Frank V. Carvalho
No mundo inteiro os preços dos alimentos estão em alta. E esta alta está provocando uma corrida para a formação de estoques, o que gera mais aumento do preço dos alimentos. Como explicar esse aumento? Fiz uma análise das questões que envolvem a crise dos alimentos e as compartilho aqui. Os preços subiram por várias razões e nenhuma delas é suficiente para atrair para si a ‘total’ responsabilidade pelo que está ocorrendo. Vamos a elas:
I. O aumento do preço do petróleo. Explicação 1. Em praticamente todos os países do globo, o preço dos combustíveis é componente essencial da formação dos preços finais dos alimentos. Os alimentos são produzidos de uma forma geral no meio rural, ou pelo menos, com um certo afastamento dos principais mercados consumidores. Alguns economistas situam o valor do transporte entre 15% e 35% - isso, já contando o seu transporte até as fábricas ‘processadoras’ e daí aos ‘distribuidores’ e, por fim, aos que colocam os alimentos diante dos consumidores. Grande parte da produção de alimentos é exportada – o aumento da distância aumenta de uma forma direta o percentual do item transporte. É claro que o transporte tem seus próprios custos, dos quais, o preço dos combustíveis é um dos principais. Explicação 2. Porque houve aumento do preço do petróleo? Historicamente, o preço do petróleo tem passado por alterações em momentos de crise. A alta atual está diretamente ligada à Guerra do Iraque, que por sua vez, está ligada à resposta dos EUA ao ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Destaque: o preço do barril do petróleo antes da Guerra do Iraque oscilava entre 20 e 25 dólares – agora já está em 120 – um recorde histórico.
II. O aumento da produção e do consumo de biocombustíveis. Explicação 1. O preço do petróleo fez com que a produção de biocombustíveis chegasse também a níveis nunca antes atingidos. E o que isso tem a ver com a atual crise dos preços dos alimentos? É certo que tem uma grande relação e, dependendo do mercado ‘produtor’, essa relação é maior ou menor. Mas é muito difícil definir precisamente qual é o percentual do aumento atual que os biocombustíveis são responsáveis. Se você considera que o aumento na produção dos biocombustíveis está diretamente ligado ao aumento no preço do petróleo, você é tentado a ver este como o culpado. Porém, essa não é uma ‘disputa de culpas’, mas uma explicação que visa a busca de soluções efetivas. Explicação 2. O Brasil é um país que investe em biocombustíveis há mais de trinta anos. Quando se olha dessa perspectiva, não se pode rotular ou culpabilizar o programa brasileiro como ‘especulativo’ ou ‘oportunista’. Contudo, no contexto atual de alta do petróleo, com os preços mais atrativos dos biocombustíveis, vários empreendedores tem procurado investir nessa área. Isso tem levado de forma direta a um aumento da área de plantio, o que, por sua vez, leva à natural diminuição do espaço de outras culturas. Isso não é um discurso ideológico – basta visitar o interior de vários estados brasileiros e ouvir o depoimento dos próprios agricultores. Para muitos deles ‘é muito mais negócio’ plantar cana-de-açúcar’ e manter contratos com as usinas produtoras de álcool combustível do que plantar outros tipos de alimento. Com menos espaço, ou, sem o aumento da produção no mesmo ritmo de crescimento populacional e econômico, os preços dos alimentos naturalmente serão inflacionados. E isso no Brasil, um país com vastas áreas ainda a serem cultivadas e com história e experiência tanto na produção agrícola de alimentos como na de biocombustíveis. Imagine agora os Estados Unidos, que tem menos terras aráveis disponíveis, mas ainda assim investem no milho como biocombustível? E a União Européia? E a África?
III. O aumento do consumo. O presidente Lula afirmou em abril (2008) que o que estava por detrás do aumento dos preços dos alimentos era o aumento do consumo pelos pobres. Sua afirmação tem o respaldo de vários economistas (Folha de SP, 30/05/08), embora não se possa dizer que apenas os pobres estão comendo mais. O crescimento da renda per capita nos países periféricos aumentou o consumo em todos os níveis e programas de redistribuição de renda permitiram que os menos privilegiados também tivessem acesso a uma alimentação de melhor qualidade. Isso se fez perceber mais notadamente no Brasil (programas de redistribuição de renda) e na China (aumento da renda per capita), mas o fenômeno é global. Claro, há exceções, especialmente entre os países africanos. Explicação 2. O aumento do consumo aciona a lei da oferta e da procura e é claro, promove uma disparada nos preços dos alimentos. Isso tem ocorrido de forma sazonal com produtos de forma isolada. Porém, no contexto atual onde vários fatores contribuem direta e indiretamente no processo, o aumento pode ser percebido em todos os alimentos, com destaque para aqueles que formam a base da alimentação de vários países (trigo, arroz, milho, etc.). Para garantir o abastecimento dos mercados internos, alguns países apostaram na restrição às exportações, o que garantiu por si só o aumento da procura e, conseqüentemente, do preço.
IV. A especulação dos investidores. Explicação 1. As bolsas mundiais tem investido cada vez mais em commodities (mercadoria em estado bruto, produto básico de importância comercial, como café, cereais, algodão, ou ainda, produtos padronizados), mas isso, tanto em investimentos estáveis, como também de forma especulativa. Esses investimentos oportunistas (especulativos) sempre estiveram presentes nas bolsas de valores. Aliás, a forma como as bolsas operam é justamente em busca de ‘janelas de oportunidades’ a fim de saírem na frente nos disputadíssimos mercados de ações. O negócio do momento são os combustíveis e alimentos – logicamente em função da alta nos preços. Isso faz aumentar ainda mais o preço das commodities primárias. Com um preço maior, o ciclo se repete em um efeito cascata ou ‘circulo vicioso’. Explicação 2. O novo relator especial da ONU para o Direito ao Alimento, Olivier De Schutter, crê que a especulação financeira na crise possa responder por até um terço do atual aumento de preços dos alimentos em um ano. Observe que, quando os Estados Unidos e a União Européia anunciaram metas ambiciosas de adicionar biocombustíveis ao combustível derivado do petróleo, o mercado especulativo voltou-se ainda mais para esse segmento e isso catapultou os preços dessas commodities ainda mais.
V. O oportunismo dos produtores e atravessadores. Explicação 1. Quando o seu produto é o mais procurado e buscado pelos consumidores, a lei da oferta e da demanda (procura) dita claramente que haverá um aumento dos preços. É óbvio que muitos preços são ‘artificialmente’ inflacionados apenas para promover ganhos ainda maiores para os que detém o poder de produzi-los ou repassá-los. Explicação 2. Até que isso seja ‘assimilado’ pelo mercado e o aumento da produção faça os preços ‘voltarem’ a patamares ‘normais’ e ‘aceitáveis’, o ‘estrago’ inflacionário já terá sido feito.
Com base em tudo isso que foi exposto, acredito que os preços devem continuar elevados por vários anos. Novos investimentos na produção de alimentos visarão basicamente duas frentes, não necessariamente contraditórias: aumentar a produção para garantir o acesso da população à uma necessidade humana tão vital, e; aproveitar o aumento dos preços para produzir e vender os produtos primários mais procurados (na área alimentar), e com isso, garantir bons dividendos. Para os consumidores não há opções fáceis – o caminho é fazer um uso mais racional do dinheiro na hora de fazer as compras: substituir na medida do possível os alimentos mais caros por aqueles mais baratos (e nutritivos).