EMOÇÃO E PENSAMENTO
Elaine Puntel Ribas de Aguiar
(...) Que fazer desse sentimento
que nem posso chamar de sentimento?
Estou me preparando para sofrer
Assim como os rapazes estudam para médico
ou advogado.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Resumo
Uma das condições fundamentais para estudar o desenvolvimento da pessoa é considerá-la na sua interdependência com o meio social, cultural e geográfico. A ótica dos aspectos sociais interagindo no desenvolvimento do ser é uma constante nas idéias de Henri Wallon, afirmando que o intercambio social, desde os primeiros meses de vida da criança, são relações básicas que permitem a própria existência humana.
Substract
One of the fundamental conditions for studying the development of the person is considering it in its interdependence with the social, cultural and geographic. The perspective of social interacting in the development of being is a constant in the ideas of Henri Wallon, saying that the social exchange, since the first months of life, are relationships that allow the very basic human existence.
Neste texto, de caráter ensaístico, buscamos examinar a questão essencial das relações entre emoção e razão. Colocamos como perspectiva para esta análise os estudos de Henri Wallon que observando o desenvolvimento psicológico das crianças muito novas descobriu que a emoção possui a função de ligar a criança a seu ambiente, função que subsiste durante toda a existência.
Uma das condições fundamentais para estudar o desenvolvimento da pessoa é considerá-la na sua interdependência com o meio social, cultural e geográfico. A ótica dos aspectos sociais interagindo no desenvolvimento do ser é uma constante nas idéias de Henri Wallon, afirmando que o intercambio social, desde os primeiros meses de vida da criança, são relações básicas que permitem a própria existência humana.
No princípio da vida, a criança não tem meios próprios para agir sobre o mundo, tanto por uma questão biológica, quanto social, na qual a criança recebe seu papel na estrutura coletiva de que participa, estando suas atividades sujeitas às regras do grupo. No entanto, toda essa imperícia inicial deve ser superada por algo que ligue o meio social e o orgânico, inserindo a criança ao mundo. De outro modo correr-se-ia o risco de não completar a sua existência humana.
Os desejos e necessidades iniciais da criança só serão satisfeitos com a intervenção do outro. Sua existência é profundamente vinculada à dependência do outro, o que torna o homem como um ser intrinsecamente marcado por relações sociais. Este aspecto de sujeição exclusiva que no início a criança mantém com o outro é questionado por Wallon, que indaga o quanto à criança está funcionalmente adaptada a esta situação e quais fatores psicobiológicos resultam desta adaptação.
O autor encontra resposta às suas questões no campo emocional, conferindo às emoções o papel de fazer a articulação entre o meio orgânico e o social. Por intermédio delas o bebê provoca no outro algum comportamento que tenda à satisfação dos seus desejos e necessidades: estando com fome, ele chora. É pura expressão de que necessita de algo. Seu choro excita a mãe no sentido de ter algum comportamento sobre o filho. Desse modo, o choro propicia e garante o vínculo entre mãe e filho, o primórdio das relações sociais.As emoções passam a existir como uma necessidade fundamental que lhe faz desenvolver-se, inclusive seus meios de expressão.
Sem se constituir numa linguagem, a força de expressão existente nas emoções é basicamente o que mobiliza as pessoas a alguma realização, seja de quem a expressa, seja de quem a recebe. Wallon afirma que a emoção cria uma “ambiência interindividual”. Será esta ambiência aquilo que movimenta o ser em direção à diferenciação do eu? Para se agir no espaço visível das coisas e das pessoas, instala-se antes um espaço emocional, invisível, mas claramente identificável no seio das relações. Espaço emocional que se projeta no espaço físico-social possibilitando a integração e interação humana. Dessa forma, as emoções rompem os estados estáticos e lineares do mundo das pessoas e das coisas, levando-as a um estágio diferente de dinamismo e ação. É própria das emoções a reação diante das coisas do mundo como se estas fossem pessoas e reconhecerem intenções em qualquer encontro fortuito das circunstâncias.
Além dos desejos e necessidades a criança nasce com movimentos. Inicialmente, os movimentos do bebê estão voltados por suas impressões orgânicas desencadeados por automatismos. Para que exista ação necessita-se de recurso energético. Muitas vezes as emoções aumentam as disponibilidades energéticas. Dessa forma, é possível relacionar os movimentos com as manifestações expressivas das emoções.
A possibilidade de existir uma variação energética no organismo leva as emoções a se expressarem em diferentes movimentos. A emoção modela a si mesmo, dá ao organismo uma postura, um sinal correspondente à sua manifestação. Entre emoção e ação há uma interdependência, pois se não houver recurso energético, que a emoção provoca organicamente, na haverá ação. As emoções surgem como um instrumento humano de integração e de realização antes de qualquer aprendizado.
Por essas razões, Wallon considera as emoções como origem da consciência, como ponto de partida da consciência pessoal por exprimirem e fixarem para o sujeito algumas disposições específicas de sua própria sensibilidade. O fato de o autor colocar inicialmente um componente emocional e não intelectual no campo da consciência torna sua teoria muito singular. Pois, se consciência significa a união da realidade a sua imagem inteligível e também conhecimento de uma atividade psíquica, são das emoções que procedem as atividades intelectuais.
A consciência emerge das atividades sociais, numa recepção e fusão de diferentes ações operacionais, levando a distinções necessárias ao conhecimento das coisas e de si mesmo. O conhecimento só existirá se houver grupo social. As emoções unindo os indivíduos entre si por suas ações mais orgânicas e íntimas fazem surgir às estruturas da consciência.
As emoções se originam da vida orgânica e se realizam sobre o mundo objetivo, a vida social, tendo uma característica muito peculiar de possuir forte poder de contágio, fazendo nascer reações similares ou recíprocas no outro ao redor. Além dessa particularidade, as emoções também se diferenciam pelas atitudes específicas correspondentes e assim despertam a consciência do sujeito. A indiferenciação inicial do bebê, a sociabilidade sincrética, encontra meios de se diferenciar e se conscientizar. Das diferentes emoções nascem as representações mentais que se desenvolvem em verdadeiros instrumentos sociais, originando um sistema de relações propício para o exercício do pensamento.
As emoções constituem um sistema de expressão, embora não possuem nenhuma característica de um sistema de representação ou de atividade simbólica. Chegam mesmo a reprimirem o pensamento. Há existência de um antagonismo e incompatibilidade entre a atividade emocional e a intelectual. Aquilo que havia tornado possível a integração das atitudes entre os sujeitos e também o limiar da consciência possibilitando a relação intelectual entre eles, entra, logo em seguida, em conflito e lhe deixa impossibilitado de prosseguir. A oposição entre emoção e inteligência não comporta fusão e sempre existirão como dois níveis psíquicos diferentes e que regem um sobre o outro.
No início, a emoção estabelece uma comunhão dos indivíduos entre si, uma relação com o meio humano, articulando o orgânico e o social. Ao mesmo tempo em que há uma filiação entre o orgânico e o social, nasce entre eles uma relação antagônica, necessária para retrair a sociabilidade estreita de dependência que a criança tem com o outro. Para dissociar o que é seu do que é externo a si mesmo, necessita de análise e crítica, que é um poder intelectual e não afetivo. A emoção deve se reduzir, possibilitando tanto a diferenciação do eu, como o nascimento da função simbólica. Temos um movimento contínuo e durável de oposição entre emoção e intelecto, que não se supera, apenas se controla à medida que a representação domina a emoção. Ao contrário, quando as emoções são insufladas, acabam por desorganizar as percepções, obscurecendo o raciocínio, alterando as operações intelectuais que nos levariam a uma clara noção do real.
Não obstante, jamais existirá a possibilidade das emoções se extinguirem, pois elas sempre estarão na base das relações entre os homens e as coisas. Mesmo que a sociedade exija cada vez mais, o desenvolvimento das funções intelectuais para o conhecimento e domínio do mundo, as emoções estarão em alguma parte permeando as relações.
No mundo contemporâneo podemos observar o quanto as emoções estão sob a tutela das instituições sociais que tentam exercer uma função disciplinadora, bem como um processo de autoregulação que as circunstâncias do cotidiano ocasionam sobre elas. Compreendemos que não se consegue a serenidade nos comportamentos investindo um controle intelectual sobre as emoções, porém indagamos o quanto as instituições, e em particular as escolas, estão conscientes e instrumentalizadas para trabalharem com as emoções humanas.
Muitas vezes surgem problemas nas relações interpessoais ou da pessoa consigo mesma, que imobilizam ou dificultam as atividades intelectuais, são emoções que embasam e perpetuam as diferentes atividades do sujeito por todo seu processo de desenvolvimento. Não se pode pensar somente naquelas emoções violentas e arrebatadoras, pois nem por isso corrompem mais as atividades intelectuais do sujeito. Aquela mágoa silenciosa, pensamentos fixos no passado, o pessimismo, as lamúrias...Todas emoções autenticas que precisam adquirir relevância, serem revistas e elaboradas para o desenvolvimento total da pessoa.
Elaine Puntel Ribas de Aguiar, Mestre em Educação – USP, Professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Pedagogia do Instituto Hoyler – VGP.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, CARLOS DRUMMOND. A palavra mágica: poesia. Rio de Janeiro: Record,1998. Coleção Mineiramente Drummond.
DANTAS, P.da S. Para conhecer Wallon: uma psicologia dialética. São Paulo: Brasiliense, 1983.
WALLON, HENRY. As origens do caráter na criança.São Paulo: Nova Alexandria, 1995.
WEREBE, M. J.G. e NADEL-BRULFERT, J. (Orgs.). Henry Wallon. São Paulo: Ática, 1986.
Fonte da Imagem: (http://www.br.geocities.com/)
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