sábado, 4 de maio de 2013

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo IX - EQUADOR


CAPÍTULO X

EQUADOR

"Toda sociedade que bane os reformadores e privilegia os conformistas jamais prosperará."

            A passagem de Zarumilla, última cidade do Peru, para Huaquillas no Equador parecia uma cena dos filmes de Indiana Jones. Grande parte do transporte de materiais e cargas era feito a pé, nas costas de animais ou no braço mesmo. E havia tanta gente que o nosso carro devia estar avançando a um  quilômetro por hora. Paramos diversas vezes esperando que algum pedestre pacientemente desse licença. Finalmente chegamos ao posto de Polícia de Fronteira. Como não houve burocracia e nem demoras na nossa despedida do Peru, pensamos que seria bem rápida a nossa passagem pela aduana do Equador. Grande engano. 

            Às 8:30h da manhã, três horas a menos que o horário de Brasília, apresentamos nossos passaportes para a obtenção do visto. Enquanto aguardávamos, apresentamos a documentação do carro para as autoridades competentes. Mas eles se recusaram a receber. Disseram que todo o trâmite deveria ser feito através de despachantes. Saímos pelas ruas apinhadas de gente à procura de um. O que encontramos queria oitenta dólares só de comissão, fora os cinquenta que são taxas do governo. De jeito nenhum. Fui novamente até o posto o policial e procurei me informar sobre quem era o chefe. Mostraram-me um senhor claro, aparentando uns trinta e cinco anos, cabelos escuros, correntes no pescoço e pulseiras nos braços. Esperei cerca de uma hora para falar com ele. Neste ínterim o Márcio e o Binho saíram para comprar postais, e um mapa do país, e se possível, alguma lembrancinha. Quando consegui falar com o chefe expliquei-lhe que não tínhamos dinheiro sobrando para dar aos despachantes. Ele entendeu a situação e disse que nos atenderia. Só que iria demorar um pouquinho. Lá pelas duas da tarde, com a minha paciência por um fio, vi sair o chefe da polícia da fronteira e me entregaram um papel.
            - Você vai ter que ir até o posto Central de Serviço da Guarda  Aduaneira, entregar este documento e trazer a outra via carimbada. Saímos felizes pensando que já havia acabado aquela chateação. Cerca de dez quilômetros adiante chegamos a Aduana Central. Lá nos informaram sobre outra taxa de sessenta e cinco mil sucres (cerca de 35 dólares). Pensamos que era enrolação, mas era taxa mesmo. Voltamos para a fronteira com o Peru, entregamos o documento e esperamos mais um pouco.
            - Como vocês vão atravessar o país seguindo em direção à Colômbia, vocês têm apenas 24 horas para isto. Se passarem um minuto terão de pagar uma taxa extra! - Disse o chefe da fronteira.
            - Muito obrigado! - Respondi.
            - Tem mais um detalhe, completou ele. Na guarda Aduaneira vocês vão pegar um policial que viajará junto com vocês até a fronteira com a Colômbia!
            - É, já sabemos!
            - E vocês são responsáveis pela estadia dele em hotel e alimentação durante o trajeto! Disse isto e me entregou o documento que iríamos carregar no Equador: Um papel oficial do governo com quatorze carimbos e onze assinaturas. Oito horas após havermos entregue os passaportes fomos liberados para entrar e atravessar o território equatoriano.
            Quando entramos no Equador, em nosso 23º dia de viagem, 19 de julho, já havíamos percorrido 14.704 quilômetros desde a nossa saída de São Paulo. E sabíamos que teríamos muitos quilômetros pela frente.

            Paramos na polícia aduaneira e o policial Francisco entrou no nosso carro. Chateados com a enorme burocracia e a grande demora das autoridades de fronteira e as diversas taxas, decidimos jejuar no Equador. Afinal seriam apenas 24 horas. O policial que nos desculpasse, mas se nós não comêssemos, não seríamos obrigados a comprar nada para ele.
            O Equador é um país pequeno, de um povo muito simpático. É claro que a burocracia reina ali e as autoridades parecem não querer mostrar muito serviço. Até poucos anos atrás viviam em pé-de-guerra com o Peru, por causa de regiões fronteiriças. Por falar em fronteira, a influência do deserto de Sechura que domina o norte do Peru termina bem na fronteira. Desde Huaquillas, o que vimos foi muita vegetação e matas tropicais. Supõe-se que o Equador ocidental já tenha possuído entre 8 mil e 10 mil espécies vegetais, sendo de 40 a 60% endêmicas (que existem somente no lugar). Considerando-se que em áreas semelhantes existem de dez a trinta espécies animais para cada espécie vegetal, o Equador ocidental deve ter possuído cerca de 200 mil espécies animais. Desde 1960, quase todas as florestas da região foram destruídas para ceder lugar a plantações de banana, poços de petróleo e assentamentos humanos. É difícil avaliar o número de espécies que desapareceram por causa disso, mas podem ter sido 50 mil ou mais - e em apenas 25 anos.
            Fazia calor enquanto seguíamos pela estrada de bom asfalto, mas mal sinalizada. Um pouco antes do pôr-do-sol, parece que para relembrar o que havia ocorrido 24 horas antes, íamos a uns noventa por hora, quando de repente surge uma placa de desvio. Uma placa só, a apenas uns cinco metros da ponte quebrada. Reduzi e segui a direção que a placa indicava. Passamos por uma buraqueira e quase quebramos a suspensão. Um pouco mais à frente, um caminhão, ultrapassando em sentido contrário sobre uma ponte, um caminhão quase nos prensou contra a mureta de proteção. De nada adiantou buzinar e gritar. Ali é a lei do mais forte. E só.
            Anoiteceu e sentado no banco de trás, peguei um panetone que havíamos ganho na Universidade Union Incaica, no Peru. Abri o pacote e com a mão arranquei um pedaço do Panetone. Ofereci para o Márcio. Dei um outro pedaço pro Binho. Peguei um prá mim e perguntei para o policial:
            - Aceita?
            Ele apenas meneou a cabeça positivamente e num gesto rápido pegou o pedaço da minha mão e o levou à boca. Estava faminto. Comemos aquele panetone a seco, dando gargalhadas por dentro. Pobre Francisco. Chegava sair lágrimas dos olhos do coitado de tão seco que estava o panetone.
            Um pouco antes de Naranjal, paramos em um posto fiscal e apresentamos a documentação. Tudo em ordem. Mas, próximo a Quevedo, lá pelas 10:30h da noite, fomos parados por um pelotão da polícia. Pela idade e pelo jeito como agiam, percebemos que eram todos novatos e que deviam estar em treinamento. Quase nos arrancaram do carro. O Francisco tentou explicar quem éramos e o que fazíamos. Em vão. Nem ligaram para as palavras dele. Revistaram-no completamente e a sua bolsa também. Revistaram a cada um de nós e eu pedi para o Márcio e o Binho ficarem espertos, pois eu imaginava que alguma coisa nossa poderia desaparecer. Um dos policiais me mandou ir para trás do veículo e encostar as mão no carro.
            - Eu já fui revistado!
            - Para trás, para trás! repetia o policial.
            Encostei as mãos no carro e senti um chute na altura do meu tornozelo. Virei-me e escutei o policial:
            - Você não sabe ficar em posição de revista?
            - Não sou policial e não tenho obrigação nenhuma de saber posição de revista! - Falei já meio bravo!
            - Vire-se! E iniciou a revista após toda aquela "encenação", onde servimos de cobaias. Entramos no carro muito irritados. Eles não haviam considerado nem o próprio Francisco.
            Finalmente, após mais uma hora chegamos a Santo Domingo de Los Colorados. Procuramos pelo CADE e encontramos o colégio por volta da meia noite. O porteiro cochilava quando o despertamos e pedimos para que chamasse o diretor. Ele nos levou até a casa do Sr. Hector Palacios, o qual gentilmente nos acolheu. Ficou muito feliz em nos receber, pois já havia sido comunicado em uma das nossas cartas preparatórias. Esvaziou a sua geladeira e nos deu vários alimentos. Providenciou um quarto no internato dos rapazes para que dormíssemos. Tratou-nos tão bem, naquela hora tão inoportuna, que começamos até a esquecer os aborrecimentos que tivemos até aquele momento no Equador. Lá pela uma da manhã encontramos o preceptor, que nos encaminhou até o nosso quarto. Fomos ao banheiro tomar banho e ele ficou no quarto batendo papo com o Binho. Um pouco antes de dormir o Binho me perguntou:
            - Você sabia que este cara já foi namorado da sua esposa?
            - É, eu sabia! Este mundo é de fato muito pequeno. Só estou de passagem por este canto do mundo e vou encontrar justo com o ex-namorado da minha esposa! - Respondi.
            - Ele disse que só não casou porque o seu sogro não deixou!
            - Sei disso não: Está parecendo que são palavras de quem ainda sofre uma paixão perdida! Falei já quase dormindo.
            Cedo, no dia seguinte, fomos conhecer o colégio e falar sobre o nosso Projeto com o diretor. Neste meio tempo encontramos duas brasileiras. Uma casada com um equatoriano, o engenheiro agrônomo da escola. A outra era uma colega minha do curso de Pedagogia que estava passando uma temporada no Equador. Ambas estavam muito felizes de encontrar seus patrícios. O diretor, dentro do clima de cordialidade decidiu nos dar trinta e cinco dólares para amenizar um pouco as nossas despesas naquele país. Após abraços e despedidas seguimos para Quito.
            Santo Domingo fica a apenas 130 quilômetros de Quito. Mas enquanto a primeira está a uma altitude média de 400 metros, a capital do país está a mais de três mil metros de altitude. Assim este trecho foi uma grande subida. O Francisco, que era o nosso guia, errou nas informações e passamos apenas pelos subúrbios de Quito e não dentro da cidade, como era o nosso plano. Retornar significaria uns setenta quilômetros a mais. Deixamos esta visita para uma outra oportunidade. Enquanto avançávamos para a fronteira com a Colômbia avistamos vários picos de montanhas cobertos de neve: O Corazon (4.786 metros), o Pichincha (4.794 metros) e o Cayambe (5.790). O Cotopaxi, que é o mais alto do país (5.897 metros), avistamos de muito longe, sob a indicação do Francisco, um pouco antes de chegarmos a Quito.
            Ainda na estrada verificamos em nosso mapa que apenas alguns quilômetros ao norte de Quito e já estaríamos no hemisfério norte. O marco desta passagem estava ao lado da estrada.
            Chegamos em Tulcan às 16:30h, exatamente 24 horas depois de entrarmos oficialmente no Equador. Com boa vontade o Francisco tomou a frente e após quarenta minutos de burocracia fomos liberados. A sra. reponsável pela liberação dos veículos alegava que era feriado na Colômbia e que nem adiantava irmos naquele dia. Mas cedeu e assinou a papelada. Despedimo-nos do Francisco, que com seu jeito calado, mas amigo, conquistou a nossa simpatia.

CADE - Colegio Adventista del Ecuador

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