CAPÍTULO
XI
COLÔMBIA
"Não sei
bem os caminhos pelos quais Deus guia, mas eu conheço bem o Guia". M.
Lutero
Passamos a ponte internacional de
Rumichaca e sentimos uma tremenda diferença desta nova fronteira para a
anterior. Bem organizado e com prédios novos, o posto de fronteira da Colômbia
com o Equador fez-nos sentir em um país moderno e eficiente. Deram-nos
rapidamente o visto e nos disseram que podíamos passar a noite em Ipiales. No
dia seguinte teríamos de procurar a polícia aduaneira em Ipiales e apresentar
os documentos para a liberação do veículo. Trocamos cem dólares por cerca de
oitenta e cinco mil "pesos oro" e entramos na cidade. Procuramos com
calma um hotel e uma garagem segura para o carro. Pagamos quatro dólares pelo
hotel e fomos passear à noite pela cidade a procura de um lugar para comer.
Encontramos um bom restaurante e comemos um bife com batatas. Voltando para o
hotel estávamos felizes por podermos dormir em camas, pois desde Lima só
dormíamos no carro. Felizes também por que poderíamos viajar sozinhos na
Colômbia, sem nenhum policial conosco.
Íamos dormir um sono reparador,
quando o Binho resolveu conectar o recarregador da bateria do vídeo na tomada.
Como ele não conseguia, resolveu desparafusar a tomada e conectar diretamente
nos fios. Na hora de fazer a conexão, ele, com uma faca especial, tipo rambo,
resolveu separar os fios um pouquinho mais e bum!!!??!! tudo escuro. O Márcio,
que estuda engenharia elétrica falou:
- Eu te falei que a mãe desse cara
batia nele com tamanco!
Demos gargalhadas no escuro, mas
sentimos o compromisso de consertar o mal feito. Descendo pelas escadas do
hotel, percebemos que só o nosso andar, o 4º, é que estava no escuro.
Conversando com o recepcionista, ele nos disse que escutou um barulho e foi verificar
o controle geral de eletricidade na portaria. Não viu nada. Mas junto conosco
ele olhou novamente e viu que o fusível referente ao quarto andar estava
queimado. O Márcio se ofereceu para consertar e em dez minutos o serviço estava
pronto.
Ainda saímos pela cidade para
passear um pouco. Fazia muito frio e conversando com as pessoas na rua ficamos
sabendo que aquela cidade estava encravada nos Andes a mais de três mil metros
de altitude. Com cerca de cem mil habitantes e vários atrativos turísticos, Ipiales
é a porta do sul da Colômbia.
Quando amanheceu o 25º dia da nossa
viagem fomos rapidamente arrumar as malas no carro. Enquanto guardávamos as
bagagens, o Márcio percebeu que sua jaqueta forrada de lã havia desaparecido.
Ele ficou muito chateado e por mais que a procurássemos não a encontramos.
Fui então até a Aduana apresentar a
documentação do veículo. Em vinte minutos já estávamos liberados para seguir
rumo a Bogotá. Resolvemos após enviar alguns postais e comprar um mapa conhecer
o principal ponto turístico da cidade: O Santuário de Las Lajas. Esta catedral
é um atrativo turístico e religioso por excelência. Construída sobre um abismo,
esta igreja atrai católicos de todas as partes. São atribuídas a Nossa Senhora
de Las Lajas vários milagres e os fiéis colocam nos muros placas de
agradecimento à santa.
Deixamos Ipiales já com uma boa
impressão do que seria a Colômbia. Logo na saída fiquei relembrando os meus
dias de pesquisa nos atlas e mapas seis meses antes. Recordava-me de haver
colocado aquela cidade no roteiro e que, de acordo com o mapa, a viagem seria
sobre a cordilheira dos Andes. Viajaríamos sobre a montanha desde Quito no
Equador, até Cúcuta, na fronteira Colômbia-Venezuela.
Naquele lugar fiquei pensando como
este mundo é tão grande e ao mesmo tempo tão pequeno. Enquanto vivemos a nossa
vida corrida e agitada em São Paulo e nem sabemos que existe uma cidadezinha
chamada Ipiales, eles seguem a sua rotina e vão vivendo também, independente de
nós. Mas ao mesmo tempo vivemos em função uns dos outros. Os que plantam,
colhem para si e para outros; os que produzem, produzem para os que compram e
fazem com que a economia complete o círculo de produção e consumo; os que
compõem músicas, fazem-no para que outros desfrutem as belezas dos sons; os que
escrevem livros,
partilham
sua experiência e visão do mundo com os seus leitores... Enquanto eu refletia
sobre isto, a estrada era um sobe e desce sem fim. Às vezes descíamos até oito
ou dez quilômetros de uma só vez. Em contrapartida a subida que vinha em
seguida era de quase fundir o motor. Com a estrada muito sinuosa e ladeada por
abismos, tínhamos que conduzir numa média de setenta por hora.
Quando entramos no departamento de
Cauca, próximos a cidade de Patía, tivemos o segundo furo de pneu da viagem.
Aproveitamos a parada obrigatória para observar os despenhadeiros profundos que
estavam ali ao lado da estrada. A estrada era de um bom asfalto e bem
sinalizada. Mas começamos a perceber que isto tinha um preço: a cada oitenta
quilômetros encontrávamos um posto de pedágio. Analisando um pouco melhor esta
situação concordamos que era melhor pagar pedágio e andar em boas estradas do
que não ter pedágio e andar por um caminho da roça.
Embora estivéssemos em uma região
tropical, a cordilheira dos Andes marcava os seus efeitos: nas altas montanhas
das regiões de baixas latitudes, ou seja, na zona intertropical ou tropical,
pode-se observar a influência da altitude e, por conseguinte, do clima sobre as
formações vegetais.
A temperatura do ar atmosférico
diminui à medida que aumenta a latitude. Assim, mesmo situada na região
tropical, uma montanha alta apresenta, em vista das suas diferentes altitudes,
vários andares ou faixas de vegetação. Cada andar ou faixa tem um tipo de
clima, e a cada tipo de clima correspondente um tipo de formação vegetal.
A cordilheira dos Andes enquadra-se
nesse caso:
* de 0 a 600 metros, são encontradas
palmeiras representando o clima e a floresta tropical;
* de 600 a 1.200 metros,
encontram-se florestas de folhas caducas, ou seja, florestas que perdem as
folhas no inverno e que são características do clima subtropical;
* de 1.200 a 2.400 metros, a
vegetação, representada pelos pinheirais e é chamada floresta de coníferas, o
clima é temperado;
* de 2.400 a 3.000 metros, surgem
pinheirais e os campos, vegetação que corresponde ao clima frio;
* acima de 3.000 metros, dominam as
neves eternas, e o clima é polar.
A Colômbia então nos presenteava com
os belos Andes. Como na maioria, as montanhas daquela região não são muito
altas, uma boa parte delas são cultivadas. Era interessante e agradável ver os
Andes recortadinhos, cheios de plantações variadas. A base da economia deste
país, que homenageou com seu nome o descobridor do continente, é a agricultura.
A maior parte dos alimentos que eles produzem são para exportação. Também são
grandes exportadores de café.
A Colômbia tem ainda o privilégio de
ser banhada pelo Atlântico e pelo Pacífico, além de ter a ligação por terra com
a América Central. Esta ligação por terra não resultou em estradas, pois na
fronteira entre a Colômbia e o Panamá existe uma região pantanosa e de
montanhas. O custo da construção de estradas por este local seria altíssimo, o
que é inviável para os dois países e parece não ser do interesse dos países
ricos. Assim, o estreito de Darién, que tem apenas cento e cinquenta
quilômetros em linha reta, separa a Colômbia do Panamá e da região do canal,
por onde passa grande parte do comércio mundial. É o único trecho interrompido
da mais extensa estrada de rodagem do mundo - a Rodovia Panamericana. Ela tem
início no noroeste do Alasca, extremo norte das Américas, passa pelo Canadá,
Estados Unidos, México, toda a América Central (continental), continua na
Colômbia, Equador, Peru, Chile, Vira em direção a leste, a Buenos Aires e sobe
para o norte, terminando em Brasília.
Possui mais de 24.140 quilômetros de comprimento.
O único trecho incompleto, o
desfiladeiro de Darién, foi atravessado totalmente por terra por Loren Lee
Upton e Paricia Mercur com um jeep, modelo 1966. A jornada foi iniciada em
Yaviza, no Panamá, no dia 22 de fevereiro de 1985 e concluída dois anos e onze
dias depois, a 4 de março de 1987 em Riosucio na Colômbia. Antes delas o
LandRover "La cucaracha carinosa" (A barata carinhosa) da expedição
trans-Darién, com os pilotos Richard Bevir (Inglaterra) e Terence John
Whitfield (Austrália) fizeram a travessia. Também partiram do Panamá, só que da
cidade de Chepo, a 3 de fevereiro de 1960 e atingiram Quibdó na Colômbia, a 17
de junho daquele mesmo ano. Em meio a indescritíveis dificuldades eles
conseguiram fazer uma média de duzentos metros por hora. Dessas duas
experiências tira-se uma base de como é difícil este caminho.
Na nossa jornada nós seguiríamos
para o nordeste da Colômbia, pois o nosso alvo era a Venezuela. O nosso caminho
era mais fácil que o desfiladeiro de Darién, mas com certeza, o mais cansativo
da nossa viagem. O fato de viajarmos todo o tempo sobre altas montanhas e por
estradas com muitas curvas, subidas e descidas, gerava uma tensão e um cansaço
muito grande. Jantamos em Popayan e seguimos rumo a Cali. Um erro na leitura
das placas próximo a Cali nos fez andar quase cem quilômetros a mais. Meio
perdidos, às onze da noite, usamos até a bússola para conferir que rumo
deveríamos seguir de acordo com o mapa.
Quando passamos por Armênia,
começamos a sentir um problema com a bateria. Demos uma bronca no Binho por
causa do seu costume de deixar os faróis acesos. Mas coitado, a culpa era mesmo
da velha bateria que já dava sinais de cansaço. O trecho entre Armênia e
Ibague, no caminho para Bogotá é uma travessia de altas montanhas na
cordilheira. A coisa começou a ficar feia. Os faróis apagaram e a carga ficou
quase no fim. Se desligássemos o carro, ele não pegaria mais. No alto daquelas
montanhas numa temperatura na casa de 2 ou 3 graus positivos, tivemos que parar
para desligar as luzes de freio, pois elas "roubavam" o restinho de
carga que havia. Finalmente começou a descida, mas o motor dava umas explosões
violentas. O Márcio, nosso mecânico-chefe explicou:
- Nesta altitude, com o ar
rarefeito, a mistura ar-combustível fica muito alterada. A mistura fica muito
rica em combustível e aí tem lugar estas explosões!
Explicações a parte, a nossa
situação estava muito complicada. O céu coberto de nuvens, a estrada
completamente escura e um monte de precipícios ao nosso lado. O Márcio pegou a
lanterna e abriu o vidro. Iluminava a estrada com aquela luz fraquinha. Quase
batemos mais de uma vez com os poucos carros que surgiam em sentido contrário. Não dava para enxergar quase nada e todos
estávamos temerosos. Do banco traseiro eu pedia a Deus que nos ajudasse a sair
daquela situação. Neste momento seguíamos a frente de um carro que tentava nos
ultrapassar. Aproveitando a iluminação dos faróis dele, seguimos à sua frente.
Percebendo a nossa situação, ele nos ultrapassou e sinalizou para pararmos. Era
um motorista de táxi que ia para as proximidades de Bogotá e ofereceu sua
ajuda. Prontamente aceitamos e aquele bom homem reduziu a sua velocidade para
que pudéssemos segui-lo de perto. Chegamos em Ibague e despedimo-nos daquele
homem, que com certeza nunca mais o veríamos.
Mas, mal saímos de Ibague, o carro
morreu. Com muita dificuldade conseguimos fazê-lo pegar de novo. Seguimos até
uma cidadezinha chamada Melgar. Ali levamos a bateria para recarregar e
compramos "recuerdos" (lembranças), pois já havia amanhecido.
Caminhando pelas ruas começamos a perceber uma semelhança entre esta e as
outras cidades colombianas que havíamos parado - muitas mulheres bonitas. Para
dizer a verdade, não nos lembramos de haver visto mulheres feias nessa terra
de montanhas.
Com a bateria recarregada seguimos
para Bogotá. Finalmente chegamos na capital do país. Enfrentamos um pouco do
trânsito urbano e decidimos almoçar em algum restaurante na estrada.
A nossa campanha ecológica a nível
de escolas havia acabado no Equador. A Colômbia e a Venezuela seguem o
calendário do hemisfério norte, com as férias começando em junho e se
estendendo até agosto. E também não havíamos conseguido estabelecer nenhum
contato a nível educacional nestes países. Mas continuamos a falar de ecologia
com várias pessoas.
Almoçamos numa churrascaria na saída
de Santa Fé de Bogotá (este é o nome da capital). O dono desta churrascaria é
um ator que já esteve diversas vezes no Brasil. Nas paredes, posters de
paisagens brasileiras e de Gal Costa, Chico Buarque, Toquinho e outros artistas
do Brasil. Percebe-se que ele é super fã do Brasil. Esta, aliás é uma tônica na
América do Sul. O Brasil é visto como um país especial. Todos consideram o
Brasil uma potência, mesmo os
argentinos. Respeitam e consideram o Brasil, embora os países da orla do
pacífico ainda achem que nosso país tem desejos expansionistas e que sonha em
ter terras banhadas por aquele oceano.
Pegamos a estrada para Tunja e
depois para Bucaramanga. Neste trecho as curvas eram muito acentuadas. Num dado
momento, lá pela meia noite o Márcio pegou a direção. Era numa subida e ele
conduziu por cerca de uma hora e meia e ainda estávamos na mesma subida. Já
meio fora de si, o Márcio parou o carro e saiu caminhando pela estrada.
Coitado, teve um colapso nervoso em virtude da tensão e ansiedade geradas pela
dificuldade do percurso. Mas tudo bem. Voltou pro carro e guiou mais meia hora.
Quando me passou a direção estávamos na mesma subida. Só depois de eu conduzir
por cerca de uma hora, teve início a descida.
Lá pelas cinco da manhã chegamos a
Cúcuta, sentimos um alívio porque não veríamos mais tantos pedágios (passamos
por 18 pedágios em 1500 quilômetros). Dormimos um pouco até a fronteira abrir.
O Binho tentou dormir no relento, mas o vento forte o fez vir depois para o
carro. Ali em Cúcuta vimos a grande dificuldade para se conseguir um visto para
a Venezuela. Como a Venezuela é um país rico, em se tratando de produção petrolífera
e também é mais desenvolvido que a Colômbia, parece haver um movimento de
migração muito forte que as autoridades venezuelanas tentam impedir. Uma das
medidas é o custo do visto. Custa trinta dólares a entrada na Venezuela para os
colombianos e a autorização do visto pode demorar semanas.
Como estávamos no lado Colombiano da
fronteira também teríamos de pagar trinta dólares cada um. Só que não podíamos
esperar dias ou semanas até sair o visto. Percebendo a nossa situação, um padre
colombiano, o Sr. Jesus Vera Monjalve, ofereceu-nos ajuda. Indicou-nos com quem
deveríamos falar e acompanhou-nos até
Banco para pagarmos a taxa do visto. Felizmente tudo deu certo e o visto
saiu no mesmo dia.
O Pe. Jesus Monjalve tornou-se um
amigo nosso em pouco tempo. Deu-nos o endereço de sua paróquia em Bogotá e o seu Código de radioamador. Enquanto
aguardávamos a entrega dos passaportes ele se interessou em saber o nosso ponto
de vista sobre ecologia.
Eu lhe expliquei que estudar
ecologia exige estudos, reflexões, leituras sobre ecossistemas, destruição do
meio ambiente, poluição atmosférica, poluição das águas, poluição sonora, etc.
É muito bom também conversar com pessoas que tenham formação em ciências da
natureza (Biologia, Química, Ecologia, etc.). Só assim, uma pessoa pode formar
uma ideia abrangente e mais séria de Ecologia.
Ecologia, que vem do grego OIKOS,
que significa casa, e LOGOS, que significa estudo, diz respeito ao estudo dos
ecossistemas. Quando existe harmonia no ambiente inanimado (ar, água e solo) e
os seres vivos que habitam este ambiente, podemos dizer que há um equilíbrio
ecológico. Mas devido à imprevidência no uso dos recursos da natureza, à
ganância de obter maiores lucros ou mesmo pela ignorância quanto à necessidade
de preservação do meio ambiente, o homem está promovendo um desequilíbrio
ecológico cada vez mais acentuado.
Entretanto ecologia não é somente
uma questão relativa à natureza. É principalmente uma questão econômica,
política e cultural, porque o homem age na natureza segundo os padrões ou
costumes (econômicos, políticos e culturais) criados por ele mesmo, ou seja,
segundo o tipo de civilização que criou.
Nossa civilização preocupa-se em
transformar a natureza e seus recursos (solo, vegetação, rios, ar etc.) em
mercadorias, para deles obter lucro. Em vista disso, intensificou-se a
exploração da natureza, com a consequente destruição do meio ambiente.
A sociedade de consumo interpreta a
natureza e seus recursos não como fonte de vida, mas apenas com fonte de lucro.
Este desequilíbrio na natureza se reflete no desequilíbrio da sociedade e
vice-versa: miséria, pobreza, fome, desnutrição, violência, injustiças na
distribuição da renda ou da riqueza etc., e; na natureza, desequilíbrio
ecológico, destruição de ecossistemas, destruição do solo, morte e até mesmo
extinção de animais, peixes e insetos, poluição das águas, poluição do ar etc.
Após ouvir o nosso ponto de vista, o
Pe. Monjalve disse que o seu país sofre de alguns efeitos destes desequilíbrio
e que ele gostaria de receber materiais sobre ecologia.