sábado, 4 de maio de 2013

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo VIII - PERU


CAPÍTULO VIII

PERU

"Quando a gente quer bem  a uma pessoa, a presença dela conforta. Só a presença, não é necessário mais nada". Graciliano Ramos

            Cheguei à terra da minha esposa e ao país, que pelo menos na teoria significava a metade da nossa viagem.
            Apresentamo-nos aos funcionários, os quais nos orientaram sobre o local onde deveríamos estacionar o carro e os procedimentos que deveríamos tomar. Perguntamos quanto tempo levaria para que o carro fosse liberado e disseram-nos que seria em torno de duas horas. Entregamos os documentos e pedimos informação sobre um local para almoço. Naquele posto fronteiriço no meio do deserto, só havia um restaurante, o qual servia apenas aos funcionários do governo peruano. Explicando direitinho sobre a nossa fome conseguimos a oportunidade de comer ali.
            Felizes pelo bom andamento da nossa viagem, tomamos a liberdade de ligar o televisor do refeitório e assistir um pouco aos programas peruanos. Batendo "papo", aguardávamos calmamente nosso almoço.
            Aproxima-se, então da nossa mesa um sr. de estatura mediana, bem vestido e pergunta-nos o que fazíamos ali. Gentilmente ele se ofereceu para conduzir as tramitações de fronteira e dar os vistos para entrarmos no Peru. Disse-nos que ele era o chefe de Polícia de fronteira e de fato ele era. Pegou os nossos passaportes e retornou para a mesa dele. Surpresos com a boa vontade daquele senhor, comemos o prato do dia: carne de carneiro com talharim.
            Saímos do refeitório e fomos buscar os nossos vistos. Entrei na sala do Sr. Julio Salas e ele pediu explicações para os quatro carimbos do dia 06/07/93 no passaporte. Expliquei que saindo da Argentina entramos no extremo sul do Chile (Punta Arenas) e retornamos no mesmo dia. Pediu também para que eu explicasse por que não havia em nosso passaporte o carimbo de saída do Brasil. Disse a ele que do Brasil para o Uruguai pode-se usar o passaporte ou a carteira de identidade - daí o fato de não termos o carimbo de saída do Brasil no passaporte. Não satisfeito com a explicação ele disse-nos que estávamos completamente irregulares: estacionamos o carro em local proibido e que entramos no lado peruano da fronteira para almoçar, sem o visto. Comecei a perceber que a suposta "ajuda" que ele ofereceu era encrenca certa para nós.
            Durante quarenta minutos expliquei-lhe que as autoridades Uruguaias, Argentinas e Chilenas viram toda a nossa documentação e não encontraram nenhuma irregularidade; que estacionamos o carro naquele local orientados por funcionários do posto fronteiriço e que almoçamos no restaurante autorizados pelos funcionários da Aduana. De nada adiantava argumentar, pois ele, após cada explicação mandava-nos dar meia volta e retornar em nossa viagem. Ao final, ele disse que eu sabia qual era a solução. Senti no ar o cheiro de suborno e propina. Apelei-lhe falando sobre os objetivos da nossa viagem. Em vão. Ele disse que jamais entraríamos no Peru e que eu sabia qual era a solução. Cansado e irritado, perguntei:
            - Quanto?
            Ele prontamente respondeu:
            - Duzentos dólares!
            Fiquei chateadíssimo e enquanto eu entregava as preciosas verdinhas, falei:
            - Meu sogro é uma pessoa influente em Lima. Ele é o presidente da Associação das Igrejas Adventistas da região central do Peru. Minha esposa está passando férias em Lima e vou me encontrar com eles em alguns dias.
            Ele ficou pensativo enquanto carimbava e assinava os vistos.Saindo dali encontrei o Márcio e o Binho, um tanto aflitos à minha espera.
            - Sujeira! Falei baixinho.
     - O quê ?!?
            - Não dá pra contar agora, mas já falo.
            Cercados por funcionários de todos os lados recebemos os papéis e seguimos para Tacna a primeira cidade no sul do Peru. Em outro carro ia o funcionário da Aduana que liberaria o veículo em Tacna para que pudéssemos adentrar o país. Lá pelas cinco da tarde o carro foi liberado. O funcionário da fronteira veio e me falou:
            - Tome aqui (entregando-me cem dólares). O chefe disse que você não deve contar a ninguém o que aconteceu, especialmente ao seu sogro!
            Recebi calado a devolução de parte da propina que aquele corrupto pegara. Obviamente contei tudo para o Márcio e o Binho, que ficaram revoltadíssimos.
            Tentando esquecer os aborrecimentos, fomos jantar no centro de Tacna. Alguns brasileiros que nos viram pararam o carro para perguntar sobre o Brasil. O sorriso e o entusiasmo deles mostrou-nos o quão agradável é encontrar gente da nossa terra quando estamos no estrangeiro.
            Comemos sanduíches enquanto pedimos informações para pegarmos a estrada em direção ao norte. As pessoas, entretanto, diziam-nos que não fizéssemos aquilo. Que não seguíssemos à noite, pois os terroristas do Sendero Luminoso nos pegariam na estrada. Quando entramos no carro uma senhora ainda nos fez um último apelo.
            Ignorando as advertências, entramos na estrada por volta das nove da noite. Afastando-nos rapidamente de Tacna, ficamos felizes pelo bom trecho inicial da viagem. Mas em pouco tempo começamos a rodar numa estrada esburacada e mal sinalizada. A escuridão associada à neblina e as muitas curvas da estrada dificultava em muito o avanço num ritmo normal. O sono apertava, mas sabíamos que não podíamos parar naquela estrada perigosa.
            Depois de passarmos por Arequipa, onde um erro de trajeto nos custou uns cinqüenta quilômetros, pegamos o pior trecho de estradas do Peru. Não sei se podemos chamar aquilo de estrada. O asfalto era coisa do passado e as placas só existiam em nossos sonhos. Fazendo uma diferença marcante do deserto de norte do Chile, este deserto peruano é cheio de montanhas e despenhadeiros. O Binho pegou a direção. As subidas e descidas, juntamente com as muitas curvas, impediam que ele dormisse, mas dificultavam a viagem. Era raríssimo cruzarmos com outros veículos e as poucas cidades pelas quais passamos pareciam uma vila de uma rua só. A neblina do deserto entrou novamente em cena e por mais de uma vez o Binho passou por dificuldades. A falta de sinalização em curvas acentuadíssimas quase nos deixou em vários despenhadeiros e penhascos. Lá pelas duas da madrugada o Márcio assumiu a direção e seguiu a uns setenta por hora numa reta de subida. Subitamente surgiu uma curva, ele "juntou" no freio e virou. O carro fez um balanço esquisito e olhei para fora do carro: lá embaixo um despenhadeiro profundo nos aguardava com seu jeito escancarado. O coração disparou na ordem inversamente proporcional à velocidade que imprimimos a partir dali.
            Angustiado, eu olhava aflito o relógio e o tempo parecia não passar. Peguei o carro e tentei recuperar um pouco o avanço normal. Seguindo na estrada, surge a minha frente um monte de areia na pista. O opala subiu meio atravessado, mas conseguiu sair do outro lado. Eram as dunas de areia do deserto, que cobriam a pista em um ou outro trecho. Embora leve algum tempo para que o vento carregue a areia para cima da pista, esta cena das dunas é comum, mostrando quão esquecida e maltratada está esta estrada.
            Numa curva perigosíssima vimos um caminhão tombado. Semi novo, parecia que aquele caminhão já estava ali há semanas. Um pouco mais à frente encontramos várias bolas de minério de ferro espalhadas pela pista. Paramos o carro e pegamos algumas do tamanho de uma bola de tênis.
            A interminável noite começava a chegar ao fim e nos aproximamos de Nazca, a famosa cidade arqueológica das linhas misteriosas.
            Antes, porém, ainda passamos por várias dunas e outros dois caminhões tombados.
            Na região de Nazca surgiu outra vez o asfalto e vimos que ali a reforma da estrada já chegou. Após reabastecermos atravessamos o centro de Nazca em direção ao sítio arqueológico. Ao lado da estrada vimos as primeiras linhas feitas no deserto pelos povos primitivos da América pré-colombiana. Uma placa ao lado da pista diz que se algum veículo andar por cima das linhas abandonando a estrada principal, a pena prevista é de cinco anos de cadeia mais uma pesada multa. Um pouco mais à frente encontramos um mirante de cerca de 35 metros de altura. Foi construído justamente com o objetivo de se observar as linhas misteriosas de Nazca.

            Subimos no mirante, o Márcio e eu. O Binho roncava no carro . Dali do mirante pudemos ver desenhado no chão do deserto a gigantesca figura de uma mão e a figura estranha de um pássaro. As linhas das figuras têm aproxidamente três metros de largura e algumas têm até oitocentos metros de diâmetro. Estas linhas foram objeto de estudo e pesquisa de vários arqueólogos, cientistas e esotéricos. Sua origem é atribuida a civilizações pré-incaicas. Os esotéricos ligam a origem delas com a presença no passado, de seres extraterrestres. O livro "Eram os Deuses Astronautas" sustenta esta versão. Mas, hipóteses à parte, é interessante observar o que pessoas que viveram a cerca de dois mil anos atrás tiveram a criatividade de fazer. Antes de entrar de novo no carro compramos umas lembrancinhas no sopé do mirante: pedras com os desenhos das figuras de Nazca. Quando o Binho acordou, quilômetros adiante, ele quase nos fez voltar com o carro. Não sei se ele conseguiu nos perdoar o fato de não o termos acordado.
            Chegando em Ica estávamos quase desidratados. Sedentos, tomamos nem sei quantos refrigerantes. A partir de Ica, vimos muitas áreas irrigadas ao lado da pista com plantações de milho e outros cereais e frutas. A área irrigada no Peru é maior do que no Brasil. É claro que eles lutam contra o deserto e contra a falta quase absoluta de chuvas na região costeira. Mas é um  bom exemplo para o nosso nordeste.
            Do ponto de vista estético e para padrões daqui, o Sul do Peru é feio: montanhas peladas, sem nenhuma vegetação; a monotonia do deserto, cidades pequenas e quase sem recursos e estradas bem mal conservadas. Mas à medida que nos aproximávamos de Lima, percebemos que este quadro foi mudando. A estrada ficou melhor. Estava sendo reformada no trecho entre Lima e Nazca e havia os campos irrigados e cultivados ao lado da pista.
            Finalmente pegamos uma "freeway" na chegada a Lima. Estrada larga, com canteiro central e a sensação de se estar chegando a uma grande cidade. De fato, a grande Lima, a maior cidade do mundo em um deserto, tem cerca de quatro milhões e meio de habitantes. Para o Márcio e o Binho tudo era surpresa nesta chegada. Mas para mim não, pois eu já havia estado ali em duas outras ocasiões: quando fiquei noivo com minha esposa em 1987 e mais tarde quando fui visitar meus sogros, já com a primeira netinha em 1990. A despeito desta experiência, eu era o mais nervoso e ansioso. Pudera. Era a ansiedade de encontrar minha esposa e meus filhos que estavam passando férias lá.
            Avistamos a avenida Angamos e eu já me senti em casa. Em poucos minutos seguindo por ela, chegamos à Avenida Comandante Espinar, no bairro de Miraflores, onde moram os pais da minha esposa. Colocamos o carro na garagem do edifício e subimos. Quando a minha esposa abriu a porta tivemos uma cena digna de filme de romance. Um abraço gostoso que durou uma eternidade. Logo vi minha filha e o caçula de três meses.
            Enquanto o Márcio e o Binho inciavam o merecido repouso para a reposição das noites de sono perdidas, dei uma passada rápida na escola onde minha sogra é vice-diretora e fui buscá-la. Que surpresa ela teve. Mais tarde foi a vez do meu sogro.
            Mas o tempo passou rápido em Lima e os nossos cinco dias ali foram cheios de atividades. Na quarta feira, dia 14 de julho, 18º dia da viagem, só rodamos quatro quilômetros - um recorde, se não contarmos os dia em que o carro ficou parado. Neste dia contamos um pouco sobre  a nossa viagem para os funcionários e administradores da União Incaica da Igreja Adventista do Peru. Almoçamos com eles e nos deram camisetas. A Associação Peruana Central desta mesma instituição nos presenteou uma lavagem completa no carro, polimento e  um tanque de gasolina. Ótimo!
            Na quinta-feira visitamos a Universidade Union Incaica. Divulgamos ali a nossa campanha ecológica e conhecemos um pouco da história desta Universidade. Almoçamos no refeitório geral, junto com os alunos. É bom lembrar que todos esses lugares que visitamos, estávamos acompanhados quase sempre, do meu sogro, da minha esposa e dos meus filhos e às vezes da minha sogra.
            Na saída da Universidade entramos na fábrica de alimentos que eles mantêm naquela localidade. Fomos agraciados com vários produtos e completamos o espaço vazio do porta-malas.
            À tarde visitamos o "museu do oro" (museu do ouro). De um acervo riquíssimo, este é um dos melhores museus da América Latina. Conta toda a história da conquista espanhola e conta também da trajetória do povo Inca. Além do acervo de armas, de jóias, de prata e de ouro, o museu tem também algumas múmias dos Incas. valeu a pena.
            À noite tivemos um jantar com comida típica peruana: Antecuchos (churrasco de coração de boi), com choclos (tipo de milho de sementes bem grandes) e um molho bem picante à base de rocoto (uma pimenta extremamente picante). Como bebida tomamos Inca Cola. Naquela noite nos divertimos a beça. O Binho contou até uma anedota super engraçada para o nosso contexto:
            - Um brasileiro chegou ao Paraguai e logo descobriu que o Português e o Castelhano não são idiomas muito diferentes. Pelo contrário, são até muito parecidos. E vendo que palavras como "força" se diz "fuerza", "conta" se diz "cuenta" e "bom", "bueno", ele resolveu ir traduzindo diretamente para o castelhano o que ele queria falar. Chegou numa lanchonete e foi logo dizendo para o balconista:
            - Me dá uma "Cueca cuela" con um perro caliente! ... (Coca cola com um cachorro quente)
            Rimos tanto que quase passamos mal. Mas foi bom, pois o ambiente ficou bem descontraído.
            Na sexta bem cedo, o Binho, meu sogro e o Márcio levaram o carro à oficina para regular as válvulas e tirar um pequeno vazamento de óleo. Quando voltaram, fomos à feira permanente de artesanato chamada "Feira do Índio". Eram tantos os artigos de artesanato que queríamos comprar que , economizando ao máximo, ainda gastamos U$ 40,00 dólares. Saindo dali passamos em uma grande emissora de TV e demos uma entrevista contando sobre o "Projeto América do Sul".
            No Sábado bem cedo demos outra entrevista e visitamos três igrejas adventistas. Após o almoço fomos visitar a catedral de São Francisco. Vimos as catacumbas com vários túneis interligados por sob a cidade. Saímos dali e fomos visitar um dos lugares por que mais ansiávamos: o Museu da Santa Inquisição. Este museu é o único na categoria dele no mundo que permanece aberto. Ele mostra o triste lado da história da igreja católica, onde ninguém podia contestar ou pensar de maneira diferente. Ali estão vários instrumentos de tortura. Tudo isso passava pela nossa cabeça enquanto caminhávamos aqueles quarteirões no centro de Lima, rumo ao museu.
            Chegamos à porta do museu e para nossa infelicidade ele já estava fechado. Meu sogro pediu-nos que aguardássemos do outro lado da rua e ele foi conversar com um policial que estava na porta do museu. Ele explicou ao policial que havíamos vindo de longe e que nossa visita a Lima estaria incompleta se não pudéssemos entrar no museu. Mas o policial argumentou que o horário de visitas já havia acabado e que ele mesmo nunca havia entrado no museu.
            - É uma boa oportunidade para que você também conheça! Insistiu o meu sogro.
            - Espere um momento! - Disse o policial, enquanto enfiava a mão no bolso e pegava um pente. Com um jeitinho próprio daqui, ele mexeu na fechadura e... pronto. A porta abriu. Entramos rapidamente como quem não sabia de nada. Ali na ante-sala ficamos pensando: E se a polícia entrar aqui e pensar que viemos tirar alguma coisa? e se ...? Mas tínhamos um tremendo álibi: O policial junto conosco.
            À medida que passávamos de uma sala a outra a ansiedade e a tensão aumentavam. Placas diziam: "Proibido fotografar e filmar". E de mansinho, enquanto avançávamos para as salas principais, pegamos a filmadora e a máquina fotográfica e fizemos algumas imagens de arquivo. Incrível a capacidade humana de inventar instrumentos de tortura.  Ao centro, uma cama onde o infeliz era amarrado pelos pés e mãos e uma roda puxava as cordas até arrancar fora algum dos membros. A um lado, um tronco onde os pés ficavam descobertos e um braseiro logo abaixo. Os pés eram untados com gordura e "assados" com a pessoa viva. Aliás, todas as torturas levavam a vítima a um estado de exaustão e sofrimento físico máximo, mas não à morte direta. E o objetivo das torturas, além da punição, era a abjuração ou a mudança de posição em relação a uma crença ou comportamento. Havia ainda outros instrumentos de tortura, mas nem vale a pena mencionar, pois seria deprimente. Tudo fez com que saíssemos dali pensativos e calados.
            Chegamos à casa da minha sogra e ligamos o TV. Estava passando a nossa reportagem. Mais uma vez sentimos que nossos objetivos estavam sendo alcançados. Minha esposa arrumou a minha mala e acondicionamos tudo no carro para a nossa partida no dia seguinte. O Márcio e o Binho foram para a Clínica médica Adventista de Miraflores. Foi lá que eles dormiram e tomaram o desjejum todos aqueles dias.
            No domingo bem cedo pegamos o caminho da estrada. Meu sogro, minha sogra, minha esposa e meus filhos seguiram-nos e avançamos rumo norte. Pelos nossos cálculos havíamos passado em Lima um dia a mais do que o planejado. Tudo bem, teríamos tempo para recuperar. A partir de Lima começamos a atravessar o deserto de Sechura. Paramos para almoçar em Chimbote na casa da família Crisólogo Saavedra. São grandes amigos do meu sogro. Nos deram um banquete com pratos típicos:
            Sudado de chita (guisado de chita - um peixe de escamas e muitas espinhas) cebiche (peixe cru curtido no limão) Estofado de Pollo (Frango cozido com legumes) e Ensalada temperada com rocoto. Quando fomos entrar no carro, percebemos que alguns adesivos dos patrocinadores foram arrancados por alguns meninos da cidade.
            Seguimos satisfeitíssimos para Trujillo e depois Chiclayo. Resolvemos não jantar (depois daquele super almoço, ninguém estava com fome). Perto da hora do pôr-do-sol, o Márcio conduzia, quando o carro que seguia a nossa frente parou de repente e sem nenhum motivo aparente. Num gesto de reflexo, o Márcio desviou para a direita e depois para a esquerda, pois havia uma ponte logo em seguida.
            - Uau! essa foi por pouco! - Gritei. O Binho acordou assustado e perguntou o que estávamos fazendo.
            - Nada! - Disse o Márcio.
            - É, junto com vocês eu tô feito! - Disse o Binho, e completou:
            - Feito trouxa! E voltou a dormir.
            Mas não por muito tempo. A cem por hora subimos uma pequena elevação na estrada do deserto. Quando descemos cerca de cem metros, dois caminhões vinham juntos em sentido contrário. O caminhoneiro que estava ultrapassando nem fez sinal de diminuir a velocidade e nos dar espaço. Continuou avançando em nossa direção, naquela estrada estreita.
            - Desvia Márcio, o cara não vai sair! Dei o aviso! O Márcio puxou para a direita sobre a areia do deserto e escapamos por um triz. O Binho acorda de novo e reclama:
            - Vocês não sabem dirigir? Toda hora vocês me acordam! Demos gargalhadas e explicamos que quase íamos todos dormir pra sempre. A noite chegou e passamos por Piura, Sultana e Talara. Quando estava amanhecendo chegamos a Tumbes e Zarumilla, na fronteira com o Equador.

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