CAPÍTULO
X
EQUADOR
"Toda
sociedade que bane os reformadores e privilegia os conformistas jamais
prosperará."
A passagem de Zarumilla, última
cidade do Peru, para Huaquillas no Equador parecia uma cena dos filmes de
Indiana Jones. Grande parte do transporte de materiais e cargas era feito a pé,
nas costas de animais ou no braço mesmo. E havia tanta gente que o nosso carro
devia estar avançando a um quilômetro
por hora. Paramos diversas vezes esperando que algum pedestre pacientemente
desse licença. Finalmente chegamos ao posto de Polícia de Fronteira. Como não
houve burocracia e nem demoras na nossa despedida do Peru, pensamos que seria
bem rápida a nossa passagem pela aduana do Equador. Grande engano.
Às 8:30h da
manhã, três horas a menos que o horário de Brasília, apresentamos nossos
passaportes para a obtenção do visto. Enquanto aguardávamos, apresentamos a
documentação do carro para as autoridades competentes. Mas eles se recusaram a
receber. Disseram que todo o trâmite deveria ser feito através de despachantes.
Saímos pelas ruas apinhadas de gente à procura de um. O que encontramos queria
oitenta dólares só de comissão, fora os cinquenta que são taxas do governo. De
jeito nenhum. Fui novamente até o posto o policial e procurei me informar sobre
quem era o chefe. Mostraram-me um senhor claro, aparentando uns trinta e cinco
anos, cabelos escuros, correntes no pescoço e pulseiras nos braços. Esperei
cerca de uma hora para falar com ele. Neste ínterim o Márcio e o Binho saíram
para comprar postais, e um mapa do país, e se possível, alguma lembrancinha.
Quando consegui falar com o chefe expliquei-lhe que não tínhamos dinheiro
sobrando para dar aos despachantes. Ele entendeu a situação e disse que nos
atenderia. Só que iria demorar um pouquinho. Lá pelas duas da tarde, com a
minha paciência por um fio, vi sair o chefe da polícia da fronteira e me
entregaram um papel.
- Você vai ter que ir até o posto
Central de Serviço da Guarda Aduaneira,
entregar este documento e trazer a outra via carimbada. Saímos felizes pensando
que já havia acabado aquela chateação. Cerca de dez quilômetros adiante
chegamos a Aduana Central. Lá nos informaram sobre outra taxa de sessenta e
cinco mil sucres (cerca de 35 dólares). Pensamos que era enrolação, mas era
taxa mesmo. Voltamos para a fronteira com o Peru, entregamos o documento e
esperamos mais um pouco.
- Como vocês vão atravessar o país
seguindo em direção à Colômbia, vocês têm apenas 24 horas para isto. Se passarem
um minuto terão de pagar uma taxa extra! - Disse o chefe da fronteira.
- Muito obrigado! - Respondi.
- Tem mais um detalhe, completou
ele. Na guarda Aduaneira vocês vão pegar um policial que viajará junto com
vocês até a fronteira com a Colômbia!
- É, já sabemos!
- E vocês são responsáveis pela
estadia dele em hotel e alimentação durante o trajeto! Disse isto e me entregou
o documento que iríamos carregar no Equador: Um papel oficial do governo com
quatorze carimbos e onze assinaturas. Oito horas após havermos entregue os
passaportes fomos liberados para entrar e atravessar o território equatoriano.
Quando entramos no Equador, em nosso
23º dia de viagem, 19 de julho, já havíamos percorrido 14.704 quilômetros desde
a nossa saída de São Paulo. E sabíamos que teríamos muitos quilômetros pela
frente.
Paramos na polícia aduaneira e o
policial Francisco entrou no nosso carro. Chateados com a enorme burocracia e
a grande demora das autoridades de fronteira e as diversas taxas, decidimos
jejuar no Equador. Afinal seriam apenas 24 horas. O policial que nos
desculpasse, mas se nós não comêssemos, não seríamos obrigados a comprar nada
para ele.
O Equador é um país pequeno, de um
povo muito simpático. É claro que a burocracia reina ali e as autoridades
parecem não querer mostrar muito serviço. Até poucos anos atrás viviam em
pé-de-guerra com o Peru, por causa de regiões fronteiriças. Por falar em
fronteira, a influência do deserto de Sechura que domina o norte do Peru
termina bem na fronteira. Desde Huaquillas, o que vimos foi muita vegetação e
matas tropicais. Supõe-se que o Equador ocidental já tenha possuído entre 8 mil
e 10 mil espécies vegetais, sendo de 40 a 60% endêmicas (que existem somente no
lugar). Considerando-se que em áreas semelhantes existem de dez a trinta
espécies animais para cada espécie vegetal, o Equador ocidental deve ter
possuído cerca de 200 mil espécies animais. Desde 1960, quase todas as
florestas da região foram destruídas para ceder lugar a plantações de banana,
poços de petróleo e assentamentos humanos. É difícil avaliar o número de
espécies que desapareceram por causa disso, mas podem ter sido 50 mil ou mais -
e em apenas 25 anos.
Fazia calor enquanto seguíamos pela
estrada de bom asfalto, mas mal sinalizada. Um pouco antes do pôr-do-sol,
parece que para relembrar o que havia ocorrido 24 horas antes, íamos a uns
noventa por hora, quando de repente surge uma placa de desvio. Uma placa só, a
apenas uns cinco metros da ponte quebrada. Reduzi e segui a direção que a placa
indicava. Passamos por uma buraqueira e quase quebramos a suspensão. Um pouco
mais à frente, um caminhão, ultrapassando em sentido contrário sobre uma ponte,
um caminhão quase nos prensou contra a mureta de proteção. De nada adiantou
buzinar e gritar. Ali é a lei do mais forte. E só.
Anoiteceu e sentado no banco de
trás, peguei um panetone que havíamos ganho na Universidade Union Incaica, no
Peru. Abri o pacote e com a mão arranquei um pedaço do Panetone. Ofereci para o
Márcio. Dei um outro pedaço pro Binho. Peguei um prá mim e perguntei para o
policial:
- Aceita?
Ele apenas meneou a cabeça
positivamente e num gesto rápido pegou o pedaço da minha mão e o levou à boca.
Estava faminto. Comemos aquele panetone a seco, dando gargalhadas por dentro.
Pobre Francisco. Chegava sair lágrimas dos olhos do coitado de tão seco que
estava o panetone.
Um pouco antes de Naranjal, paramos
em um posto fiscal e apresentamos a documentação. Tudo em ordem. Mas, próximo a
Quevedo, lá pelas 10:30h da noite, fomos parados por um pelotão da polícia.
Pela idade e pelo jeito como agiam, percebemos que eram todos novatos e que
deviam estar em treinamento. Quase nos arrancaram do carro. O Francisco tentou
explicar quem éramos e o que fazíamos. Em vão. Nem ligaram para as palavras
dele. Revistaram-no completamente e a sua bolsa também. Revistaram a cada um de
nós e eu pedi para o Márcio e o Binho ficarem espertos, pois eu imaginava que
alguma coisa nossa poderia desaparecer. Um dos policiais me mandou ir para trás
do veículo e encostar as mão no carro.
- Eu já fui revistado!
- Para trás, para trás! repetia o
policial.
Encostei as mãos no carro e senti um
chute na altura do meu tornozelo. Virei-me e escutei o policial:
- Você não sabe ficar em posição de
revista?
- Não sou policial e não tenho
obrigação nenhuma de saber posição de revista! - Falei já meio bravo!
- Vire-se! E iniciou a revista após
toda aquela "encenação", onde servimos de cobaias. Entramos no carro
muito irritados. Eles não haviam considerado nem o próprio Francisco.
Finalmente, após mais uma hora
chegamos a Santo Domingo de Los Colorados. Procuramos pelo CADE e encontramos o colégio por volta da meia
noite. O porteiro cochilava quando o despertamos e pedimos para que chamasse o
diretor. Ele nos levou até a casa do Sr. Hector Palacios, o qual gentilmente
nos acolheu. Ficou muito feliz em nos receber, pois já havia sido comunicado em
uma das nossas cartas preparatórias. Esvaziou a sua geladeira e nos deu vários
alimentos. Providenciou um quarto no internato dos rapazes para que
dormíssemos. Tratou-nos tão bem, naquela hora tão inoportuna, que começamos até
a esquecer os aborrecimentos que tivemos até aquele momento no Equador. Lá pela
uma da manhã encontramos o preceptor, que nos encaminhou até o nosso quarto.
Fomos ao banheiro tomar banho e ele ficou no quarto batendo papo com o Binho.
Um pouco antes de dormir o Binho me perguntou:
- Você sabia que este cara já foi
namorado da sua esposa?
- É, eu sabia! Este mundo é de fato
muito pequeno. Só estou de passagem por este canto do mundo e vou encontrar
justo com o ex-namorado da minha esposa! - Respondi.
- Ele disse que só não casou porque
o seu sogro não deixou!
- Sei disso não: Está parecendo que
são palavras de quem ainda sofre uma paixão perdida! Falei já quase dormindo.
Cedo, no dia seguinte, fomos
conhecer o colégio e falar sobre o nosso Projeto com o diretor. Neste meio
tempo encontramos duas brasileiras. Uma casada com um equatoriano, o engenheiro
agrônomo da escola. A outra era uma colega minha do curso de Pedagogia que
estava passando uma temporada no Equador. Ambas estavam muito felizes de
encontrar seus patrícios. O diretor, dentro do clima de cordialidade decidiu
nos dar trinta e cinco dólares para amenizar um pouco as nossas despesas
naquele país. Após abraços e despedidas seguimos para Quito.
Santo Domingo fica a apenas 130
quilômetros de Quito. Mas enquanto a primeira está a uma altitude média de 400
metros, a capital do país está a mais de três mil metros de altitude. Assim
este trecho foi uma grande subida. O Francisco, que era o nosso guia, errou nas
informações e passamos apenas pelos subúrbios de Quito e não dentro da cidade,
como era o nosso plano. Retornar significaria uns setenta quilômetros a mais.
Deixamos esta visita para uma outra oportunidade. Enquanto avançávamos para a
fronteira com a Colômbia avistamos vários picos de montanhas cobertos de neve:
O Corazon (4.786 metros), o Pichincha (4.794 metros) e o Cayambe (5.790). O
Cotopaxi, que é o mais alto do país (5.897 metros), avistamos de muito longe, sob
a indicação do Francisco, um pouco antes de chegarmos a Quito.
Ainda na estrada verificamos em
nosso mapa que apenas alguns quilômetros ao norte de Quito e já estaríamos no
hemisfério norte. O marco desta passagem estava ao lado da estrada.
Chegamos em Tulcan às 16:30h,
exatamente 24 horas depois de entrarmos oficialmente no Equador. Com boa
vontade o Francisco tomou a frente e após quarenta minutos de burocracia fomos
liberados. A sra. reponsável pela liberação dos veículos alegava que era
feriado na Colômbia e que nem adiantava irmos naquele dia. Mas cedeu e assinou
a papelada. Despedimo-nos do Francisco, que com seu jeito calado, mas amigo,
conquistou a nossa simpatia.
CADE - Colegio Adventista del Ecuador
Nenhum comentário:
Postar um comentário