Ana Duarte Lenotti
Resumo
Muitas são as considerações possíveis para se entender o processo da leitura, sua definição, seu uso, sua implicação e sua valorização. Para todas as correntes de pensamento atuais, a leitura ocupa sempre um lugar de destaque nas reflexões sobre a sua importância como decodificadora do mundo.
Abstract
There are many considerations possible to understand the process of reading, its definition, its use, its implications and its recovery. For all currents of thought today, reading always occupies a place of prominence in the deliberations on its importance as decodificadora the world.
Com origem no termo latino legere = ler, ajuntar, reunir, recolher, colher, escolher, eleger, furtar, roubar, seguir, percorrer, deslizar (Cf. Quicherat), “o ato de ler se assemelha a uma colheita, com todos os seus requintes de procedimentos: observar, identificar, selecionar, relacionar” (Cardoso-Silva, 1997:23), processo que sempre está presente em toda leitura.
Tão antiga quanto a humanidade, a leitura vem acompanhando o homem mesmo antes do surgimento da escrita. Essa constatação levou Orlandi (1988:41) a afirmar que “toda leitura tem sua história. Leituras possíveis em certas épocas não o foram em outras, e leituras que não são possíveis hoje serão no futuro”. Fazendo um percurso pela história, podemos verificar como a própria história está incorporada nesse processo de leitura. Encontramos povos se orientando pelas estrelas, pelo sol, pela lua, pelo dia, pela noite, pelo vento... Buscando interpretações na fumaça, no som, nos gestos, no olhar, no silêncio, nas formas, nos desenhos... Evoluindo para a escrita e buscando significação nas letras, nas palavras, nas frases, nos textos, daí podermos constatar que o processo da leitura está associado à imagem criadora do homem, que a usa freqüentemente para dar vida ao que lê.
Historicamente, segundo Soares (1995:87), “a leitura foi sempre um ato social”, porque ela é uma interação verbal de indivíduos socialmente determinados: de um lado, o leitor, com todo o seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros e, de outro, o autor, também com o seu universo, seu lugar na estrutura social e suas relações com o mundo e com os outros. É, pois, entre esse leitor e esse autor que se estabelece uma interação como se fosse um diálogo, um processo de natureza social que determina a leitura e constitui seu significado. Em todos os objetos de leitura, quem lê trabalha com o contexto, vai tecendo o texto (que se origina do latim textum = tecido, tela, trama, entrelaçado) e dando-lhe significados, por isso é que se diz que todo objeto de leitura é um texto, comparado a um entrelaçamento de fios de um tecido que autor/leitor tecem juntos.
Para Lévy (1999:38), “desde suas origens mesopotâmicas, o texto é um objeto virtual, abstrato, independente de um suporte específico”.
Já Kleiman (2000:10) diz que “ao lermos um texto, qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa sociabilização primária, isto é, o grupo social em que fomos criados”.
No campo das definições, Kleiman (2000:12) defende a idéia de que “leitura é um processo psicológico em que o leitor utiliza diversas estratégias baseadas no seu conhecimento lingüístico, sociocultural, enciclopédico. Sua utilização requer a mobilização e a interação de diversos níveis de conhecimento, o que exige operações cognitivas de ordem superior, inacessíveis à observação e demonstração, como a inferência, a evocação, a analogia, a síntese e a análise que, conjuntamente, abrangem a linguagem, a compreensão, a memória. Não há leituras autorizadas num sentido absoluto, mas apenas reconstruções de significados, algumas mais e outras menos adequadas, segundo os objetivos e intenções do leitor”. Kleiman (2000:33) diz ainda que “do ponto de vista cognitivo, a leitura pode ser considerada um jogo de adivinhações. Assim como podemos reconhecer à distância uma pessoa conhecida, a partir de algumas características como altura, cor, maneira de caminhar, assim também, durante a leitura, podemos reconhecer estruturas e associar um significado a elas, a partir de apenas algumas pistas: mediante a identificação da forma da palavra e a nossa familiaridade com essa palavra”. Classifica o leitor sob dois pontos de vista: primeiro, o leitor proficiente, que possui uma flexibilidade de leitura. Ele não tem apenas um procedimento para chegar aonde ele quer, ele tem vários possíveis, um haverá de dar certo. Ele é capaz de reconstruir quadros complexos envolvendo personagens, eventos, ações, intenções para chegar à compreensão do texto, utilizando para tal muitas operações que não são foco de reflexão consciente. Segundo, o leitor experiente, que possui duas características básicas que tornam a sua leitura uma atividade consciente, reflexiva e intencional: primeiro ele lê porque tem algum objetivo em mente, sua leitura é realizada sabendo para que está lendo; segundo, ele compreende o que lê, o que seus olhos percebem seletivamente é interpretado, recorrendo a diversos procedimentos para tornar o texto inteligível quando não consegue compreender.
Falando sobre leitura, Trevisan (1992:111) diz que “consiste num processo de construção de sentido, cuja compreensão necessariamente vai ser influenciada por variáveis, tais como conhecimento lingüístico, conhecimento de mundo, crença, valores”.
Na leitura, há habilidades lingüísticas que têm correlações com a capacidade de ler: apreensão do tema e da estrutura global do texto, o tom, intenção e atitude do autor. Para Cardoso-Silva (1997:28), “o processo de leitura emprega uma série de estratégias (de seleção, de predição e de inferência) – amplos esquemas para obter, avaliar e utilizar informação – que são desenvolvidas pelos leitores para trabalhar com o texto a fim de que seja possível compreendê-lo e construir significados. Essas estratégias se desenvolvem e se modificam durante a leitura”. Cardoso-Silva diz ainda que “a leitura é sempre um ato, o ato da produção de sentido, que não está nem no texto nem no homem, mas na interação leitor-texto. É no ato da leitura que o sentido é produzido e o texto ganha existência para o leitor que dele se apossa”, daí que ler implica em penetrar no objeto de leitura para interagir com ele, para buscar no contexto o sentido pleno do que se lê, seja um texto escrito, um som, uma imagem, um signo.
Para Bellenger (1978:17), “a leitura se baseia no desejo. Ler é identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser um pouco clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se. É manter uma ligação através do tato, do olhar, do ouvido. As pessoas lêem com seus corpos. Ler é sair transformado de uma experiência de vida, é esperar alguma coisa. É um sinal de vida, de um apelo, uma ocasião de amar sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o desejo desaparece sob o prazer”.
Silva (1995:26) diz que “ler é um ato extremamente complexo, que necessita de sínteses interdisciplinares para ser explicado”. Já Freire (1982:42) defende a idéia de que antes da leitura da escrita deve-se exercitar a leitura de mundo, porque é ela que dá origem ao sonho por que lutamos e que vai sendo perfilado no processo da análise crítica da realidade.
Exercitando essa leitura de mundo, podemos dizer que lemos, quando decodificamos o sentido do enunciado. Lemos, quando interpretamos a mensagem contida no texto de acordo com a nossa visão de mundo. Lemos, quando trazemos a nossa história de vida para facilitar a compreensão do que o texto quer dizer. Lemos, quando somos capazes de argumentar sobre o conteúdo do que foi lido. Lemos, quando somos capazes de criar novos textos baseados nas várias leituras que fizemos ao longo da nossa vida. Lemos, quando conseguimos escutar o texto, quando “o recosturamos para abrir um meio vivo no qual possa se desdobrar o sentido”. (Lévy – 1999:63).
Dessa forma, podemos concluir que leitura é um processo sócio-histórico-cognitivo-interacional a que todos os seres humanos estão vinculados quando tentam interpretar toda e qualquer linguagem.
Ana Duarte Lenotti, Mestre em Língua Portuguesa – PUC/SP, Professora de Introdução à Semiótica e à Neurolingüística – Pedagogia; Professora de Língua Portuguesa e Coordenadora – Letras (Hoyler - VGP). E-mail: alenotti@yahoo.com.br
BIBLIOGRAFIA:
BELLENGER, Lionel. Os métodos de leitura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. Trad. de Flora Flaksman.
CARDOSO-SILVA, Emanuel. Leitura: Sentido e Intertextualidade. São Paulo: Unimarco Editora, 1997.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 1982.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes, 2000.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo, 34, 1999.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1988.
SILVA, Ezequiel Teodoro. Leitura ou “Lei-dura”? In: ABREU, Márcia (org). Leitura no Brasil: Antologia comemorativa pelo 10º COLE. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
SOARES, Magda Becker. Natureza interdisciplinar da leitura e suas implicações na metodologia do ensino. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura no Brasil: Antologia comemorativa pelo 10º COLE. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
TREVISAN, Eunice Maria Castegnaro. Leitura: Coerência e Conhecimento Prévio. Santa Maria: Ed. da UFSM, 1992.
Fonte da Imagem: (www.tecnotrekos.blogtv.com.pt)
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