sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo II

CAPÍTULO II

A PARTIDA

"Não ande pelo caminho traçado, por que ele só conduz até onde outros chegaram". 

Girei a chave e liguei o carro. Partimos. Começava ali a maior aventura de nossas vidas. Vagarosamente o carro começava a deixar a cidade de São Paulo. Corações agradecidos aos amigos e a Deus, nós conseguimos vencer o mais temido inimigo de qualquer viagem: o ‘partir’. Antes da partida tudo era planejamento. Agora não. A viagem era uma certeza. Uma certeza que começávamos a escrever nas páginas em branco de um diário.

Para algumas pessoas, como a minha sogra, nós éramos uns aventureiros. Para outros, como meu sogro, nós éramos visionários que realizam os sonhos de todos.

Para alguns a definição de aventureiro pode parecer depreciadora. Mas para nós não. Aventura para nós é qualquer atividade humana que envolve riscos. Você corre riscos ao viajar. Também corre riscos ao atravessar uma rua. Assim, para nós, a vida é uma aventura. Uma grande aventura que merece ser intensamente desfrutada. Entretanto, o sucesso nas aventuras depende em muito do seu preparo e de um planejamento adequado. Estávamos cientes destes dois detalhes e partimos prontos para o que quer que viesse pela frente.

Uma história de planejamento e organização foi a do tenente James Cook, que partiu para uma volta ao mundo, levando um navio britânico com 95 pessoas: 11 passageiros e 83 tripulantes. Os tempos eram difíceis e esperava se que setenta por cento ou mais da tripulação do Endeavour(Diligência) morresse pelo caminho. A maioria de escorbuto e outros pelos perigos da viagem.

Cook impôs severas normas de saúde a bordo. O navio deveria estar sempre limpo e todos deveriam fazer uso do suprimento de frutas e verduras frescas. Deveriam tomar suco de limão e tomar o leite da cabra que ia a bordo.

Após três anos e meio de viagem dando a volta ao mundo e explorando o Taiti, a Nova Zelândia e a Austrália, eles voltaram para casa com 56 homens. Compare isto com a viagem de Fernão de Magalhães. Ele partiu com cinco navios e 277 homens. Apenas um navio com 18 homens voltou à Espanha. A proporção dos sobreviventes foi de seis para cada 100. Na expedição de Cook 60 por cento sobreviveram, uma proporção dez vezes mais elevada. Aqui está bem clara a diferença que faz o preparo e o planejamento contra o arrojo aliado ao despreparo e à desorganização.

No início de junho começamos os últimos preparativos. Reunimo nos, o Márcio, o Rubem e eu decididos a realizar o Projeto América do Sul, mesmo que o custo fosse alto para nós.

O que temos? Perguntei.

- Temos o patrocínio da Golden Cross e da Superbom Produtos Alimentícios! Respondeu prontamente o Rubem.

Podemos conseguir mais, embora tenhamos pouco tempo! emendou o Márcio. E de fato, ainda somou se ao patrocínio a Flanai Seguros e tivemos o apoio da Ézer Amâncio da Apolinário Sports.

A contagem regressiva para o dia da partida avançava rapidamente e nos deixava preocupados.

Lançar na estrada um Opala Comodoro 83, para percorrer mais de 20.000 quilômetros em pouco mais de um mês, parecia arriscado. Mas a máquina estava em ótimo estado e além disso, tínhamos dois mecânicos na equipe. A proximidade do dia da partida nos deixava eufóricos e animados.

Afinal, foram muitos dias de pesquisa nos melhores mapas e enciclopédias disponíveis no país, a fim de escolhermos melhores rotas, os melhores caminhos; consulta a literaturas especializadas, tanto em revistas como em livros para verificarmos os diferentes procedimentos com o carro nas diferentes situações que iríamos enfrentar. Fizemos também estudos sobre as condições de clima e de relevo; das peculiaridades de cada um dos países a serem visitados; dos trâmites fronteiriços; dos instrumentos e ferramentas indispensáveis; dos pontos de parada e descanso e de todos os custos. Tudo foi analisado. Os objetivos foram repensados. Praticamente tudo estava pronto para a partida.

Na última semana minha esposa viajou para o Peru. Despedimo-nos no aeroporto na certeza de que nos encontraríamos em Lima umas três semanas mais tarde.
O Binho filmou meu reencontro com minha esposa
e meus filhos, já no Peru.

Seguimos para a perigosa BR 116. Antes porém, paramos para colar alguns adesivos no carro, que o Ézer nos deu juntamente com algumas camisetas. Pegamos um aparelho de som (rádio toca-fitas) com a Berenice Cunha, uma amiga de trabalho, e ainda encontramos em Itapecerica da Serra o Jairo Batista, com o qual trabalhei durante anos e que nos orientou sobre alguns procedimentos na Argentina e no Chile.

Estrada: Até que enfim. Estabelecemos o limite de 100 Km/h de média de velocidade. O carro podia ir muito mais rápido, mas nós só tínhamos um pouco mais de 20.000 Km pela frente. - Émelhor poupar o equipamento; falou o Márcio, o mais precavido do grupo.

Fizemos a primeira parada. Na televisão do Petropen vimos o Brasil dominar o jogo contra a Argentina. Mas gol, que é bom, nada. Depois ficamos sabendo que a Argentina venceu.

Avançávamos bem, a despeito das condições da BR 116. A estrada da morte estava mansinha naquele dia. Só vimos dois acidentes graves. Em virtude da grande distância que iríamos percorrer, era previsível que encontrássemos estradas muito piores do que aquela BR.

A sucessão contínua de montanhas cobertas com muito verde era às vezes cortada por um pequeno povoado ou uma cidade. A terra dos bandeirantes já nos estava oferecendo suas últimas cenas. Entramos no Paraná e logo chegamos a Curitiba. Orgulho dos paranaenses, essa cidade é o que o Brasil possui de melhor em termos de uma metrópole. Arborizada, ruas limpas, transporte coletivo eficiente. Tchau, Curitiba!

O sol começava a se pôr quando entramos em Santa Catarina pela BR 101. Seguimos por Joinville, Itajaí, Criciúma e chegamos à terra dos gaúchos. Seguindo animados pela estrada, nem percebi uma rotatória à frente. De repente, vi crescendo diante de nós uma calçada arredondada com alguns postes de iluminação. Reduzi bruscamente a velocidade e desviei, fazendo o contorno a quase 80 por hora. Passamos a centímetros da calçada. Pensei comigo: tenho que ser mais cuidadoso. Paramos em Taquara às quatro da manhã e nos hospedamos na casa dos primos do Rubem.

Cedo, no 2º dia, fomos para o IACS, onde divulgamos primeiro a campanha ecológica. O Diretor nos presenteou um tanque de gasolina e seguimos para Porto Alegre, onde o SELS também nos deu um tanque de gasolina e camisetas.

Fomos à TV GUAÍBA e apresentamos o nosso projeto. Entrevistaram-nos ao vivo e pudemos lançar a nossa campanha ali também.

Seguimos para Santana do Livramento. No caminho, paramos em Arroyo dos Ratos e almoçamos na casa de uma amiga do Márcio. O "Binho" trancou o carro com a chave dentro, mas com um arame e com um "jeitinho brasileiro" logo o abrimos.

Agora tínhamos ao lado da estrada outra paisagem - os pampas gaúchos. Extensas planícies, poucas vezes interrompidas por suaves colinas. A vegetação é mais baixa, mas abundante. Muito gado e plantações no caminho para a fronteira com o Uruguai. A chuva começou a cair e o frio a aumentar. Começava ali a nossa despedida do Brasil.

Chegamos a Santana do Livramento às dez da noite e logo cruzamos a fronteira, que ali é apenas uma avenida que divide a cidade ao meio. Fomos diretamente para a casa da dona Helena, a avó do Rubem, que vive em Rivera. Ela nos recebeu como se estivéssemos em nossa própria casa.

O inverno começava a falar mais alto e rapidamente as grossas blusas de lã passaram a ser o nosso agasalho permanente.

Naquela noite, nossos pensamentos se voltaram para o continente sul-americano que começava a se descortinar perante nós. No dia seguinte estaríamos oficialmente fora do Brasil.

IACS - Instituto Adventista Cruzeiro do Sul
SELS - Serviço Educacional Lar e Saúde







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