François Rabelais, França), mestre em Filosofia (FFLCH-USP), mestre em Educação (UNASP), Especialista em Psicologia da Adolescência (Bracknell – Inglaterra) é professor titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – SR.
Notas Explicativas:
[1] A Liga católica será alvo de diversos estudos específicos que tentam desvendar suas reais motivações. Vale mencionar as recentes obras de Élie Barnavi, Le Parti de Dieu. Etude Social et Politique de La Ligue Parisienne. Louvain, Nauwlaerts, 1990; de Robert Descimon, Qui etaient les Seize? Mythes et relités de la Ligue Parisienne, Paris, Klincksieck, 1983 e de Jean-Marie Constant, La Ligue, Paris, Fayard, 1996.
[2] Bastava a Henri III ter um filho para impedir a ascenção de Henri de Navarre, mas ele não tinha nenhum herdeiro do sexo masculino.
[3] Neste ano, o papa Sixto cedeu às obsessões dos Guise (diga-se Liga) e Editou uma bula excomungando Henri de Bourbon e o príncipe de Condé. Hotman foi encarregado de responder a esta intromissão e escreveu Brutum Fulmen que aparece sem nome de autor em 1585.
Fonte da Imagem: portalsaofrancisco.com.br
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