quarta-feira, 31 de agosto de 2011

As Guerras de Religião - O Fim - Henri de Navarre e o Edito de Nantes (4)

Dr. Frank Viana Carvalho (1)


Resumo
As Guerras travadas entre Católicos e Protestantes (Huguenotes) na França na segunda metade do século dezesseis (entre 1562 e 1598) ficaram conhecidas como "Guerras de Religião". Elas são o desdobramento das diversas consequências da Reforma Protestante iniciada em 1517 por Martinho Lutero. No entanto, na França, a intolerância e a violência não tinham apenas motivações religiosas, mas também (e principalmente) políticas.

Henri de Navarre e o Fim das Guerras de Religião

Sentindo-se livre de pressões externas, o rei Henri III cria coragem e resolve enfrentar os Guise: em dezembro de 1588, convoca uma reunião dos Estados Gerais e nela manda prender os principais líderes da Liga, entre eles, o duque Henri de Guise e seu irmão, o cardeal de Guise, ordenando em seguida a morte de ambos. Em abril de 1589 faz um acordo com Henri de Navarre e, por suas atitudes, acaba sendo excomungado pelo papa. Nesse momento, Jean Boucher, que neste mesmo ano publicaria De justa Henrici Tertii abdicatione, “convence a Faculdade de Teologia de Paris a intervir junto ao papa para declarar Henri III deposto”, decisão esta que foi ratificada pelo Parlamento. Os ódios católicos se voltam definitivamente contra o rei.

A Liga então prepara seu plano para a deposição e efetivo afastamento de Henri III: um ‘fanático’ católico



matará o rei, o que abrirá espaço para a imediata elevação do tio católico de Henri de Navarre, o cardeal de Bourbon. O plano parece perfeito, pois a morte do último Valois (Henri III) abriria espaço para que um descendente real legítimo, no caso um Bourbon, pudesse ser rei. Desconsidera-se a indicação de Henri de Navarre como delfim feita pelo próprio rei, mas mantém-se a legalidade constitucional. O plano é executado: no primeiro dia de agosto de 1589, Jacques Clément assassina Henri III e em seguida a Liga e o Parlamento declaram o cardeal como ‘rei’ [1]. Entretanto, poucos meses depois, para desespero da Liga, o cardeal, que efetivamente nunca chegou a assumir a coroa, vem a falecer abrindo novamente o caminho para Henri de Navarre. (JANET, 1971, p. 203; LEONARD, 1956, p. 132; RESTELLINI & YANNAKAKIS, 1990, p. 63). [2]

Henri IV (Henri de Navarre)

Mas Navarre terá de enfrentar duras batalhas políticas, religiosas e militares ao longo de quatro anos para confirmar o seu acesso ao trono francês. Somente em março de 1594 ele será aceito triunfalmente em Paris – esse episódio marcará o fim da oitava guerra de religião. Para assumir o reino, consegue “a preço de ouro, a submissão dos chefes da Liga” e se “converte” ao catolicismo. Essa ‘conversão’ ocorre justamente numa Assembléia dos Estados Gerais em 1593, na qual ele pronuncia a frase que entrou para a história: “Paris bem vale uma missa”. Embora católico, permanece irmão espiritual dos huguenotes e concede-lhes a igualdade de direitos políticos através do Edito da Tolerância de Nantes, em 1598.[3] Não era um decreto perfeito, tanto no entender dos católicos, como no dos protestantes. O Edito de Nantes fez da Igreja Católica a igreja oficial, com seus antigos direitos, propriedades e rendimentos. Aos huguenotes, quase um quinto da população, foram conferidos direitos religiosos de culto em muitas áreas, exceto num raio de trinta quilômetros ao redor de Paris; direitos civis (tribunais próprios, elegibilidade para cargos públicos e direitos políticos); e duzentos vilas e cidades fortificadas. O rei Henri IV foi informado que o papa ficou “inconsolável” com o Edito, por conceder ‘liberdade de consciência a todos – a pior coisa do mundo’. O Edito expressava a convicção, muito moderna para a maioria, de que a aceitação da diversidade religiosa era necessária para a preservação da paz.

O que fora um consolo e compensação tardia para os huguenotes, parecia trazer aos sensatos várias lições, das quais três se sobressaiam: uma advertência quanto ao mal da intolerância e o desrespeito aos direitos da pessoa humana; o perigo de associações ilegítimas entre a igreja e o estado; e a inspiração que vem tanto do heroísmo dos oprimidos por causa de sua fé, como da coragem dos politiques que, mesmo correndo riscos, colocaram-se ao lado da tolerância e da unidade nacional.

A despeito dessas lições, um tanto evidentes, a intolerância ganhará terreno novamente e cerca de um século mais tarde o decreto será revogado. Em 1685 o Edito de Nantes será revogado por Luís XIV, o que ocasionará um grande êxodo de quase trezentos mil huguenotes para outros países da Europa e para os Estados Unidos. Os poucos que permaneceram na França ficaram conhecidos com ‘A Igreja no Deserto’.

(Fim)

Fonte:

CARVALHO, Frank Viana. Tese Doutoral - O Pensamento Político Monarcômaco: da limitação do poder real ao contratualismo. Orientador: Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2008, p. 201 - 203.


(1) Frank Viana Carvalho, doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo - FFLCH (Doutorado SW [CNPq] na Université François Rabelais, França), mestre em Filosofia (FFLCH-USP), mestre em Educação (UNASP), Especialista em Psicologia da Adolescência (Bracknell – Inglaterra) é professor titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – SR.

Notas Explicativas
[1] Os historiadores reconhecem o fato, mas não incluem o cardeal de Bourbon como um dos reis da história da França.
[2] Após a morte do cardeal de Bourbon, rei por alguns meses, a Liga “encoraja a idéia de uma monarquia verdadeiramente eletiva, para finalmente descobrir que suas tentativas de escolher um dirigente católico estavam sobrecarregadas pelas rivalidades de seus próprios chefes aristocráticos”. (JANET, 1971, p. 200).
[3] Hugues Daussy (2002) admira-se do pouco questionamento feito pelos historiadores de como os protestantes, em tão menor número, puderam resistir por tanto tempo à maioria católica e ao tão grande poder da Liga: “Não seria interessante perguntar por qual milagre os reformados puderam resistir a este desencadeamento da violência católica, tão freqüentemente destacado pelos historiadores – como eles puderam conseguir fazer face à determinação e ao poderio militar de uma Liga sustentada pelos espanhóis? Enfim, por qual força eles puderam lutar e se defender com um sucesso tal que finalmente conseguiram arrancar a concessão de um Edito legalizando uma existência que havia sido negada por quarenta anos (...)?” Ele mesmo responde ao dizer que os historiadores exaltam excessivamente a figura de Henri IV, distorcendo a verdadeira história. Para ele “crer que o futuro rei Henri IV tenha podido sozinho assegurar a defesa dos interesses reformados de 1576 a 1589 seria deformar a realidade”. (p. 19). Ele completa: “se a França esteve entregue por quarenta anos às guerras civis ou guerras de religião, é porque existia, em face de uma grande maioria de católicos, uma importante minoria de protestantes”. (p.17).

Fonte da Imagem: ladepeche.fr

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