quarta-feira, 22 de maio de 2013

O Paradigma das Cavernas



"Ousadia ou prudência, resignação ou inconformismo, ponderação ou audácia? Somente com ousadia poderemos alcançar muitos sonhos e transpor barreiras que parecem difíceis ou insuperáveis. Mas necessitamos de prudência, sobretudo na avaliação de cada situação que cerca a tomada de importantes decisões. Se por um lado não podemos nos conformar com um estado de coisas insatisfatório, por outro temos que nos resignar com aquilo que não podemos de fato mudar. Refletir cuidadosamente para não correr o risco de errar ou ser audacioso e colher uma vitória há muito esperada? Como não podemos adiar indefinidamente as importantes decisões de nossa vida, o que fazer então?"

Em breve, você poderá percorrer os fascinantes caminhos da descoberta, do questionamento,  do crescimento intelectual e do amadurecimento através deste ensaio filosófico sobre o conhecimento e as escolhas.

Lançamento Oficial: 03 de Setembro de 2013, na Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, próxima a Estação de Metrô Brigadeiro. 

Livro disponível também no site da Livraria Martins Fontes, Asabeca e Livraria Cultura.

terça-feira, 14 de maio de 2013

A Redução da Maioridade Penal - II


Não existem soluções simples para problemas complexos. O que indigna 93% da população com relação a esse tema é um conjunto de coisas: utilização dos menores pelas quadrilhas e pelo crime organizado; impunidade e sensação de impunidade; banalização da vida humana, e, as facilidades ou brechas legais do sistema.

É preciso debater o tema e ver o que está sendo feito em outras partes do mundo, sobretudo do mundo considerado moderno e avançado. Acredito mesmo que não se pode culpabilizar o adolescente, mas, ao mesmo tempo, não se pode suavizar as coisas para os criminosos. Talvez seja consenso entre os estudiosos do assunto afirmar que o problema da violência e criminalidade infanto-juvenil esteja ligado à desigualdade social, exclusão social, impunidade, falhas na educação familiar e escolar no que diz respeito à formação de valores e comportamento ético. Isso além das falhas culturais modernas que transformam muitas pessoas em meros consumidores individualistas na busca do prazer. É tudo verdade e essas coisas precisam ser corrigidas.  Mas relativizar esse tópico significa inocentar todos os delinquentes (e até mesmo os criminosos 'maiores de idade') e jogar toda a culpa na sociedade, afirmar que ela é injusta, que não educa bem, que não ajuda as pessoas e assim muitas acabam indo para o mundo da marginalidade. O incrível nessa linha de raciocínio é perceber que a grande maioria (sim, que bom) das pessoas e dos adolescentes, apesar das mazelas sociais e das injustiças da sociedade, não são criminosos. Ora, porque a maioria não escolhe o caminho do crime se a sociedade é tão injusta?

Quem deseja a redução da maioridade penal quer aperfeiçoar o sistema - não quer jogar a culpa nos adolescentes. E o sistema tem muitas faces - uma delas é o aperfeiçoamento da legislação. Repito, os adolescentes são as maiores vítimas de um sistema falho e continuarão a ser se nada for feito. Tudo no Brasil precisa ser aperfeiçoado e o Estatuto das Crianças e Adolescentes também.

Todos sabemos que no modelo atual a prisão não educa ninguém - está mais para uma medida punitiva do que sócio-educativa. Mas aí também vale a pergunta: deixaremos os delinquentes perigosos soltos na rua cometendo crimes porque a prisão ou as unidades sócio-educativas não funcionam a contento? Essa hipótese é surreal.

Outros dizem que devemos esperar um momento em que as mídias não estejam veiculando notícias sensacionalistas sobre o tema, para que a discussão seja imparcial. Se você é um leitor assíduo de jornais ou acompanha os noticiários pelo rádio ou TV, verá que na condição atual isso é impossível. Todos os dias (destaco essa ênfase) é veiculada alguma notícia de algum adolescente envolvido em criminalidade. A culpa é da mídia? Claro que não.

Outros ainda afirmam que leis mais rígidas não resolvem o problema da criminalidade. O ponto chave aqui é qual pesquisa utilizar como referência. Se for o exemplo de Nova Iorque onde as ações e leis da 'tolerância zero' reduziram a criminalidade em mais de 50%, então, nesse caso, a afirmação é falsa. O que este grupo esquece de dizer é que o contrário também é verdade: leis mais frouxas também não resolvem o problema da criminalidade.

Bem, o tema é complexo e acredito que as falhas do sistema e da nossa cultura preconceituosa  (injustiça e preconceito na aplicação das leis; pobres e negros lotando os presídios enquanto  corruptos continuam soltos, entre outros graves problemas) não podem ser usados como desculpa para deixar as coisas como estão. Outros países de cultura e sistemas legais mais avançados fazem diferente. Será que somos melhores do que eles?

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul -


CAPÍTULO XVI

FRUTOS

 "Se és capaz de sonhar, sem fazer dos sonhos teus senhores ... tua é a terra com tudo o que existe no mundo..."      Rudyard Kipling


            Um caminhão vinha em cima de nós. Virei o volante totalmente para a esquerda e meti o pé no freio. Quando o caminhão passou, acordei de sobressalto, lá pela uma da manhã. Já fazia uns cinco dias que havíamos chegado, mas a adaptação ao cotidiano levou mais tempo. O Márcio e o Binho também sonharam que ainda estavam viajando ou dirigindo.
            Nos dias e semanas que se seguiram à viagem tivemos o privilégio de fazer várias palestras contando a nossa experiência. Também demos uma entrevista para a TV Record e tivemos a grata satisfação de ver publicado no jornal o "Estado de São Paulo" uma reportagem sobre a nossa viagem. Foram frutos que colhemos com satisfação.
            Mas o fruto que fechou com chave do ouro o Projeto América do Sul nos foi entregue no chique casa de Shows Banana Banana, em São Paulo. Junto com outros recordistas brasileiros estivemos presentes na festa de lançamento do Guinness, edição 1994. A alegria de ver os nossos nomes incluídos no livro, fez aumentar o entusiasmo e o desejo de novas aventuras.
            Novos desafios estão à nossa frente e sempre estarão. Pois só assim há sentido e motivação para a vida. Se a nossa mensagem de ecologia foi semelhante à do pássaro, que tenta com suas penas molhadas apagar o incêndio na floresta, sentimos que ainda assim valeu a pena. Se alcançamos alguém, não será apenas um pássaro, mas dois, e assim por diante.
            "Os homens marcham aos confins do mundo por diferentes motivos. Alguns são impelidos apenas pelo desejo da aventura; outros sentem uma intensa sede de saber; os terceiros obedecem à sedutora chamada de uma voz interior, ao encanto misterioso do desconhecido que os afastam dos caminhos rotineiros da vida cotidiana..."
                                                            Sir Ernest Schackleton

A Redução da Maioridade Penal - I


A solução para a questão da criminalidade envolvendo menores tem solução. O ECA precisa ser modificado (já está com 23 anos), pois várias mudanças ocorreram na sociedade desde então. O mundo moderno é dinâmico e está em constante evolução. 

Alguns estudiosos do assunto dizem que uma única medida não resolverá o problema. Concordo. Assim, além do necessário investimento em educação e em boas políticas públicas,  proponho uma  série de medidas e não apenas uma. Acredito que a solução passa por quatro temas que deveriam ser votados conjuntamente pelos Congressistas:

1. Redução da Maioridade penal de 18 para 16 anos;

2. Aumento de 50% a 100% na pena estabelecida para o ‘maior’ que cometer crime em companhia do ‘menor’ de idade (dependendo da gravidade do crime, estabelece-se o percentual do aumento da pena);

3. Ampliação do tempo de internação para até um máximo de oito anos para crimes cometidos por menores de 16 anos;

4. Emancipação de Criminosos Graves. Menores de 14 a 16 anos que cometerem crimes graves serão avaliados caso a caso e, dependendo da forma como o delito foi cometido e da gravidade da infração ou crime, serão emancipados para que respondam como adultos.


Os delinquentes (maiores e menores) pensarão bastante antes de cometer as barbaridades e atrocidades que assolam o país valendo-se do subterfúgio da idade.

Parlamentares contrários dizem que o Brasil está antenado com o que há de mais moderno no mundo em termos de legislação de maioridade penal. É triste quando um parlamentar falta com a verdade de uma forma tão leviana. 
Observe abaixo a lista dos países modernos, desenvolvidos e que investem sério em educação, com relação a idade em que se começa "a responder como um adulto" pelos crimes que comete:

Inglaterra e Austrália (10 anos); Canadá, Coreia do Sul, Japão, Israel e Holanda (12 anos);  França (13 anos);  Alemanha, Espanha e Itália (14 anos);  Dinamarca, Espanha, Noruega e Suécia (15 anos); Bélgica e Portugal (16 anos). Nos Estados Unidos, diferentes estados estabelecem idades entre 6 e 12 anos. Aqui uma importante observação deve ser feita. Como no Brasil, nesses países a idade da responsabilidade penal não corresponde necessariamente a idade da maioridade plena. Só que no Brasil a responsabilidade penal (imputabilidade penal) é limitada a no máximo três anos e nos países citados cada caso é tratado individualmente podendo as penas chegarem a muitos anos de reclusão e reeducação.

E em que países (por exemplo) temos a mesma idade da maioridade penal brasileira? Resposta:  Colômbia e Peru.

Pense um pouco. Só um pouco e responda: O sistema legal do Canadá (país classificado em primeiro lugar no ranking de qualidade de vida - The Economist, ONU), da Dinamarca e da Alemanha  (só para citar estes três) é inferior ao do Brasil, do Peru e da Colômbia?

Até mesmo no grupo do BRIC, Rússia (14 anos), India (7 anos) e China (14 anos) , o Brasil fica a dever neste assunto.

Se a questão fosse a qualidade dos serviços sociais e da educação oferecida, fica a pergunta: Porque tantos países modernos (com uma qualidade de vida, educação e serviços públicos melhores do que no Brasil) têm uma maioridade penal menor do que a brasileira?

Vale destacar contudo que, as medidas citadas acima ajudarão a diminuir "um" dos problemas da criminalidade no Brasil. Para resolver "o" problema da criminalidade várias outras medidas devem ser tomadas. 

As Medidas Inócuas no Contexto Atual


As medidas atualmente propostas por parlamentares contrários à redução têm seus méritos, mas, ou não são aplicadas, ou, de tão mal aplicadas, são utopias no Brasil real desde o estabelecimento da Nova constituição (1988) e do ECA (1990). Trocando em miúdos, eles são contrários a redução e propõem que a solução do problema ocorra por meio de  boas políticas públicas, da melhora da educação pública e de políticas sociais de amparo à população menos favorecida. O governo diz que já faz tudo isso.

Pesquisas atuais afirmam que 93% da população quer a redução da maioridade penal. Alguns parlamentares fingem não ouvir. Há a questão dos custos que assusta o governo (tanto no necessário investimento em educação, como na construção de mais presídios e centros de reabilitação).

A verdade é simples: se continuarem a insistir na manutenção do atual modelo, em qualquer comparação com o que ocorre hoje, o Brasil certamente estará bem pior neste quesito (criminalidade infanto juvenil) daqui a cinco, dez ou vinte anos. As coisas não melhoram quando não se faz nada. E não existem soluções fáceis para um problema tão complexo.

Enfatizo: “O tempo é o senhor da razão.” “Quem viver, verá.”

Imagens:
jmnews.com.br
guiamilitar.com

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo XIV - Sudeste


 CAPÍTULO XV

BRASIL - SUDESTE

"Só tem o prazer da volta quem um dia partiu".


            O dia amanheceu e já estávamos no Espírito Santo. Entramos numa região cuja individualidade encerra o centro econômico do país. Mas esta supremacia, que se apoia num aproveitamento mais intensivo do espaço e dos recursos humanos e minerais, teve a sua construção com o esforço de brasileiros de todas as partes. Contornamos Vitória por fora e rapidamente já estávamos chegando no Rio de Janeiro.
            Antes de sair deste estado, resolvemos tomar uma foto de uma montanha muito bonita. Batemos a foto daquelas rochas com formas diferentes e interessantes. Mais tarde, comparando a foto com postais antigos, vimos que se tratado do "Frade e a Freira".
            Na divisa com o Rio paramos. O carro fazia um barulho estranho na suspensão e o Márcio queria dar uma olhada.
            - Tem um rachamento na longarina! Disse ele.
            - E isto é sério? Perguntei.
            - Muito não! Pode acontecer de a gente passar num buraco e ficar na estrada! Disse ele brincando e continuou:
            - Devemos avançar mais devagar para garantirmos a chegada!
            Devagarinho seguindo pela estrada vimos ao lado da pista um grupo dos sem-terra. Paramos um pouco para conversar com o líder deles. É a velha história: gente pobre e trabalhadora que quer apenas um pedaço de terra para plantar e viver com a família.

            Saímos dali e fomos até Campos, onde almoçamos. Passamos em Niterói e demos uma paradinha no Rio. Como estávamos fazendo nos outros lugares, decidimos apresentar no penúltimo dia nosso projeto para a maior emissora de TV do país. Mas daria muito trabalho atender três jovens aventureiros num final de semana, segundo a chefe da equipe de reportagem que nos atendeu. E afinal de contas ela também é "filha de Deus" e merece descansar, conforme ela mesmo disse.
            Saímos do Rio as dez da noite e estranhamente achamos o mapa embaixo do banco do motorista. Quem colocou ali? Sei lá. Provavelmente quem deu a bronca.
            Lá pela uma da madrugada, a bateria foi pro brejo e apagou na via na Dutra. Quando levantamos a tampa do motor vimos que o eixo do alternador tinha travado. A bateria não recebia mais carga e não nos era possível continuar. Única solução: tentar consertar o problema no alternador. Morrendo de sono desmontamos a peça e descobrimos que o rolamento tinha quebrado e as esferas saíram fora. Só um novo rolamento ou um jeitinho de "Macgiver". Como naquela hora não conseguiríamos um novo rolamento, fomos até um caminhão que estava estacionado próximo e tiramos com o dedo um monte de graxa emprestada. Lambusamos de graxa o que sobrou do rolamento e fizemos o teste. Funcionou! Saímos com faróis apagados para não forçar a bateria e iniciamos a contagem regressiva.
            Neste trecho final falávamos sobre o resultado final da nossa viagem. Agora, já chegando, vimos que nossos alvos foram alcançados. Ao darmos a volta pelos oito principais países da América do Sul e atravessarmos dezessete estados do Brasil vimos que o nosso primeiro alvo foi alcançado.
            O nosso recado ecológico foi dado. É claro que em virtude da nossa passagem rápida pelos lugares a nossa campanha foi limitada, mas por outro lado não há como medir seus resultados.
            Entrar para o Guinness foi uma ideia que surgiu após o plano inicial da viagem. E passou a ser um dos nossos principais alvos. No entanto, se entraríamos ou não para  o Livro dos Recordes, dependeria da análise que os responsáveis pela verificação dos recordes fariam.
            Entramos na marginal e começamos a sentir o prazer de chegar em casa de novo. No carro conversávamos dizendo que não haveria ninguém para a ansiada recepção. Pegamos a estrada de Itapecerica e chegamos no ponto exato da nossa partida. Fizemos uma prece agradecendo a Deus a proteção durante toda a viagem. Estávamos sós. Olhei o hodômetro do carro e peguei papel e lápis. O Márcio usou a calculadora. Foram 28.709 quilômetros em 47 dias de viagem pelo terceiro mundo. Chegamos!
            Nos abraçamos e parabenizamos como se os três tivessem ganho a medalha de ouro. E de fato ganhamos. Não a olímpica, mas a de quem consegue, quem luta, quem persevera até o fim, quem alcança a vitória. Não havia ninguém nos esperando. De repente chegou a família do Binho. Naquela hora, a nossa chegada, me fez lembrar uma frase do atleta Zequinha Barbosa que li certa vez no jornal: "Não corro para a imprensa ou para a TV, corro para mim e para meus familiares. São eles os que vão fazer festa para mim se eu chegar em 5º, 6º ou 10º lugar".
            

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo XIII - Nordeste


CAPÍTULO XIII

BRASIL - NORDESTE

"Você pode enganar algumas pessoas durante todo o tempo ou todas as pessoas durante algum tempo. Mas nunca conseguira enganar todas as pessoas durante todo o tempo". W. Churchill


Entramos no Maranhão já anoitecendo. Escolhemos manter o traçado da BR 316 e seguir pelo centro do estado. Em Santa Inês ficamos na dúvida se seguíamos para São Luiz ou continuávamos na rota da 316. Como o mapa que tínhamos nas mãos era insuficiente em informações, tocamos para Bacabal, centro-norte do estado.
            O Maranhão, como pudemos sentir, constitui uma área de transição entre a Amazônia úmida e enflorestada e o sertão de clima semi-árido e vegetação pobre.
            O que nos causou muitos aborrecimentos naquele estado foram os quebra-molas. Seguindo na nossa média, a cem por hora, de noite, só sentíamos o solavanco na direção e o pulo do carro. Depois vinha a placa avisando do "2º" quebra-molas. Aconteceu tantas vezes que quase fizemos um abaixo-assinado pedindo que eles "por favor" colocassem placas avisando dos primeiros quebra-molas.
            Mas é bem provável que, cansados como estávamos, não tenhamos visto algumas placas. Na altura de Bacabal, tivemos que comprar gasolina da mão de particulares, pois nos postos não havia.
            Passamos por Terezina, capital do Piauí, por volta da meia noite e pegamos a BR 343 até Piripiri. Pensávamos que íamos encontrar um Piauí castigado pelas secas, mas nos enganamos. É claro que não é mata amazônica, mas viajamos por cerrados aparentemente aproveitáveis. A partir de Piripiri, no entanto, ao seguirmos a BR 222, entramos na região do polígono das secas.

            Entramos no Ceará e quando amanheceu estávamos chegando a Fortaleza. Como fizemos com a maioria das cidades que conhecemos, demos uma rodada no centro da cidade antes de ir ao lugar de nosso interesse. Compramos um platinado novo e fomos conhecer a praia. O mar estava tão convidativo e a praia era tão bonita que quase tiramos a roupa para dar um mergulho. Tivemos que nos despedir sem fazê-lo, pois ansiávamos avançar. Telefonamos dali para os parentes pois já há alguns dias estávamos sem contato.
            Fomos para o Rio Grande do norte. Tentando cortar caminho, de acordo com o nosso mapa, fomos parar numa cidadezinha chamada Tangará e chegamos mais cedo a Paraíba. Passamos no subúrbio de João Pessoa e seguimos para Recife. Ao nos aproximarmos mais do litoral vimos o aumento da vegetação e algumas plantações, sobretudo de cana-de-açúcar, mas a Mata Atlântica, que cobria no passado uma extensa faixa de terra próxima do litoral, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, com largura média de 200 quilômetros, foi intensamente explorada e desmatada desde o período colonial, especialmente nesta região.
            No nordeste do Brasil essa mata praticamente já desapareceu, restando apenas o nome Zona da Mata nordestina onde ela existiu. E no sul do país também, cerca de 90% do Estado do Espírito Santo eram ocupados pela Mata Atlântica; hoje resta apenas um resíduo de 2%; no Rio de Janeiro restam apenas 13%. Os estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina tinham em média 85% de suas terras cobertas por essa floresta tropical. Atualmente, têm de 3% a 6%. A quase totalidade da floresta desapareceu, destruída pelo homem. Tarde da noite passamos por Recife e continuamos na BR 101 para Alagoas. Entramos em Maceió para sacar dinheiro no caixa eletrônico e na saída da cidade dormimos até amanhecer o 41º dia da viagem.
            Se alguns lugares marcam pela beleza, progresso ou conservação, outros marcam pela feiura, atraso e descaso. Quando pegamos novamente a BR 101 saindo de Maceió, passamos pelo pior trecho de estradas de toda a nossa viagem. Completamente esburacado, estragado, mal sinalizado e mal conservado está aquele trecho que vai de Maceió até a fronteira com o estado de Sergipe. Não se pode chamar de estrada. Ao lado da pista, homens, mulheres e crianças fazem de conta que estão tapando buracos tentando ganhar alguns trocados. Os caminhoneiros fogem deste trecho, com medo de estragar o veículo ou serem assaltados ( por causa da baixa velocidade ).
            Tentando seguir um pouco rápido, uma roda nossa entortou e o pneu murchou. Enquanto parávamos para trocar vimos o cavalinho de um caminhão passar naquele trecho a incrível velocidade de uns noventa por hora. Minutos depois um carro da polícia correndo atrás a uns setenta por hora. Roubaram mais um caminhão.
            Entramos em Sergipe e como num piscar de olhos a estrada ficou boa de novo. Cruzamos o "velho Chico" e avançamos para Aracaju. Almoçamos nas proximidades da capital do estado e -Bahia, ai vamos nós!
            Senti a falta do mapa da América do Sul, no qual vínhamos nos traçando uma linha sobre o nosso trajeto. Dei bronca no Márcio e  no Binho pelo sumiço da preciosidade.
            Fomos pela 101 e contornamos o recôncavo baiano. Vimos as plantações de fumo e um pouco antes algumas bombas antigas de extração de petróleo. No conjunto, todo o litoral do nordeste onde passamos é recheado de grandes e pequenas cidades. A influência cultural mais forte é a dos negros e nestas cidades do litoral vivem também inúmeras pessoas que abandonaram o sertão.
            A noite chegou e com ela uma estranha neblina que nos fez lembrar do deserto do Atacama. O ruim é que no sul da Bahia há trechos que não tem faixas demarcando as pistas. Mas com cuidado e seguindo alguns caminhoneiros mais experientes continuamos avançando.

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo XII - Brasil Norte


CAPÍTULO XII

BRASIL - NORTE

"Amo tanto a liberdade que tudo que amo deixo livre. Se voltarem é porque as conquistei, se não voltarem é porque nunca as tive". A. de Saint Exupery
  
            Bem na fronteira da Venezuela com o Brasil vimos que aquele asfalto lisinho e gostoso tinha acabado. E também havia acabado a parte castelhana da aventura.
            Brasil de novo. Que alegria. Para alguns esta terra não vale nada, mas para outros é tudo. Nós estávamos vibrando por voltar a nossa terra, nosso povo, nosso lar, nossa língua, mas também voltávamos com uma visão diferente de mundo e mesmo de Brasil. Cada dia que passamos lá fora, em contato com as pessoas, conhecendo novas cidades, novos lugares, passando por montanhas e vales, desertos, enfrentando problemas, foram dias de enriquecimento e crescimento para nós. E a despeito de todos os problemas que temos em nosso país, nós voltamos gostando mais dele e mais dispostos a lutar para melhorá-lo.

            Na fronteira vimos um monumento de amizade inaugurado pelos presidentes dos dois países. Coincidentemente os dois foram afastados através de um impeachment por suspeita de corrupção. Mas os homenageados nos monumentos são heróis e não serão esquecidos. Dom Pedro I e Simon Bolivar. Fizemos algumas reflexões na fronteira e entramos no Brasil. A BR 174, estrada de terra, até que não é das piores. São cerca de duzentos quilômetros desde a fronteira até Boa Vista. Só os primeiros quarenta quilômetros merecem um cuidado especial. Mas dali em diante deu para colocar até cento e vinte e levantar aquele poeirão. Após alguns trechos de mata amazônica, passamos por alguns campos aparentemente muito adequados para a pecuária. Embora possa ter um grande potencial de produção agropecuária, mais da metade de Roraima é de reservas indígenas. Portanto terras intocáveis. Mas parece que os garimpeiros não pensam assim. Não estão preocupados se foram os índios que chegaram primeiro aquele lugar. Querem ouro e parece que naquele lugar tem. E muito.
            Por volta do meio dia do nosso 30º dia de viagem chegamos a Boa Vista. Foram 27 dias e 17.545 quilômetros fora do Brasil e longe das cidades brasileiras. Boa Vista foi para nós o Brasil de braços abertos a nos receber de volta. Comemorações à parte, fomos procurar um bom restaurante para almoçarmos, pois a barriga esta lá nas costas.
            Após o almoço fomos até a TV Macuxi e apresentamos o Projeto América do Sul. Após sermos muito bem recepcionados, fomos entrevistados pela senhorita Juceliana Gonçalves no programa Camarim. Desejaram-nos sorte no restante da nossa viagem, pois ainda faltava muito até São Paulo.
            De Boa Vista poderíamos ir até Lethem na Guiana. Mas fomos informados que de Lethem a Georgetown a estrada estava impraticável, devido as muitas chuvas. Seguimos então até Caracaraí, já sabendo que de Caracaraí a Manaus teríamos que ir de balsa, pois até caminhões estavam retornando por causa das chuvas e atoleiros.
            Chegando a Caracaraí pensamos que tudo seria rápido. Era o dia 26 de julho e começamos uma procura pelo homem da balsa. Embora a cidade dependa disso, gastamos horas para descobrir quem era ele. Aí começou uma epopeia que durou quatro dias até a saída da balsa rumo  a Manaus. Nesses quatro dias de espera e de vai-ou-não-vai conhecemos um casal de americanos do Wyoming, Ryan e Cyndi Dutcher. Aventureiros, eles desembarcaram em Caracas com o sonho de atingir a Terra do Fogo de bicicleta. Haviam pedalado desde Caracas até Boa Vista, mas como nós, descobriram que só poderiam atingir Manaus de balsa. Eles arranhavam algumas palavras em espanhol e praticamente nada em português. E como na vida uma mão lava a outra, começamos a treinar o nosso inglês dando algumas orientações para eles.
            Os quase quatro dias que passamos em Caracaraí deixaram-nos apreensivos. Poderíamos, em condições normais ter avançado até quatro mil quilômetros. E um atraso significativo poderia ter consequências inesperadas em São Paulo, nosso alvo final. É que o diretor do colégio onde o Márcio e eu trabalhávamos poderia não compreender o que tudo aquilo representava para nós e mesmo para a escola. Mandamos um telegrama para o diretor geral e procuramos não pensar nisto e aproveitar os nossos dias conhecendo o povo da terra e falando sobre ecologia.
            Tivemos então o privilégio de conhecer o Deputado Federal Avenir Rosa e o prefeito de Caracaraí, Sebastião Portela. A visão de ecologia do prefeito "Tião" Portela foi intrigante e enriquecedora para nós:
"O caboclo que vive em nossas terras é acusado muitas vezes de atear fogo às matas e poluir os rios. Mas não é bem assim a história. Ele não é ambicioso como muitas pessoas do sul. Ele planta o suficiente para comer. Pesca o suficiente para comer, e vive feliz - pés descalços, duas mudas de roupa, um barraco. Sua mulher e seus filhos também são felizes. Não sonha em ter carros, casas, propriedades. Não tem em sua casa aparelhos eletrônicos, luz elétrica, água encanada e outros itens de conforto. Mas é feliz. Esta é a diferença. Muitos de vocês tem tudo isso, mas vivem angustiados com o trabalho, com a poluição das grandes cidades, preocupados com os bandidos e com a segurança. Querem comprar mais e ter mais. Mas não são felizes. Daí muitos saem lá do sul e vem prá cá para tentar a vida. Querem plantar muito, colher muito, vender muito ou achar muito ouro. Queimam, poluem e no final a culpa cai no homem da terra, que não tem estas ambições. E se algum dia  o caboclo vir a queimar, é porque ele não tem um monte de "boias-frias" para cortar o mato pra ele. O que ele vai fazer? Ficar esperando de braços cruzados que o terreno seja limpo? Nós somos mais pobres, mas poluímos muito menos e conservamos muito mais do que vocês." O recado estava dado.
            Já na balsa, iniciamos a descida de 3 dias do Rio Branco. Estávamos em um grande Rio da bacia Amazônica que é a mais vasta bacia fluvial do mundo, abrangendo uma área de 6,2 milhões de quilômetros quadrados. Banha terras do Brasil, Peru, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Desse total de 6,2 milhões de quilômetros quadrados, quase quatro milhões encontram-se em território brasileiro. Os centros dispersores de água da bacia Amazônica localiza-se nas Cordilheiras dos Andes (onde nasce o Rio Amazonas), no planalto das Guianas (onde nascem os afluentes da margem esquerda do Amazonas) e no planalto brasileiro onde nascem os afluentes da margem direita. O Rio Amazonas, primeiro do mundo em volume de água e segundo em extensão (o primeiro é o Nilo) é um rio de planície, o que favorece a navegação. Seus afluentes apresentam grande potencial hidroelétrico, pois são rios que descem de planaltos.
            Passamos por reservas indígenas e a área da missão Catrimani. Fizemos amizade com muitos caminhoneiros, enfrentamos um sol de rachar os miolos, vimos o boto uma vez e comemos uma comidinha ruim, mas que dava para descer. Embora os dias custassem a passar na balsa, aproveitamos para descansar e repor as energias para o trecho que faltava. Na chegada a Manaus despedimo-nos dos americanos e dos caminhoneiros como se todos fossemos membros de uma grande família.
            A nossa passagem por Manaus foi rápida. Meio dia desembarcamos sob um frio de 17 graus (raríssimo para a região) e por volta das 13:30h. estávamos almoçando por conta da Silva & Filho. O sr. Paulino Filho, sócio do pai do Binho, nos ajudou a pegar o barco que seguia para Belém. Passamos tão rápido pelo centro da cidade que só deu tempo de conhecer o teatro Amazonas, construído no esplendor da época da borracha. Às 17:00h já estávamos embarcando no "Cisne Branco". O embarque do carro foi uma comédia. Do porto para o barco colocaram duas tábuas e desceram o carro. Só vendo. Parecia que o carro ia cair dentro do rio Negro.
            Com uma hora de viagem vimos o encontro das águas do Rio Negro com o rio Solimões. Um espetáculo de rara beleza. Os rios se encontram, mas as águas parecem não querer se misturar. Ao longe vimos uma queimada.
            Estas queimadas, muitas vezes sem controle, aumentam em muito o desmatamento na região. As áreas desmatadas na Amazônia já somam mais de 250 mil quilômetros quadrados, segundo levantamento e estudos realizados por satélites do INPE. Esta cifra praticamente corresponde à área total do estado de São Paulo.
            Se a devastação continuar nesse ritmo em poucos anos a floresta Amazônica desaparecerá, e isso terá consequências muito sérias, como erosão do solo, entulhamento dos rios pela deposição de detritos trazidos pelas enxurradas, o quíntuplo de enchentes, alterações no ecossistema e no clima além de não trazer nenhum progresso para a população. O grande poder de recuperação da mata Amazônica é que tem impedido uma catástrofe ambiental.
            Como o carro "viajou" junto conosco, no compartimento de passageiros, eu dormia dentro do carro. O Márcio e o Binho dormiram em redes, como todos os outros do barco.
            Foram mais quatro dias de viagem. Conhecemos inúmeras pessoas e vimos lugares e cenas especiais: o rio Tapajós com suas águas transparentes, o estreito de Óbidos (com profundidades marítimas), a largura do rio próximo a Manaus (mais de 10 Km), os grandes peixes no mercado em Santarém ("Filhote" e o "Tucunaré"), o estreito de Breves (só 200 metros de largura) e vários "nascer e por-do-sol". A comida do barco era péssima, mas a tripulação era muito simpática. Conhecemos o garimpeiro João Batista Carvalho, que passou 27 dias preso na Venezuela junto com outros doze garimpeiros. Ele ainda se queixava dos maus tratos na prisão, mas reconhecia que de fato estavam garimpando na Venezuela. Fizemos amizade também com um juíz de futebol, o Sr. Antonio J. S. Oliveira, de Santarém. Ele contava tanta coisa e queria ensinar tanto sobre a Amazonia que tivemos até que anotar para não esquecer.
            Finalmente, no dia 4 de agosto, 39º dia da viagem, chegamos em Belém do Pará. Foram dez dias entre Caracaraí e Belém e 3.100 quilômetros. Culturalmente, foi sem dúvida, um dos trechos mais ricos. Com relação ao ritmo de avanço da viagem, a média caiu muito e com certeza chegaríamos após o início das aulas em São Paulo. Só para se ter uma idéia comparativa, entre o 6º e o 16º dia da viagem nós rodamos 8.645 quilômetros (Viedma - Punta Arenas - Lima). Mas num projeto de viagem deste porte, sabíamos que o tempo era importante, mas não o principal. E o tempo é relativo...
            Pegamos a BR 316 rumo ao Maranhão.

domingo, 5 de maio de 2013

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo XI - Venezuela

CAPÍTULO XI

VENEZUELA

"Nenhuma reserva, nenhum recuo, nenhuma queixa".
                                    Hudson Taylor

            A entrada no paraíso sul-americano do petróleo foi feita num dia de sol. Na cidade de San Antonio Del Táchira conseguimos a permissão para rodarmos em território venezuelano.
            Tínhamos dois caminhos para Caracas. Um seguindo o último trecho da Cordilheira dos Andes e o outro pela planície de Barinas. Qual escolhemos? Sem sombra de dúvida, pegamos a estrada da planície e pé na tábua.
            Resolvemos dar uma abastecida antes de avançarmos mais. Já estávamos curiosos para saber o preço da gasolina. Incrível. Seis tipos de gasolina: de 88 a 98 octanas. E também tem a gasolina ecológica (sem chumbo). Colocamos a melhor. Com apenas um dólar compra-se quinze litros. Da mais barata, pode se comprar dezenove litros com um dólar. O carro passou até a render mais. Teríamos cerca de 850 quilômetros até Caracas e pelos nossos cálculos gastaríamos só seis dólares em combustível para esta distância.
            Em Barinas paramos para jantar e comemos um prato muito comum na Venezuela: pollo em la brasa (frango assado na brasa). Veio servido sobre uma tábua que parecia um batedor de carne. Mas era apenas uma maneira típica de servir. Na saída, a dona do estabelecimento nos disse:
            - Voltem sempre para comer aqui!
            Sorrimos, embora a possibilidade de voltarmos sempre ali era tão remota como a chuva no deserto de Atacama. Amanhecia o 28º dia da viagem quando chegamos a Caracas. Nesta cidade nasceu o "libertador da América" - Simon Bolívar. Responsável também pela independência da Colômbia, do Peru e da Bolívia, ele é o grande herói nacional.
            Adentrando o centro da Caracas, com seus inúmeros edifícios, avenidas e viadutos, vimos que a capital mais ao norte da América do sul é também uma das mais bonitas. Com paciência começamos a procurar um hotel onde pudéssemos nos hospedar a um preço acessível. Também procurávamos encontrar o endereço da União Venezuelana da Igreja Adventista. Depois de muita procura, não conseguimos nenhum deles. Os hotéis ou eram muito caros ou não tinham vagas. Já quanto a União Venezuelana, não conseguimos localizá-la com o endereço que tínhamos em mãos. Nessas voltas que demos dentro de Caracas aproveitamos para conhecer melhor a cidade. Vimos os carrões americanos por todos os lados. Bem, quase não vimos carros pequenos. Parece que a crise do petróleo nunca vai chegar a este lugar.
            Ali estávamos, no ponto mais ao norte da nossa viagem. Exatos 11.626 quilômetros percorridos desde o ponto mais ao sul -Punta Arenas. Lá embaixo 10º negativos e ali em Caracas 28º positivos. Dezoito dias de viagem separaram uma cidade da outra. Já havíamos percorrido 18.246 quilômetros desde São Paulo e percebemos que a previsão inicial de 25.000 km seria ultrapassada.
            Ali em Caracas estávamos na região do Caribe, a apenas 250 km de Bonaire, 300 km de Curaçao e 400 de Aruba. Tão perto e tão longe. Não teríamos tempo para um passeio por estas ilhas paradisíacas.
            Decidimos seguir até Barcelona e passar a noite naquela cidade. Saímos pela estrada  com um sol de rachar os miolos. Um pouco antes de Guarenas, na grande Caracas, entramos num gigantesco congestionamento em plena rodovia. É que todos estavam indo passar o final de semana na praia. Dureza. Chegamos a descer do carro. No sol devia estar uns 35 graus positivos. Quando pegamos pista limpa o pneu furou pela terceira vez na viagem. Os pneus dianteiros estavam ótimos, pois antes de sair de São Paulo eu coloquei dois novos. Mas os traseiros eram já de meia vida quando iniciamos o projeto. Mas eles teriam de aguentar até o fim.
            Paramos numa borracharia meio suspeita, caindo aos pedaços, mas receávamos não encontrar outra. Todos nos olhavam com olhares suspeitos. Um homem alto, de pele morena, forte e cortês  aparentando uns cinquenta anos era o dono. Disse-nos que tomássemos cuidado com as nossas coisas no carro, pois o lugar ali era barra pesada. Após consertar ele viu que a nossa roda estava amassada. Com uma marreta na sua mão esquerda, pois a sua mão direita fora decepada, ele começou a bater num toco sobre a roda. O toco era segurado por um de seus auxiliares. Enquanto ele batia, nós só aguardávamos o momento dele acertar com a marreta, a mão do rapaz. Mas o borracheiro era bom no negócio e deixou a roda certinha de novo. Observamos também que o corpo dele estava cheio de cicatrizes e marcas de bala. Sem comentários.
            Já próximos a Barcelona, vimos o mar de novo. Oceano Atlântico. Mar do Caribe. Tentamos nos lembrar quando tínhamos visto o mar pela última vez. Ah, tinha sido no norte do Peru, um pouco depois de Chimbote, no deserto de Sechura. Já fazia uma semana. Vibramos. Parece que ao ver o Atlântico nos sentimos mais perto de casa.
            Quase em Barcelona, o Binho conduzia a uns cem por hora. De repente, como num filme, sentimos um vento e um barulho passando ao nosso lado. Era um esportivo Oldsmobile, de cor preta, a mais de duzentos por hora. Que incrível. Na hora o Binho deu um berro de susto.
            - Você viu isto? Perguntou ele.
            - Ver, eu não vi não, mas eu escutei! Disse brincando.
            Em Barcelona encontramos o hotel Oviana, com ar condicionado e um precinho suave. Após um banho gostoso ( não tomávamos banho desde Ipiales - Colômbia ) saímos para fazer compras. O Binho saiu na rua com seu calção de pijama preto com bolinhas brancas. Como ninguém sabia que era o pijama dele, não havia problema. Mas o Márcio e eu ríamos de doer a barriga. Filmamos para o arquivo aquela cena pitoresca. Entramos em uma "tienda" de roupas. Cada um comprou alguma coisa. Mas o Márcio quase saiu da loja com mais que uma camiseta. A vendedora queria passear com ele.
            Cedo no outro dia fomos para Puerto la Cruz, um balneário chique com ares de Guarujá. Da praia pudemos ver um gigantesco transatlântico partindo para mais um cruzeiro pelo mar do caribe. Barcos e iates estavam ancorados bem próximo do centro comercial da cidade.
            Aquele ali, sem sombra de dúvida era um dos lugares mais belos que vimos nesta viagem. O mar de águas incrivelmente azuis. As belas praias. As belas mulheres. Só havia um detalhe que desagradava - parece que tudo ali era só para os ricos. Bem próximo haviam vários resorts e casas com garagens para os barcos. Despedimo-nos de Puerto La Cruz dando uma entrevista para o jornal El Norte.
            Almoçamos em Maturin e nos avisaram para apressarmo-nos, pois a balsa que faz a travessia de Los Pozos para Ciudad Guayana não funcionava à noite. Saímos a mil e chegamos a tempo de colocar o nosso carro sobre uma das últimas balsas que faria a travessia. Naquele trecho o rio Orenoco tem uns três quilômetros de largura e dele vimos o sol se por. O Rio Orenoco, juntamente com seus afluentes, forma uma grande bacia fluvial no norte da América do Sul, em terras da Venezuela e da Colômbia. Suas nascentes localizam-se nos altos planaltos andinos da Colômbia. No curso médio inferior, o Rio Orenoco é de planicie, portanto navegável.
            Jantamos em Upata e pegamos a estrada para Santa Elena de Uairén, na fronteira com o Brasil.
            Obviamente nossos planos iniciais previam a nossa ida da Venezuela para a Guiana Inglesa. Entretanto, o que havíamos verificado nos mapas antes de sair de São Paulo confirmou-se: não existem estradas ligando a Venezuela à Guiana. E a região fronteiriça entre os dois países está em disputa. Eles chamam de "zona em reclamacion". Assim nenhum dos países pode investir sobre esta região construindo estradas ou cidades. A nós coube-nos a única alternativa que tínhamos: seguir para a fronteira com o Brasil no estado de Roraima.
            Lá pelas onze da noite o Binho seguia bem rápido quando surgiu a placa avisando da presença de policiais rodoviários. Mal deu tempo de reduzir e passamos sobre os quebra-molas da "Alcabala" a uns cinquenta quilômetros por hora. O Binho retrocedeu um pouco e o policial pediu para descermos do carro. Pegou os documentos e ficou pensando. Depois disse:
            - Vocês estão com pressa, não é? Então vão ficar aqui por uma hora até a pressa passar!
            Ficamos assentados ali sem dizer nada. Logo um outro policial percebeu que podia tirar proveito da situação. Disse-nos que iríamos ficar ali até as dez da manhã do dia seguinte ou se "déssemos" alguma "ajuda" poderíamos ir embora antes. Continuamos calados. Nessa hora passou um morador da região e "deu" um queijo e uma garrafa com alguma bebida para os policiais.
            - Está vendo! É só colaborar e vocês poderão ir embora! Repetiu aquele policial. Continuamos calados. Cochichamos entre nós que não iriamos dar um centavo que fosse de suborno ou propina.
            Após um cinquenta minutos o chefe daquele posto de polícia (Alcabala), veio e disse:
            - Você estava pedindo a Deus que nós deixássemos vocês irem embora? (Porque eu estava assentado com a cabeça baixa, falando comigo mesmo e com Deus).
            - Sim!
            - Então podem ir embora. Eu também sou religioso! Boa viagem para vocês!
            Agradecemos e pé na tábua. Pedimos para que o Binho tomasse mais cuidado. O dia clareou e chegamos em Santa Elena. Carimbamos a nossa saída da Venezuela e rumamos para a fronteira. Não dava mais para esconder: estávamos com saudades do Brasil.

sábado, 4 de maio de 2013

Uma Aventura de Carro pelos Caminhos da América do Sul - Capítulo X - Colômbia

CAPÍTULO XI

COLÔMBIA

"Não sei bem os caminhos pelos quais Deus guia, mas eu conheço bem o Guia". M. Lutero

            Passamos a ponte internacional de Rumichaca e sentimos uma tremenda diferença desta nova fronteira para a anterior. Bem organizado e com prédios novos, o posto de fronteira da Colômbia com o Equador fez-nos sentir em um país moderno e eficiente. Deram-nos rapidamente o visto e nos disseram que podíamos passar a noite em Ipiales. No dia seguinte teríamos de procurar a polícia aduaneira em Ipiales e apresentar os documentos para a liberação do veículo. Trocamos cem dólares por cerca de oitenta e cinco mil "pesos oro" e entramos na cidade. Procuramos com calma um hotel e uma garagem segura para o carro. Pagamos quatro dólares pelo hotel e fomos passear à noite pela cidade a procura de um lugar para comer. Encontramos um bom restaurante e comemos um bife com batatas. Voltando para o hotel estávamos felizes por podermos dormir em camas, pois desde Lima só dormíamos no carro. Felizes também por que poderíamos viajar sozinhos na Colômbia, sem nenhum policial conosco.
            Íamos dormir um sono reparador, quando o Binho resolveu conectar o recarregador da bateria do vídeo na tomada. Como ele não conseguia, resolveu desparafusar a tomada e conectar diretamente nos fios. Na hora de fazer a conexão, ele, com uma faca especial, tipo rambo, resolveu separar os fios um pouquinho mais e bum!!!??!! tudo escuro. O Márcio, que estuda engenharia elétrica falou:
            - Eu te falei que a mãe desse cara batia nele com tamanco!
            Demos gargalhadas no escuro, mas sentimos o compromisso de consertar o mal feito. Descendo pelas escadas do hotel, percebemos que só o nosso andar, o 4º, é que estava no escuro. Conversando com o recepcionista, ele nos disse que escutou um barulho e foi verificar o controle geral de eletricidade na portaria. Não viu nada. Mas junto conosco ele olhou novamente e viu que o fusível referente ao quarto andar estava queimado. O Márcio se ofereceu para consertar e em dez minutos o serviço estava pronto.
            Ainda saímos pela cidade para passear um pouco. Fazia muito frio e conversando com as pessoas na rua ficamos sabendo que aquela cidade estava encravada nos Andes a mais de três mil metros de altitude. Com cerca de cem mil habitantes e vários atrativos turísticos, Ipiales é a porta do sul da Colômbia.
            Quando amanheceu o 25º dia da nossa viagem fomos rapidamente arrumar as malas no carro. Enquanto guardávamos as bagagens, o Márcio percebeu que sua jaqueta forrada de lã havia desaparecido. Ele ficou muito chateado e por mais que a procurássemos não a encontramos.
            Fui então até a Aduana apresentar a documentação do veículo. Em vinte minutos já estávamos liberados para seguir rumo a Bogotá. Resolvemos após enviar alguns postais e comprar um mapa conhecer o principal ponto turístico da cidade: O Santuário de Las Lajas. Esta catedral é um atrativo turístico e religioso por excelência. Construída sobre um abismo, esta igreja atrai católicos de todas as partes. São atribuídas a Nossa Senhora de Las Lajas vários milagres e os fiéis colocam nos muros placas de agradecimento à santa.
            Deixamos Ipiales já com uma boa impressão do que seria a Colômbia. Logo na saída fiquei relembrando os meus dias de pesquisa nos atlas e mapas seis meses antes. Recordava-me de haver colocado aquela cidade no roteiro e que, de acordo com o mapa, a viagem seria sobre a cordilheira dos Andes. Viajaríamos sobre a montanha desde Quito no Equador, até Cúcuta, na fronteira Colômbia-Venezuela.
            Naquele lugar fiquei pensando como este mundo é tão grande e ao mesmo tempo tão pequeno. Enquanto vivemos a nossa vida corrida e agitada em São Paulo e nem sabemos que existe uma cidadezinha chamada Ipiales, eles seguem a sua rotina e vão vivendo também, independente de nós. Mas ao mesmo tempo vivemos em função uns dos outros. Os que plantam, colhem para si e para outros; os que produzem, produzem para os que compram e fazem com que a economia complete o círculo de produção e consumo; os que compõem músicas, fazem-no para que outros desfrutem as belezas dos sons; os que escrevem livros,
partilham sua experiência e visão do mundo com os seus leitores... Enquanto eu refletia sobre isto, a estrada era um sobe e desce sem fim. Às vezes descíamos até oito ou dez quilômetros de uma só vez. Em contrapartida a subida que vinha em seguida era de quase fundir o motor. Com a estrada muito sinuosa e ladeada por abismos, tínhamos que conduzir numa média de setenta por hora.
            Quando entramos no departamento de Cauca, próximos a cidade de Patía, tivemos o segundo furo de pneu da viagem. Aproveitamos a parada obrigatória para observar os despenhadeiros profundos que estavam ali ao lado da estrada. A estrada era de um bom asfalto e bem sinalizada. Mas começamos a perceber que isto tinha um preço: a cada oitenta quilômetros encontrávamos um posto de pedágio. Analisando um pouco melhor esta situação concordamos que era melhor pagar pedágio e andar em boas estradas do que não ter pedágio e andar por um caminho da roça.
            Embora estivéssemos em uma região tropical, a cordilheira dos Andes marcava os seus efeitos: nas altas montanhas das regiões de baixas latitudes, ou seja, na zona intertropical ou tropical, pode-se observar a influência da altitude e, por conseguinte, do clima sobre as formações vegetais.
            A temperatura do ar atmosférico diminui à medida que aumenta a latitude. Assim, mesmo situada na região tropical, uma montanha alta apresenta, em vista das suas diferentes altitudes, vários andares ou faixas de vegetação. Cada andar ou faixa tem um tipo de clima, e a cada tipo de clima correspondente um tipo de formação vegetal.
            A cordilheira dos Andes enquadra-se nesse caso:
            * de 0 a 600 metros, são encontradas palmeiras representando o clima e a floresta tropical;
            * de 600 a 1.200 metros, encontram-se florestas de folhas caducas, ou seja, florestas que perdem as folhas no inverno e que são características do clima subtropical;
            * de 1.200 a 2.400 metros, a vegetação, representada pelos pinheirais e é chamada floresta de coníferas, o clima é temperado;
            * de 2.400 a 3.000 metros, surgem pinheirais e os campos, vegetação que corresponde ao clima frio;
            * acima de 3.000 metros, dominam as neves eternas, e o clima é polar.
            A Colômbia então nos presenteava com os belos Andes. Como na maioria, as montanhas daquela região não são muito altas, uma boa parte delas são cultivadas. Era interessante e agradável ver os Andes recortadinhos, cheios de plantações variadas. A base da economia deste país, que homenageou com seu nome o descobridor do continente, é a agricultura. A maior parte dos alimentos que eles produzem são para exportação. Também são grandes exportadores de café.
            A Colômbia tem ainda o privilégio de ser banhada pelo Atlântico e pelo Pacífico, além de ter a ligação por terra com a América Central. Esta ligação por terra não resultou em estradas, pois na fronteira entre a Colômbia e o Panamá existe uma região pantanosa e de montanhas. O custo da construção de estradas por este local seria altíssimo, o que é inviável para os dois países e parece não ser do interesse dos países ricos. Assim, o estreito de Darién, que tem apenas cento e cinquenta quilômetros em linha reta, separa a Colômbia do Panamá e da região do canal, por onde passa grande parte do comércio mundial. É o único trecho interrompido da mais extensa estrada de rodagem do mundo - a Rodovia Panamericana. Ela tem início no noroeste do Alasca, extremo norte das Américas, passa pelo Canadá, Estados Unidos, México, toda a América Central (continental), continua na Colômbia, Equador, Peru, Chile, Vira em direção a leste, a Buenos Aires e sobe para  o norte, terminando em Brasília. Possui mais de 24.140 quilômetros de comprimento.
            O único trecho incompleto, o desfiladeiro de Darién, foi atravessado totalmente por terra por Loren Lee Upton e Paricia Mercur com um jeep, modelo 1966. A jornada foi iniciada em Yaviza, no Panamá, no dia 22 de fevereiro de 1985 e concluída dois anos e onze dias depois, a 4 de março de 1987 em Riosucio na Colômbia. Antes delas o LandRover "La cucaracha carinosa" (A barata carinhosa) da expedição trans-Darién, com os pilotos Richard Bevir (Inglaterra) e Terence John Whitfield (Austrália) fizeram a travessia. Também partiram do Panamá, só que da cidade de Chepo, a 3 de fevereiro de 1960 e atingiram Quibdó na Colômbia, a 17 de junho daquele mesmo ano. Em meio a indescritíveis dificuldades eles conseguiram fazer uma média de duzentos metros por hora. Dessas duas experiências tira-se uma base de como é difícil este caminho.

            Na nossa jornada nós seguiríamos para o nordeste da Colômbia, pois o nosso alvo era a Venezuela. O nosso caminho era mais fácil que o desfiladeiro de Darién, mas com certeza, o mais cansativo da nossa viagem. O fato de viajarmos todo o tempo sobre altas montanhas e por estradas com muitas curvas, subidas e descidas, gerava uma tensão e um cansaço muito grande. Jantamos em Popayan e seguimos rumo a Cali. Um erro na leitura das placas próximo a Cali nos fez andar quase cem quilômetros a mais. Meio perdidos, às onze da noite, usamos até a bússola para conferir que rumo deveríamos seguir de acordo com o mapa.
            Quando passamos por Armênia, começamos a sentir um problema com a bateria. Demos uma bronca no Binho por causa do seu costume de deixar os faróis acesos. Mas coitado, a culpa era mesmo da velha bateria que já dava sinais de cansaço. O trecho entre Armênia e Ibague, no caminho para Bogotá é uma travessia de altas montanhas na cordilheira. A coisa começou a ficar feia. Os faróis apagaram e a carga ficou quase no fim. Se desligássemos o carro, ele não pegaria mais. No alto daquelas montanhas numa temperatura na casa de 2 ou 3 graus positivos, tivemos que parar para desligar as luzes de freio, pois elas "roubavam" o restinho de carga que havia. Finalmente começou a descida, mas o motor dava umas explosões violentas. O Márcio, nosso mecânico-chefe explicou:
            - Nesta altitude, com o ar rarefeito, a mistura ar-combustível fica muito alterada. A mistura fica muito rica em combustível e aí tem lugar estas explosões!
            Explicações a parte, a nossa situação estava muito complicada. O céu coberto de nuvens, a estrada completamente escura e um monte de precipícios ao nosso lado. O Márcio pegou a lanterna e abriu o vidro. Iluminava a estrada com aquela luz fraquinha. Quase batemos mais de uma vez com os poucos carros que surgiam em sentido contrário.  Não dava para enxergar quase nada e todos estávamos temerosos. Do banco traseiro eu pedia a Deus que nos ajudasse a sair daquela situação. Neste momento seguíamos a frente de um carro que tentava nos ultrapassar. Aproveitando a iluminação dos faróis dele, seguimos à sua frente. Percebendo a nossa situação, ele nos ultrapassou e sinalizou para pararmos. Era um motorista de táxi que ia para as proximidades de Bogotá e ofereceu sua ajuda. Prontamente aceitamos e aquele bom homem reduziu a sua velocidade para que pudéssemos segui-lo de perto. Chegamos em Ibague e despedimo-nos daquele homem, que com certeza nunca mais o veríamos.
            Mas, mal saímos de Ibague, o carro morreu. Com muita dificuldade conseguimos fazê-lo pegar de novo. Seguimos até uma cidadezinha chamada Melgar. Ali levamos a bateria para recarregar e compramos "recuerdos" (lembranças), pois já havia amanhecido. Caminhando pelas ruas começamos a perceber uma semelhança entre esta e as outras cidades colombianas que havíamos parado - muitas mulheres bonitas. Para dizer a verdade, não nos lembramos de haver visto mulheres feias nessa terra de  montanhas.
            Com a bateria recarregada seguimos para Bogotá. Finalmente chegamos na capital do país. Enfrentamos um pouco do trânsito urbano e decidimos almoçar em algum restaurante na estrada.
            A nossa campanha ecológica a nível de escolas havia acabado no Equador. A Colômbia e a Venezuela seguem o calendário do hemisfério norte, com as férias começando em junho e se estendendo até agosto. E também não havíamos conseguido estabelecer nenhum contato a nível educacional nestes países. Mas continuamos a falar de ecologia com várias pessoas.
            Almoçamos numa churrascaria na saída de Santa Fé de Bogotá (este é o nome da capital). O dono desta churrascaria é um ator que já esteve diversas vezes no Brasil. Nas paredes, posters de paisagens brasileiras e de Gal Costa, Chico Buarque, Toquinho e outros artistas do Brasil. Percebe-se que ele é super fã do Brasil. Esta, aliás é uma tônica na América do Sul. O Brasil é visto como um país especial. Todos consideram o Brasil  uma potência, mesmo os argentinos. Respeitam e consideram o Brasil, embora os países da orla do pacífico ainda achem que nosso país tem desejos expansionistas e que sonha em ter terras banhadas por aquele oceano.
            Pegamos a estrada para Tunja e depois para Bucaramanga. Neste trecho as curvas eram muito acentuadas. Num dado momento, lá pela meia noite o Márcio pegou a direção. Era numa subida e ele conduziu por cerca de uma hora e meia e ainda estávamos na mesma subida. Já meio fora de si, o Márcio parou o carro e saiu caminhando pela estrada. Coitado, teve um colapso nervoso em virtude da tensão e ansiedade geradas pela dificuldade do percurso. Mas tudo bem. Voltou pro carro e guiou mais meia hora. Quando me passou a direção estávamos na mesma subida. Só depois de eu conduzir por cerca de uma hora, teve início a descida.
            Lá pelas cinco da manhã chegamos a Cúcuta, sentimos um alívio porque não veríamos mais tantos pedágios (passamos por 18 pedágios em 1500 quilômetros). Dormimos um pouco até a fronteira abrir. O Binho tentou dormir no relento, mas o vento forte o fez vir depois para o carro. Ali em Cúcuta vimos a grande dificuldade para se conseguir um visto para a Venezuela. Como a Venezuela é um país rico, em se tratando de produção petrolífera e também é mais desenvolvido que a Colômbia, parece haver um movimento de migração muito forte que as autoridades venezuelanas tentam impedir. Uma das medidas é o custo do visto. Custa trinta dólares a entrada na Venezuela para os colombianos e a autorização do visto pode demorar semanas.
            Como estávamos no lado Colombiano da fronteira também teríamos de pagar trinta dólares cada um. Só que não podíamos esperar dias ou semanas até sair o visto. Percebendo a nossa situação, um padre colombiano, o Sr. Jesus Vera Monjalve, ofereceu-nos ajuda. Indicou-nos com quem deveríamos falar e acompanhou-nos até  Banco para pagarmos a taxa do visto. Felizmente tudo deu certo e o visto saiu no mesmo dia.
            O Pe. Jesus Monjalve tornou-se um amigo nosso em pouco tempo. Deu-nos o endereço de sua paróquia em Bogotá e  o seu Código de radioamador. Enquanto aguardávamos a entrega dos passaportes ele se interessou em saber o nosso ponto de vista sobre ecologia.
            Eu lhe expliquei que estudar ecologia exige estudos, reflexões, leituras sobre ecossistemas, destruição do meio ambiente, poluição atmosférica, poluição das águas, poluição sonora, etc. É muito bom também conversar com pessoas que tenham formação em ciências da natureza (Biologia, Química, Ecologia, etc.). Só assim, uma pessoa pode formar uma ideia abrangente e mais séria de Ecologia.
            Ecologia, que vem do grego OIKOS, que significa casa, e LOGOS, que significa estudo, diz respeito ao estudo dos ecossistemas. Quando existe harmonia no ambiente inanimado (ar, água e solo) e os seres vivos que habitam este ambiente, podemos dizer que há um equilíbrio ecológico. Mas devido à imprevidência no uso dos recursos da natureza, à ganância de obter maiores lucros ou mesmo pela ignorância quanto à necessidade de preservação do meio ambiente, o homem está promovendo um desequilíbrio ecológico cada vez mais acentuado.
            Entretanto ecologia não é somente uma questão relativa à natureza. É principalmente uma questão econômica, política e cultural, porque o homem age na natureza segundo os padrões ou costumes (econômicos, políticos e culturais) criados por ele mesmo, ou seja, segundo o tipo de civilização que criou.
            Nossa civilização preocupa-se em transformar a natureza e seus recursos (solo, vegetação, rios, ar etc.) em mercadorias, para deles obter lucro. Em vista disso, intensificou-se a exploração da natureza, com a consequente destruição do meio ambiente.
            A sociedade de consumo interpreta a natureza e seus recursos não como fonte de vida, mas apenas com fonte de lucro. Este desequilíbrio na natureza se reflete no desequilíbrio da sociedade e vice-versa: miséria, pobreza, fome, desnutrição, violência, injustiças na distribuição da renda ou da riqueza etc., e; na natureza, desequilíbrio ecológico, destruição de ecossistemas, destruição do solo, morte e até mesmo extinção de animais, peixes e insetos, poluição das águas, poluição do ar etc.
            Após ouvir o nosso ponto de vista, o Pe. Monjalve disse que o seu país sofre de alguns efeitos destes desequilíbrio e que ele gostaria de receber materiais sobre ecologia.

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