CAPÍTULO
XI
VENEZUELA
"Nenhuma
reserva, nenhum recuo, nenhuma queixa".
Hudson Taylor
A entrada no paraíso sul-americano do petróleo foi feita num dia de sol. Na cidade de San Antonio Del Táchira conseguimos a permissão para rodarmos em território venezuelano.
Tínhamos dois caminhos para Caracas.
Um seguindo o último trecho da Cordilheira dos Andes e o outro pela planície de
Barinas. Qual escolhemos? Sem sombra de dúvida, pegamos a estrada da planície e
pé na tábua.
Resolvemos dar uma abastecida antes
de avançarmos mais. Já estávamos curiosos para saber o preço da gasolina.
Incrível. Seis tipos de gasolina: de 88 a 98 octanas. E também tem a gasolina
ecológica (sem chumbo). Colocamos a melhor. Com apenas um dólar compra-se
quinze litros. Da mais barata, pode se comprar dezenove litros com um dólar. O
carro passou até a render mais. Teríamos cerca de 850 quilômetros até Caracas e
pelos nossos cálculos gastaríamos só seis dólares em combustível para esta
distância.
Em Barinas paramos para jantar e
comemos um prato muito comum na Venezuela: pollo em la brasa (frango assado na
brasa). Veio servido sobre uma tábua que parecia um batedor de carne. Mas era
apenas uma maneira típica de servir. Na saída, a dona do estabelecimento nos
disse:
- Voltem sempre para comer aqui!
Sorrimos, embora a possibilidade de
voltarmos sempre ali era tão remota como a chuva no deserto de Atacama. Amanhecia
o 28º dia da viagem quando chegamos a Caracas. Nesta cidade nasceu o
"libertador da América" - Simon Bolívar. Responsável também pela
independência da Colômbia, do Peru e da Bolívia, ele é o grande herói nacional.
Adentrando o centro da Caracas, com
seus inúmeros edifícios, avenidas e viadutos, vimos que a capital mais ao norte
da América do sul é também uma das mais bonitas. Com paciência começamos a
procurar um hotel onde pudéssemos nos hospedar a um preço acessível. Também
procurávamos encontrar o endereço da União Venezuelana da Igreja Adventista.
Depois de muita procura, não conseguimos nenhum deles. Os hotéis ou eram muito
caros ou não tinham vagas. Já quanto a União Venezuelana, não conseguimos
localizá-la com o endereço que tínhamos em mãos. Nessas voltas que demos dentro
de Caracas aproveitamos para conhecer melhor a cidade. Vimos os carrões
americanos por todos os lados. Bem, quase não vimos carros pequenos. Parece que
a crise do petróleo nunca vai chegar a este lugar.
Ali estávamos, no ponto mais ao
norte da nossa viagem. Exatos 11.626 quilômetros percorridos desde o ponto mais
ao sul -Punta Arenas. Lá embaixo 10º negativos e ali em Caracas 28º positivos.
Dezoito dias de viagem separaram uma cidade da outra. Já havíamos percorrido
18.246 quilômetros desde São Paulo e percebemos que a previsão inicial de
25.000 km seria ultrapassada.
Ali em Caracas estávamos na região
do Caribe, a apenas 250 km de Bonaire, 300 km de Curaçao e 400 de Aruba. Tão
perto e tão longe. Não teríamos tempo para um passeio por estas ilhas
paradisíacas.
Decidimos seguir até Barcelona e
passar a noite naquela cidade. Saímos pela estrada com um sol de rachar os miolos. Um pouco
antes de Guarenas, na grande Caracas, entramos num gigantesco congestionamento
em plena rodovia. É que todos estavam indo passar o final de semana na praia.
Dureza. Chegamos a descer do carro. No sol devia estar uns 35 graus positivos.
Quando pegamos pista limpa o pneu furou pela terceira vez na viagem. Os pneus
dianteiros estavam ótimos, pois antes de sair de São Paulo eu coloquei dois
novos. Mas os traseiros eram já de meia vida quando iniciamos o projeto. Mas
eles teriam de aguentar até o fim.
Paramos numa borracharia meio
suspeita, caindo aos pedaços, mas receávamos não encontrar outra. Todos nos
olhavam com olhares suspeitos. Um homem alto, de pele morena, forte e cortês
aparentando uns cinquenta anos era o dono. Disse-nos que tomássemos cuidado com
as nossas coisas no carro, pois o lugar ali era barra pesada. Após consertar
ele viu que a nossa roda estava amassada. Com uma marreta na sua mão esquerda,
pois a sua mão direita fora decepada, ele começou a bater num toco sobre a
roda. O toco era segurado por um de seus auxiliares. Enquanto ele batia, nós só
aguardávamos o momento dele acertar com a marreta, a mão do rapaz. Mas o
borracheiro era bom no negócio e deixou a roda certinha de novo. Observamos
também que o corpo dele estava cheio de cicatrizes e marcas de bala. Sem
comentários.
Já próximos a Barcelona, vimos o mar
de novo. Oceano Atlântico. Mar do Caribe. Tentamos nos lembrar quando tínhamos
visto o mar pela última vez. Ah, tinha sido no norte do Peru, um pouco depois
de Chimbote, no deserto de Sechura. Já fazia uma semana. Vibramos. Parece que
ao ver o Atlântico nos sentimos mais perto de casa.
Quase em Barcelona, o Binho conduzia
a uns cem por hora. De repente, como num filme, sentimos um vento e um barulho
passando ao nosso lado. Era um esportivo Oldsmobile, de cor preta, a mais de
duzentos por hora. Que incrível. Na hora o Binho deu um berro de susto.
- Você viu isto? Perguntou ele.
- Ver, eu não vi não, mas eu
escutei! Disse brincando.
Em Barcelona encontramos o hotel
Oviana, com ar condicionado e um precinho suave. Após um banho gostoso ( não
tomávamos banho desde Ipiales - Colômbia ) saímos para fazer compras. O Binho
saiu na rua com seu calção de pijama preto com bolinhas brancas. Como ninguém
sabia que era o pijama dele, não havia problema. Mas o Márcio e eu ríamos de
doer a barriga. Filmamos para o arquivo aquela cena pitoresca. Entramos em uma
"tienda" de roupas. Cada um comprou alguma coisa. Mas o Márcio quase
saiu da loja com mais que uma camiseta. A vendedora queria passear com ele.
Cedo no outro dia fomos para Puerto
la Cruz, um balneário chique com ares de Guarujá. Da praia pudemos ver um
gigantesco transatlântico partindo para mais um cruzeiro pelo mar do caribe.
Barcos e iates estavam ancorados bem próximo do centro comercial da cidade.
Aquele ali, sem sombra de dúvida era
um dos lugares mais belos que vimos nesta viagem. O mar de águas incrivelmente
azuis. As belas praias. As belas mulheres. Só havia um detalhe que desagradava
- parece que tudo ali era só para os ricos. Bem próximo haviam vários resorts e
casas com garagens para os barcos. Despedimo-nos de Puerto La Cruz dando uma entrevista
para o jornal El Norte.
Almoçamos em Maturin e nos avisaram
para apressarmo-nos, pois a balsa que faz a travessia de Los Pozos para Ciudad
Guayana não funcionava à noite. Saímos a mil e chegamos a tempo de colocar o
nosso carro sobre uma das últimas balsas que faria a travessia. Naquele trecho
o rio Orenoco tem uns três quilômetros de largura e dele vimos o sol se por. O
Rio Orenoco, juntamente com seus afluentes, forma uma grande bacia fluvial no
norte da América do Sul, em terras da Venezuela e da Colômbia. Suas nascentes
localizam-se nos altos planaltos andinos da Colômbia. No curso médio inferior,
o Rio Orenoco é de planicie, portanto navegável.
Jantamos em Upata e pegamos a
estrada para Santa Elena de Uairén, na fronteira com o Brasil.
Obviamente nossos planos iniciais
previam a nossa ida da Venezuela para a Guiana Inglesa. Entretanto, o que
havíamos verificado nos mapas antes de sair de São Paulo confirmou-se: não
existem estradas ligando a Venezuela à Guiana. E a região fronteiriça entre os dois
países está em disputa. Eles chamam de "zona em reclamacion". Assim
nenhum dos países pode investir sobre esta região construindo estradas ou
cidades. A nós coube-nos a única alternativa que tínhamos: seguir para a
fronteira com o Brasil no estado de Roraima.
Lá pelas onze da noite o Binho
seguia bem rápido quando surgiu a placa avisando da presença de policiais
rodoviários. Mal deu tempo de reduzir e passamos sobre os quebra-molas da
"Alcabala" a uns cinquenta quilômetros por hora. O Binho retrocedeu
um pouco e o policial pediu para descermos do carro. Pegou os documentos e
ficou pensando. Depois disse:
- Vocês estão com pressa, não é?
Então vão ficar aqui por uma hora até a pressa passar!
Ficamos assentados ali sem dizer
nada. Logo um outro policial percebeu que podia tirar proveito da situação.
Disse-nos que iríamos ficar ali até as dez da manhã do dia seguinte ou se
"déssemos" alguma "ajuda" poderíamos ir embora antes.
Continuamos calados. Nessa hora passou um morador da região e "deu"
um queijo e uma garrafa com alguma bebida para os policiais.
- Está vendo! É só colaborar e vocês
poderão ir embora! Repetiu aquele policial. Continuamos calados. Cochichamos
entre nós que não iriamos dar um centavo que fosse de suborno ou propina.
Após um cinquenta minutos o chefe
daquele posto de polícia (Alcabala), veio e disse:
- Você estava pedindo a Deus que nós
deixássemos vocês irem embora? (Porque eu estava assentado com a cabeça baixa,
falando comigo mesmo e com Deus).
- Sim!
- Então podem ir embora. Eu também
sou religioso! Boa viagem para vocês!
Agradecemos e pé na tábua. Pedimos
para que o Binho tomasse mais cuidado. O dia clareou e chegamos em Santa Elena.
Carimbamos a nossa saída da Venezuela e rumamos para a fronteira. Não dava mais
para esconder: estávamos com saudades do Brasil.
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