sábado, 4 de maio de 2013

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo X - Colômbia

CAPÍTULO XI

COLÔMBIA

"Não sei bem os caminhos pelos quais Deus guia, mas eu conheço bem o Guia". M. Lutero

            Passamos a ponte internacional de Rumichaca e sentimos uma tremenda diferença desta nova fronteira para a anterior. Bem organizado e com prédios novos, o posto de fronteira da Colômbia com o Equador fez-nos sentir em um país moderno e eficiente. Deram-nos rapidamente o visto e nos disseram que podíamos passar a noite em Ipiales. No dia seguinte teríamos de procurar a polícia aduaneira em Ipiales e apresentar os documentos para a liberação do veículo. Trocamos cem dólares por cerca de oitenta e cinco mil "pesos oro" e entramos na cidade. Procuramos com calma um hotel e uma garagem segura para o carro. Pagamos quatro dólares pelo hotel e fomos passear à noite pela cidade a procura de um lugar para comer. Encontramos um bom restaurante e comemos um bife com batatas. Voltando para o hotel estávamos felizes por podermos dormir em camas, pois desde Lima só dormíamos no carro. Felizes também por que poderíamos viajar sozinhos na Colômbia, sem nenhum policial conosco.
            Íamos dormir um sono reparador, quando o Binho resolveu conectar o recarregador da bateria do vídeo na tomada. Como ele não conseguia, resolveu desparafusar a tomada e conectar diretamente nos fios. Na hora de fazer a conexão, ele, com uma faca especial, tipo rambo, resolveu separar os fios um pouquinho mais e bum!!!??!! tudo escuro. O Márcio, que estuda engenharia elétrica falou:
            - Eu te falei que a mãe desse cara batia nele com tamanco!
            Demos gargalhadas no escuro, mas sentimos o compromisso de consertar o mal feito. Descendo pelas escadas do hotel, percebemos que só o nosso andar, o 4º, é que estava no escuro. Conversando com o recepcionista, ele nos disse que escutou um barulho e foi verificar o controle geral de eletricidade na portaria. Não viu nada. Mas junto conosco ele olhou novamente e viu que o fusível referente ao quarto andar estava queimado. O Márcio se ofereceu para consertar e em dez minutos o serviço estava pronto.
            Ainda saímos pela cidade para passear um pouco. Fazia muito frio e conversando com as pessoas na rua ficamos sabendo que aquela cidade estava encravada nos Andes a mais de três mil metros de altitude. Com cerca de cem mil habitantes e vários atrativos turísticos, Ipiales é a porta do sul da Colômbia.
            Quando amanheceu o 25º dia da nossa viagem fomos rapidamente arrumar as malas no carro. Enquanto guardávamos as bagagens, o Márcio percebeu que sua jaqueta forrada de lã havia desaparecido. Ele ficou muito chateado e por mais que a procurássemos não a encontramos.
            Fui então até a Aduana apresentar a documentação do veículo. Em vinte minutos já estávamos liberados para seguir rumo a Bogotá. Resolvemos após enviar alguns postais e comprar um mapa conhecer o principal ponto turístico da cidade: O Santuário de Las Lajas. Esta catedral é um atrativo turístico e religioso por excelência. Construída sobre um abismo, esta igreja atrai católicos de todas as partes. São atribuídas a Nossa Senhora de Las Lajas vários milagres e os fiéis colocam nos muros placas de agradecimento à santa.
            Deixamos Ipiales já com uma boa impressão do que seria a Colômbia. Logo na saída fiquei relembrando os meus dias de pesquisa nos atlas e mapas seis meses antes. Recordava-me de haver colocado aquela cidade no roteiro e que, de acordo com o mapa, a viagem seria sobre a cordilheira dos Andes. Viajaríamos sobre a montanha desde Quito no Equador, até Cúcuta, na fronteira Colômbia-Venezuela.
            Naquele lugar fiquei pensando como este mundo é tão grande e ao mesmo tempo tão pequeno. Enquanto vivemos a nossa vida corrida e agitada em São Paulo e nem sabemos que existe uma cidadezinha chamada Ipiales, eles seguem a sua rotina e vão vivendo também, independente de nós. Mas ao mesmo tempo vivemos em função uns dos outros. Os que plantam, colhem para si e para outros; os que produzem, produzem para os que compram e fazem com que a economia complete o círculo de produção e consumo; os que compõem músicas, fazem-no para que outros desfrutem as belezas dos sons; os que escrevem livros,
partilham sua experiência e visão do mundo com os seus leitores... Enquanto eu refletia sobre isto, a estrada era um sobe e desce sem fim. Às vezes descíamos até oito ou dez quilômetros de uma só vez. Em contrapartida a subida que vinha em seguida era de quase fundir o motor. Com a estrada muito sinuosa e ladeada por abismos, tínhamos que conduzir numa média de setenta por hora.
            Quando entramos no departamento de Cauca, próximos a cidade de Patía, tivemos o segundo furo de pneu da viagem. Aproveitamos a parada obrigatória para observar os despenhadeiros profundos que estavam ali ao lado da estrada. A estrada era de um bom asfalto e bem sinalizada. Mas começamos a perceber que isto tinha um preço: a cada oitenta quilômetros encontrávamos um posto de pedágio. Analisando um pouco melhor esta situação concordamos que era melhor pagar pedágio e andar em boas estradas do que não ter pedágio e andar por um caminho da roça.
            Embora estivéssemos em uma região tropical, a cordilheira dos Andes marcava os seus efeitos: nas altas montanhas das regiões de baixas latitudes, ou seja, na zona intertropical ou tropical, pode-se observar a influência da altitude e, por conseguinte, do clima sobre as formações vegetais.
            A temperatura do ar atmosférico diminui à medida que aumenta a latitude. Assim, mesmo situada na região tropical, uma montanha alta apresenta, em vista das suas diferentes altitudes, vários andares ou faixas de vegetação. Cada andar ou faixa tem um tipo de clima, e a cada tipo de clima correspondente um tipo de formação vegetal.
            A cordilheira dos Andes enquadra-se nesse caso:
            * de 0 a 600 metros, são encontradas palmeiras representando o clima e a floresta tropical;
            * de 600 a 1.200 metros, encontram-se florestas de folhas caducas, ou seja, florestas que perdem as folhas no inverno e que são características do clima subtropical;
            * de 1.200 a 2.400 metros, a vegetação, representada pelos pinheirais e é chamada floresta de coníferas, o clima é temperado;
            * de 2.400 a 3.000 metros, surgem pinheirais e os campos, vegetação que corresponde ao clima frio;
            * acima de 3.000 metros, dominam as neves eternas, e o clima é polar.
            A Colômbia então nos presenteava com os belos Andes. Como na maioria, as montanhas daquela região não são muito altas, uma boa parte delas são cultivadas. Era interessante e agradável ver os Andes recortadinhos, cheios de plantações variadas. A base da economia deste país, que homenageou com seu nome o descobridor do continente, é a agricultura. A maior parte dos alimentos que eles produzem são para exportação. Também são grandes exportadores de café.
            A Colômbia tem ainda o privilégio de ser banhada pelo Atlântico e pelo Pacífico, além de ter a ligação por terra com a América Central. Esta ligação por terra não resultou em estradas, pois na fronteira entre a Colômbia e o Panamá existe uma região pantanosa e de montanhas. O custo da construção de estradas por este local seria altíssimo, o que é inviável para os dois países e parece não ser do interesse dos países ricos. Assim, o estreito de Darién, que tem apenas cento e cinquenta quilômetros em linha reta, separa a Colômbia do Panamá e da região do canal, por onde passa grande parte do comércio mundial. É o único trecho interrompido da mais extensa estrada de rodagem do mundo - a Rodovia Panamericana. Ela tem início no noroeste do Alasca, extremo norte das Américas, passa pelo Canadá, Estados Unidos, México, toda a América Central (continental), continua na Colômbia, Equador, Peru, Chile, Vira em direção a leste, a Buenos Aires e sobe para  o norte, terminando em Brasília. Possui mais de 24.140 quilômetros de comprimento.
            O único trecho incompleto, o desfiladeiro de Darién, foi atravessado totalmente por terra por Loren Lee Upton e Paricia Mercur com um jeep, modelo 1966. A jornada foi iniciada em Yaviza, no Panamá, no dia 22 de fevereiro de 1985 e concluída dois anos e onze dias depois, a 4 de março de 1987 em Riosucio na Colômbia. Antes delas o LandRover "La cucaracha carinosa" (A barata carinhosa) da expedição trans-Darién, com os pilotos Richard Bevir (Inglaterra) e Terence John Whitfield (Austrália) fizeram a travessia. Também partiram do Panamá, só que da cidade de Chepo, a 3 de fevereiro de 1960 e atingiram Quibdó na Colômbia, a 17 de junho daquele mesmo ano. Em meio a indescritíveis dificuldades eles conseguiram fazer uma média de duzentos metros por hora. Dessas duas experiências tira-se uma base de como é difícil este caminho.

            Na nossa jornada nós seguiríamos para o nordeste da Colômbia, pois o nosso alvo era a Venezuela. O nosso caminho era mais fácil que o desfiladeiro de Darién, mas com certeza, o mais cansativo da nossa viagem. O fato de viajarmos todo o tempo sobre altas montanhas e por estradas com muitas curvas, subidas e descidas, gerava uma tensão e um cansaço muito grande. Jantamos em Popayan e seguimos rumo a Cali. Um erro na leitura das placas próximo a Cali nos fez andar quase cem quilômetros a mais. Meio perdidos, às onze da noite, usamos até a bússola para conferir que rumo deveríamos seguir de acordo com o mapa.
            Quando passamos por Armênia, começamos a sentir um problema com a bateria. Demos uma bronca no Binho por causa do seu costume de deixar os faróis acesos. Mas coitado, a culpa era mesmo da velha bateria que já dava sinais de cansaço. O trecho entre Armênia e Ibague, no caminho para Bogotá é uma travessia de altas montanhas na cordilheira. A coisa começou a ficar feia. Os faróis apagaram e a carga ficou quase no fim. Se desligássemos o carro, ele não pegaria mais. No alto daquelas montanhas numa temperatura na casa de 2 ou 3 graus positivos, tivemos que parar para desligar as luzes de freio, pois elas "roubavam" o restinho de carga que havia. Finalmente começou a descida, mas o motor dava umas explosões violentas. O Márcio, nosso mecânico-chefe explicou:
            - Nesta altitude, com o ar rarefeito, a mistura ar-combustível fica muito alterada. A mistura fica muito rica em combustível e aí tem lugar estas explosões!
            Explicações a parte, a nossa situação estava muito complicada. O céu coberto de nuvens, a estrada completamente escura e um monte de precipícios ao nosso lado. O Márcio pegou a lanterna e abriu o vidro. Iluminava a estrada com aquela luz fraquinha. Quase batemos mais de uma vez com os poucos carros que surgiam em sentido contrário.  Não dava para enxergar quase nada e todos estávamos temerosos. Do banco traseiro eu pedia a Deus que nos ajudasse a sair daquela situação. Neste momento seguíamos a frente de um carro que tentava nos ultrapassar. Aproveitando a iluminação dos faróis dele, seguimos à sua frente. Percebendo a nossa situação, ele nos ultrapassou e sinalizou para pararmos. Era um motorista de táxi que ia para as proximidades de Bogotá e ofereceu sua ajuda. Prontamente aceitamos e aquele bom homem reduziu a sua velocidade para que pudéssemos segui-lo de perto. Chegamos em Ibague e despedimo-nos daquele homem, que com certeza nunca mais o veríamos.
            Mas, mal saímos de Ibague, o carro morreu. Com muita dificuldade conseguimos fazê-lo pegar de novo. Seguimos até uma cidadezinha chamada Melgar. Ali levamos a bateria para recarregar e compramos "recuerdos" (lembranças), pois já havia amanhecido. Caminhando pelas ruas começamos a perceber uma semelhança entre esta e as outras cidades colombianas que havíamos parado - muitas mulheres bonitas. Para dizer a verdade, não nos lembramos de haver visto mulheres feias nessa terra de  montanhas.
            Com a bateria recarregada seguimos para Bogotá. Finalmente chegamos na capital do país. Enfrentamos um pouco do trânsito urbano e decidimos almoçar em algum restaurante na estrada.
            A nossa campanha ecológica a nível de escolas havia acabado no Equador. A Colômbia e a Venezuela seguem o calendário do hemisfério norte, com as férias começando em junho e se estendendo até agosto. E também não havíamos conseguido estabelecer nenhum contato a nível educacional nestes países. Mas continuamos a falar de ecologia com várias pessoas.
            Almoçamos numa churrascaria na saída de Santa Fé de Bogotá (este é o nome da capital). O dono desta churrascaria é um ator que já esteve diversas vezes no Brasil. Nas paredes, posters de paisagens brasileiras e de Gal Costa, Chico Buarque, Toquinho e outros artistas do Brasil. Percebe-se que ele é super fã do Brasil. Esta, aliás é uma tônica na América do Sul. O Brasil é visto como um país especial. Todos consideram o Brasil  uma potência, mesmo os argentinos. Respeitam e consideram o Brasil, embora os países da orla do pacífico ainda achem que nosso país tem desejos expansionistas e que sonha em ter terras banhadas por aquele oceano.
            Pegamos a estrada para Tunja e depois para Bucaramanga. Neste trecho as curvas eram muito acentuadas. Num dado momento, lá pela meia noite o Márcio pegou a direção. Era numa subida e ele conduziu por cerca de uma hora e meia e ainda estávamos na mesma subida. Já meio fora de si, o Márcio parou o carro e saiu caminhando pela estrada. Coitado, teve um colapso nervoso em virtude da tensão e ansiedade geradas pela dificuldade do percurso. Mas tudo bem. Voltou pro carro e guiou mais meia hora. Quando me passou a direção estávamos na mesma subida. Só depois de eu conduzir por cerca de uma hora, teve início a descida.
            Lá pelas cinco da manhã chegamos a Cúcuta, sentimos um alívio porque não veríamos mais tantos pedágios (passamos por 18 pedágios em 1500 quilômetros). Dormimos um pouco até a fronteira abrir. O Binho tentou dormir no relento, mas o vento forte o fez vir depois para o carro. Ali em Cúcuta vimos a grande dificuldade para se conseguir um visto para a Venezuela. Como a Venezuela é um país rico, em se tratando de produção petrolífera e também é mais desenvolvido que a Colômbia, parece haver um movimento de migração muito forte que as autoridades venezuelanas tentam impedir. Uma das medidas é o custo do visto. Custa trinta dólares a entrada na Venezuela para os colombianos e a autorização do visto pode demorar semanas.
            Como estávamos no lado Colombiano da fronteira também teríamos de pagar trinta dólares cada um. Só que não podíamos esperar dias ou semanas até sair o visto. Percebendo a nossa situação, um padre colombiano, o Sr. Jesus Vera Monjalve, ofereceu-nos ajuda. Indicou-nos com quem deveríamos falar e acompanhou-nos até  Banco para pagarmos a taxa do visto. Felizmente tudo deu certo e o visto saiu no mesmo dia.
            O Pe. Jesus Monjalve tornou-se um amigo nosso em pouco tempo. Deu-nos o endereço de sua paróquia em Bogotá e  o seu Código de radioamador. Enquanto aguardávamos a entrega dos passaportes ele se interessou em saber o nosso ponto de vista sobre ecologia.
            Eu lhe expliquei que estudar ecologia exige estudos, reflexões, leituras sobre ecossistemas, destruição do meio ambiente, poluição atmosférica, poluição das águas, poluição sonora, etc. É muito bom também conversar com pessoas que tenham formação em ciências da natureza (Biologia, Química, Ecologia, etc.). Só assim, uma pessoa pode formar uma ideia abrangente e mais séria de Ecologia.
            Ecologia, que vem do grego OIKOS, que significa casa, e LOGOS, que significa estudo, diz respeito ao estudo dos ecossistemas. Quando existe harmonia no ambiente inanimado (ar, água e solo) e os seres vivos que habitam este ambiente, podemos dizer que há um equilíbrio ecológico. Mas devido à imprevidência no uso dos recursos da natureza, à ganância de obter maiores lucros ou mesmo pela ignorância quanto à necessidade de preservação do meio ambiente, o homem está promovendo um desequilíbrio ecológico cada vez mais acentuado.
            Entretanto ecologia não é somente uma questão relativa à natureza. É principalmente uma questão econômica, política e cultural, porque o homem age na natureza segundo os padrões ou costumes (econômicos, políticos e culturais) criados por ele mesmo, ou seja, segundo o tipo de civilização que criou.
            Nossa civilização preocupa-se em transformar a natureza e seus recursos (solo, vegetação, rios, ar etc.) em mercadorias, para deles obter lucro. Em vista disso, intensificou-se a exploração da natureza, com a consequente destruição do meio ambiente.
            A sociedade de consumo interpreta a natureza e seus recursos não como fonte de vida, mas apenas com fonte de lucro. Este desequilíbrio na natureza se reflete no desequilíbrio da sociedade e vice-versa: miséria, pobreza, fome, desnutrição, violência, injustiças na distribuição da renda ou da riqueza etc., e; na natureza, desequilíbrio ecológico, destruição de ecossistemas, destruição do solo, morte e até mesmo extinção de animais, peixes e insetos, poluição das águas, poluição do ar etc.
            Após ouvir o nosso ponto de vista, o Pe. Monjalve disse que o seu país sofre de alguns efeitos destes desequilíbrio e que ele gostaria de receber materiais sobre ecologia.

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