CAPÍTULO
IV
ARGENTINA
"Do que
adianta um amigo que fica, só porque ele não pode ir embora". A. de Saint
Exupery
A despeito da tradicional rivalidade
a Argentina é um país receptivo aos brasileiros.
No caminho dos pampas o Binho
encontrou naquela madrugada um outro animalzinho que também gosta de atravessar
as estradas ànoite: a lebre. O problema é que elas só atravessam quando vêem a
luz dos carros. O Binho, porém, atravessou aquela parte sem atropelar nenhum
coelhinho.
Chegamos no PUIGARI5 às três da manhã. Felizmente eles já nos
esperavam (ligaram do IAU avisando) e dormimos ali.
Ao amanhecer fomos procurar um dos
diretores que eu já conhecia. No caminho para o prédio da administração da
Universidade, tivemos de escutar calados um coro de alunos:
Goico! Goico! Boiadeiro!
Eles estavam se referindo à defesa
do penalti que o goleiro Goicochea fez no último jogo Brasil X Argentina, dias antes. Boiadeiro, o jogador
brasileiro que perdeu o penalti, era o alvo maior da gozação.
O diretor financeiro, Roberto Matos,
era um velho conhecido meu, e nos deu uma fantástica recepção ali na
Universidade. A TV Cabo, da Província de Entre Rios, tem um espaço aberto para
a Universidade e convidaram-nos para uma entrevista. Logicamente utilizamos
aquele espaço para divulgar a viagem e a campanha ecológica. Após conhecermos
as instalações e os prédios da Universidade, juntamente com uma senhorita
comissionada para nos acompanhar, almoçamos e seguimos para a capital do TANGO,
Buenos Aires.
Saímos das proximidades de Paraná e
Santa Fé, rumo sul. Os pampas argentinos são muito bonitos. São planícies de
perder de vista. Muito gado bovino nesta região. Vários alagados também fazem
parte do cenário. A estrada por estes lugares possui algumas retas de dezenas
de quilômetros.
À medida em que avançávamos para o
sul, a temperatura caía. Ali, nas proximidades de Buenos Aires era de uns 5 ou
6 graus positivos.
Chegamos a Buenos Aires, que abriga
quase a metade da população argentina. Queríamos encontrar a Fábrica de
Alimentos GRANIX, pois o chefe ali é um conhecido meu. No entanto, não
encontramos o endereço da Fábrica e então fomos para a União Austral da Igreja
e das Escolas Adventistas. Ali, um senhor argentino, Rubem José, tesoureiro de
uma escola em Misiones, se dispôs prontamente a nos mostrar a cidade.
Com a filmadora e a máquina
fotográfica prontas saímos sob orientação do Sr. Rubem José. Passamos em frente
ao estádio do River Plate e seguimos ladeando o porto. Quando passamos em
frente à Casa da Moeda, o nosso guia disse que ali era um bom lugar para
filmar. Descemos e enquanto o Márcio batia fotos, o Binho filmava. Conversando
com o Sr. Rubem, percebemos a estranha aproximação de um veículo na contramão.
- Pronto! Só faltava essa! Pensei
comigo mesmo, enquanto os policiais desciam e pediam os documentos. O Binho, no
entanto, continuava filmando. Com alguns
gritos, o Márcio e eu conseguimos convencê-lo da gravidade da situação.
- Sigam-nos. Disse o policial
secamente.
Seguimos o carro deles e fomos parar
numa comissaria (delegacia). De posse dos nossos passaportes eles começaram a
ligar para a Interpol e para outras entidades de segurança a nível nacional e
internacional. Ali na ante-sala policial tentávamos acalmar o Sr. Rubem.
Sabíamos que nada de grave poderia suceder.
Finalmente o inspetor de polícia,
Claudio Lucioni, estatura mediana, claro,
sai trazendo os passaportes.
- Vocês sabiam que não se pode
filmar um edifício de segurança nacional? -Disse ele num "portunhol"
sofrido.
- Senor, eres mia la culpa! (Senhor,
a culpa é minha!) interrompeu o Sr. Rubem.
- Olhem bem. À frente de vocês
estava a casa da Moeda. Atrás, a sede da Marinha e também o edifício geral das
Forças Armadas!
- Desculpem-nos! -Dissemos. Sabíamos
que não adiantava argumentar.
- Mas eu já liguei para a Interpol e
vocês estão liberados. Só terão que esperar o preenchimento do Livro de
Ocorrências, disse ele.
Ao mesmo tempo em que nos sentíamos
aliviados, ele continuou:
- Já morei no Rio de Janeiro e
gostei muito do Brasil. Isto lá pelo início dos anos 80. Gostei muito das
mulheres brasileiras. Acho que elas são melhores do que as argentinas. Em todos
os aspectos.
Caímos na gargalhada.
- Mas, continuou ele, o homem
brasileiro não sabe valorizar. É frio e insensível. Não sabe dar uma boa
cantada.
Estávamos prontos para reagir a esta
"ofensa". Mas a situação não nos era favorável. Então mudamos de
assunto para as belas praias, belas cidades, bom clima... enfim as coisas boas
do Brasil. Logo, porém, o Sr. Cláudio se despediu e nos deixou com os outros
guardas preenchendo o Livro de Ocorrência.
Nesta hora, sem que os policiais
percebessem, começamos a filmar dentro da comissaria. Filmamos o interrogatório
do Márcio. Uma molecagem das grandes.
- Por que vocês estão gastando
bateria? Perguntou o Márcio. Desconfiado, no mesmo instante o policial se
levantou da cadeira e veio ver o que estávamos fazendo. Disfarçadamente
apertamos o botão e rebobinamos a fita. Quando ele olhou, só viu cenas
anteriores. Saímos então dali rindo bastante em direção ao centro de Buenos
Aires. Passamos em frente à Casa Rosada e também em frente à mais famosa casa
de espetáculos da cidade, onde ocorreu o casamento do Maradona. O Sr. Rubem,
pediu-nos que não filmássemos mais. Agradecemos e despedimo-nos dele e logo
após telefonarmos para nossos familiares e dizermos que a viagem estava indo
bem, seguimos para o sul da Argentina naquela mesma noite.
A temperatura caiu rapidamente e
começamos a sentir os efeitos do nosso carro não ter ar condicionado quente. O
Márcio até inventou uma nova maneira de dirigir: quando o pé direito já estava
endurecendo por causa do frio, ele acelerava com o esquerdo. Mas o frio foi
ficando insuportável. Os minutos arrastavam-se e uma hora parecia um século.
Ali, enrolados em cobertores e com dois ou três pares de meias, praticamente
"batíamos queixo" de frio.
Na pior parte da noite, lá pelas
duas da madrugada, eu tentei limpar o parabrisa para o Márcio, mas algo
estranho acontecia e o vidro continuava embaçado. O Márcio continuou dirigindo
assim mesmo.
- O vapor e o orvalho estão
congelando no vidro! -Exclamei.
- Rapaz, é isto mesmo! Disse o
Márcio. A que temperatura devemos estar? Perguntou.
- Abaixo de zero, com certeza!
-Respondi.
O Márcio teve que fazer malabarismo
para enxergar pelo vidro congelado.
Assumi a direção. O sono apertava os
olhos. De repente um buraco na pista. Desviei e o carro foi quase completamente
para fora da pista. O barulho das rodas no cascalho acordou a todos. A mim
também. Imagino que estava dormindo de olhos abertos, pois não tive reflexos
para desviar do buraco sem sair da pista. Dirigi mais devagar e mais acordado.
E naquelas horas horríveis fomos nos
revezando na direção. Até que finalmente chegamos a Bahia Blanca.
- Sem sombra de dúvida esta foi a
noite mais fria que passamos no Sul. - Disse o Binho. E o Márcio completou:
- Esta foi a pior noite da minha
vida! Nós não estávamos esperando este frio todo!
Em Bahia Blanca fomos recepcionados
pela Sra. Susana de Peto e pelo Sr. Arnoldo Kalbermatter, respectivamente,
esposa do presidente da Missão Argentina del Sur e o tesoureiro desta missão da
Igreja Adventista.
Disseram-nos que naquela noite a
temperatura havia caído para 4 graus abaixo de zero na cidade, e que nos
arredores devia ter caído para 5 ou 6 graus negativos. Boa explicação para o
nosso sofrimento.
Nos serviram um delicioso desjejum,
enquanto explicávamos o nosso intento. O Sr. Kalbermatter prontamente se
ofereceu para levar-nos à escola, onde divulgamos a nossa viagem e a Campanha
Ecológica. Aquele homem nos foi de grande utilidade ali. Sem nunca nos
desanimar de nosso objetivo, nos levou até um mecânico (as válvulas estavam
desreguladas de novo) e nos orientou sobre procedimentos para dirigir sobre o
gelo e sobre a neve. Também nos orientou sobre a colocação de um termostato que
mantivesse constante a temperatura do motor, e sobre a utilização de um líquido
anticongelante no radiador. Gastou um dia inteiro conosco e ainda nos trocou
dólares num câmbio vantajoso para nós. Com gratidão nos despedimos daquele bom
homem. Creio que nunca vamos esquecê-lo.
Ainda em Bahia Blanca resolvemos
comprar umas lembracinhas da Argentina. Que preço amargo. Cinco dólares uma
lembrancinha que em São Paulo, no Embu das Artes-SP não custa nem um e meio.
Mas os preços na Argentina são os mais altos da América do Sul. Um peso vale um
dólar, mas são necessários por exemplo, dois pesos e cinqüenta centavos para se
comprar um refrigerante.
Almoçamos em Bahia Blanca comendo um
prato típico argentino: a parrillada.
Antes de sairmos de Bahia Blanca compramos uma
estufa pequena a gás ( Um conselho do sr Kalbermatter ). O precinho: U$ 50,00.
Ali naquela cidade definimos o
esquema de conduzir o carro que iríamos utilizar no resto da viagem. Quem
estivesse na direção iria conduzir durante duas horas. Ao seu lado, o
companheiro ficaria acordado, encarregado de verificar as estradas no mapa e
"manter" o piloto acordado. O que estivesse no banco de trás poderia
ou deveria dormir. E a cada duas horas revezaríamos. Em alguns pontos
utilizamos mais de 100 horas seguidas este recurso, chegando a alterar o nosso
relógio biológico.
Seguimos para Viedma, já fazendo uso
da estufa. Ela mantinha o interior do carro entre 15 e 20 graus positivos.
Chegamos a Viedma e fomos
gentilmente hospedados por um casal de missionários. O Pr. Omar Gimenez e sua
esposa foram muito amáveis conosco. Naquela noite do 6º dia de viagem comemos
pizzas enquanto falávamos sobre educação, ecologia e futilidades
O Binho foi então buscar alguma
coisa no carro e voltou dizendo:
- Brasileiros, venham conhecer o que
é neve!
Saímos rapidamente e vimos a neve
caindo em floquinhos na rua sobre as árvores, e sobre o carro. Ficamos sabendo que
fazia onze anos que não nevava em Viedma.
- Usteds han traido nieve! - Disse
sorrindo o Sr. Gimenez.
O Binho então disse:
- Quando estive em janeiro no Texas
também nevou. Fazia onze anos que não nevava lá. Agora, aqui também!
O Márcio e eu nos olhamos pensando a
mesma coisa: Esse cara é um "pé frio". Será que quando passarmos no
Deserto do Atacama vai chover?
No sábado, dia 3 de julho, o sétimo
dia de viagem, descansamos. Seguimos com
o Pr. Gimenez e a esposa até a Igreja Adventista de Viedma. Após o culto
o Pr. nos direcionou para a casa dos membros a fim de almoçarmos. À tarde
conhecemos um pouco mais da cidade e à noite estivemos junto com os jovens
jogando ping-pong, fazendo embaixadas com uma bola de futebol e falando sobre o
Brasil. Como eu ainda estava com fome fui comprar um sanduíche e tomar um
refrigerante. Pasmem: U$ 8,00 (oito dólares). À noite a sra. Gimenez pediu-nos
que ficássemos mais alguns dias, mas não podíamos ficar.
O domingo amanheceu gelado. Fomos
dar a partida no carro, e nada. Nada de funcionar. Tentamos no tranco e o
"Pois é" nem deu sinal de que iria nos atender. Então saiu o Pr. e
sua esposa. Após verem a nossa penúria, resolveram dar uma mãozinha. Nós três e
o Pr. Gimenez empurramos e a esposa do pastor assumiu a direção. Seria no
tranco a nossa derradeira tentativa. Empurramos o carrão.
- Dále, Dále! (Dá-lhe, Dá-lhe),
gritava o Pr. para sua esposa. Mas a "máquina" "fez hora"
com a cara da gente. Aí o Márcio decidiu colocar em prática seus conhecimentos
adquiridos enquanto servia na aeronáutica. Girou a chave, fez algumas coisas
que são próprias dos mecânicos e "Vrum".
- Pegou! Gritamos em uníssono.
Despedimo-nos do simpático casal e
tomamos o rumo sul. Dentro do carro gritávamos a nova expressão que havíamos
acabado de aprender:
- Dále! Dále! ...( Dá-lhe!)
Passamos por San Antonio Oeste e vi
algo branco na beira da estrada. Brasileiro, desacostumado a essas coisas,
pensei comigo: é saibro (tipo de terra esbranquiçada).
- Frank, você não vai parar? Tem
gelo do lado da pista! gritou o Binho.
- Gelo ?!?
Parei o carro e era gelo mesmo.
Enquanto seguíamos na estrada o Binho pegou o Skate que vinha confortavelmente
no porta-malas e começou a tirar as rodinhas. Já sabíamos o que ele iria fazer.
Paramos alguns quilômetros à frente onde havia muito gelo na encosta de um
barranco e fomos ver o Binho fazer suas acrobacias em cima da tábua do Skate.
Entusiasmados com a idéia, o Márcio
e eu não resistimos. Fomos experimentar. Mas só uma vez cada um. O Binho no
entanto, dava o seu show ali em pleno início do deserto gelado da Patagônia.
Em Trelew paramos para almoçar.
Fizemos uma verdadeira busca por um restaurante e nos deparamos com um problema
comum no sul da Argentina: a maioria dos restaurantes só começam a funcionar no
final da tarde. Na verdade, o comércio em geral abre muito tarde, fecha para o
almoço e abre novamente lá pelas quatro da tarde. A vantagem é que à noite
pode-se encontrar muitas lojas abertas. Com isso a vida noturna também é
movimentada. Bem, após algum tempo conseguimos encontrar um bom restaurante.
Chegamos a Comodoro Rivadávia,
capital argentina do petróleo, em meio a uma euforia geral. A Argentina tinha
faturado mais um "caneco". Venceu a final da Copa América contra o
México. Patriotas como são, eles vibravam como se houvessem ganho a copa do
mundo.
Este aspecto é marcante na
Argentina, o patriotismo. Muitas estátuas e muitas ruas homenageando os heróis
da nação. José de San Martins, o libertador, tem no mínimo uma estátua em cada
vila ou cidade. É isto aí: tudo pelo patriotismo.
Hospedamo-nos na Escola Adventista e
pela primeira vez nosso carro não ficou ao relento durante a noite. O pátio era
fechado e também tinha calefação. Ficamos dentro de uma sala de aula, sobre os
colchões emprestados pelo missionário líder da Escola e da Igreja. Achegamo-nos
ao aquecedor e tomados por um profundo sono, apagamos.
Com tanto frio lá fora, fiquei feliz
por ter escolhido o lugar mais quentinho, perto do aquecedor. Acordei umas dez
vezes naquela madrugada pensando que os meus pés estavam pegando fogo. Como
dizia meu conterrâneo Tancredo Neves: "Esperteza quando émuita, come o
dono".
Cedo, na manhã do nono dia de
viagem, compramos um par de correntes para enfrentarmos a neve. Trocamos o óleo
e soubemos através da ajuda de um radioamador, que teríamos muita neve e gelo
pela frente.
A pequenina escola de Comodoro
recebeu com alegria a nossa campanha, e mais uma vez, como tantas outras nesta
viagem, despedimo-nos dos novos amigos que fizemos, para seguir nosso caminho.
Tomamos algumas cenas da cidade e
dirigimo-nos para o extremo sul das três Américas. Na estrada, sob um frio de
aproximadamente 5 graus negativos, começamos a perceber que não cruzávamos com
muitos veículos. Encontramos um rio congelado e, encantados com a cena paramos
para filmar.
O Márcio e o Binho se animaram e
resolveram realizar mais uma aventura enquanto eu filmava. Vagarosamente e com
cuidado, deram alguns passos sobre a capa de gelo que cobria o rio. Ao
perceberem a firmeza do gelo, deixaram a timidez e caminharam como se
estivessem numa pista de patinação.
Seguimos até San Julian e resolvemos
comprar pão. Havíamos ganho um pote de doce de leite no Uruguai e decidimos
fazer um bom uso dele. Mas, o que fez sucesso no nosso estômago foi uma massa
de pizza quentinha, recheada apenas com molho de tomate, que compramos ali em
San Julian. Idéia do Binho.
Saindo de San Julian sabíamos que
teríamos para frente muitos quilômetros sem cidades e sem postos de gasolina.
Assim, enchemos o tanque, completamos o
óleo e... "pé na tabua".
Começamos a ver que muita neve e
gelo cobriam aquela região do deserto da Patagônia. Porém, esse gelo começava a
estar presente nas laterais da pista e mais alguns quilômetros àfrente, também
na estrada. Cuidadosamente o Márcio conduziu o carro até à cidadezinha de
Comandante Luiz Piedra Buena. Ali eu assumi a direção, sem imaginar que
estávamos prestes a passar por uma experiência perigosíssima, arriscada e muito
emocionante.
Nos primeiros quilômetros a partir
de Piedra Buena, uma base militar argentina, nenhum gelo ou neve na estrada.
Éinteressante o comportamento dos veículos no gelo, mas não éagradável de ser
experimentado. A neve cai sobre a estrada - logo vem um caminhão e passa sobre
ela. A neve é prensada e forma uma camada de gelo altamente escorregadia, como
uma pista de patinação. Obrigatoriamente a velocidade máxima cai para 50 ou 60
quilômetros por hora. Isto para caminhões ou carros pequenos com tração
dianteira. Carros pequenos com tração traseira, no máximo chegam a 40
quilômetros por hora, a não ser que sejam conduzidos com as duas rodas do lado
direito para fora da pista, sobre o cascalho.
Mas seguíamos em um trecho onde não
havia neve ou gelo sobre a pista e eu conduzia a noventa quilômetros-horários.
De repente, como num piscar de olhos, o gelo a nossa frente surgiu cobrindo a
pista. Rapidamente tirei o pé do acelerador. Mas o carro começou a dançar sobre
o gelo e nenhum movimento que eu fizesse com a direção parecia
"consertar" a trajetória. Sem controle sobre o carro, fiz a única
coisa que tínhamos sido aconselhados a não fazer: freiar. Pisei fundo no freio
e por incrível que pareça o carro endireitou-se e diminuiu a sua velocidade.
Assustados, resolvemos seguir os conselhos que nos foram dados e levamos o carro
para o canto da pista: duas rodas fora, sobre a neve e abaixo dela o cascalho,
e duas sobre a pista congelada. Como estávamos em uma reta, dava para andar até
a 55 ou 60 quilômetros por hora. E assim
seguimos, refazendo-nos do susto que havíamos passado.
Contudo, surge a nossa retaguarda um
caminhão que havíamos ultrapassado uns vinte quilômetros antes. Sinalizou com a
luz alta, querendo nos ultrapassar. Pensei comigo: Já estou no canto da pista,
ele, se quiser ultrapassar, que busque passar por outro lugar. Daqui é que eu
não vou sair. O Binho então falou:
- Acelera Frank, vamos deixar este
cara para trás!
Acelerei e o que aconteceu em
seguida é até difícil de explicar. O carro tracionou mais no lado direito, onde
estava o cascalho e havia mais aderência dos pneus. Com isto o carro se
direcionou para a pista e aí ele começou a fazer um brusco movimento pendular.
Para lá e para cá. A sessenta quilômetros por hora. O coração disparou. Perdi
completamente o controle sobre a direção e o Binho gritou:
- Põe terceira!
Obedeci prontamente, mas já era
tarde. O carro rodopiou na pista congelada à frente do enorme caminhão. Vimos o
mundo inteiro rodar enquanto o motorista do caminhão deveria estar assistindo
atento aquela cena, da sua cabine. Uau! mais uma vez, tudo rodando de novo.
Pensamos: agora vai capotar. E ficamos só esperando o choque. O motorista do
caminhão assistia tudo sem poder freiar. Se o fizesse, o seu caminhão
deslizaria em nossa direção. Adeus, mundo cruel! Mas, na segunda rodada, as
rodas passaram sobre o cascalho e deram atrito suficiente para direcionar o
carro para o lado direito da pista. E na terceira vez que rodamos vimos uma
nuvem de neve que estava se levantando, enquanto sentimos que saíamos para fora
da pista. Vrum! o caminhão passou por um triz.
Coração disparado, respiração
ofegante, olhamos assustados, o Márcio e eu, a passagem do caminhão. Nesta hora
o Binho caia na gargalhada. Até agora não consigo entender como ele conseguiu,
em meio a tanta tensão. Pois bem, paramos do lado da pista, sobre uma camada de
uns quarenta centímetros de neve. O carro estava bem, apenas o motor havia
morrido. Dei a partida. Nada. Mas na segunda vez ele pegou e acelerei com força
para que ele saísse do acostamento e conseguisse voltar à pista. O desnível era
de mais ou menos um metro. Mas tudo bem, o carro respondeu prontamente e ao
retornar à estrada, conduzi como um "gato escaldado". Devagarzinho
avançamos, ainda assustados, enquanto a noite começava a cair sobre a
Patagônia.
Por volta das dez da noite chegamos
a Rio Gallegos, a última cidade Argentina do continente. Havia nevado bastante
uns dois dias antes de chegarmos ali. Tudo ainda estava coberto por neve e
gelo, pois a temperatura parecia se manter sempre abaixo de zero. O Binho
conduzia pelas ruas "congeladas" e o carro "patinava" em
zigue-zague vagarosamente. Todos os motoristas dirigiam devagar. Seguindo a
apenas 30 km/h, chegamos a um cruzamento e vimos que dava para cruzarmos aquela
avenida. Que nada. Só impressão. Ao vermos que o outro carro que vinha pela
avenida não pararia, gritamos para o Binho:
- Freia !
Mas não adiantava e o carrão se
deslizava em direção ao outro veículo. Da mesma forma que o outro motorista
tentava parar o carro dele. Segundos de tensão se seguiram e a apenas 15 ou 20
km/h, o outro carro passou, e nós, na mesma velocidade, passamos a centímetros
dele. Ufa! Por pouco!
Depois de rodar um pouco a cidade,
chegamos finalmente ao único endereço que tínhamos em mãos. A jovem senhora
esposa do missionário Daniel Nikolaus a quem buscávamos, disse-nos que seu
esposo estava de viagem a Rio Grande, na ilha da Terra do Fogo. Entretanto, com
uma cordialidade quase inexplicável após explicarmos os nossos objetivos, nos
hospedou. Dormimos no quarto das crianças, após jantarmos e tomarmos banho.
Acordamos cedo para os padrões do
inverno local, pois o sol só nasce às
onze da manhã. Sofremos muito para fazer o carro pegar naquela manhã
fria do dia 6 de julho, décimo dia da viagem. Com um frio intenso, sempre abaixo
de zero, a bateria não fornecia carga suficiente para aquele motor quase
congelado. Com uma outra bateria, que a nossa hospedeira emprestou do seu
carro, reforçamos a carga e o carro pegou. Na alegria do momento nem
percebemos, o Binho e eu, que havia caído líquido da bateria em nossas roupas.
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O campus universitário do PUIGARI, na província de Entre Rios, no nordeste da Argentina. |
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Conversando com o Diretor do PUIGARI. |
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Chegamos no meio de uma noite de festa. |
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O Refeitório do PUIGARI. |
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A entrada do PUIGARI em 1993. |
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Nossa Bandeira no PUIGARI. |
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Planície no caminho entre o PUIGARI e Buenos Aires. |
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Essa é a foto que involuntariamente nos levou a ser detidos e interrogados pela polícia Argentina. |
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Momentos antes de sermos detidos pela Polícia Argentina. |
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O Márcio sempre fazia umas 'regulagens' no motor do Opala. |
(5) PUIGARI - Universidad del Plata - EntreRios - Argentina