QUESTIONANDO A
EXISTÊNCIA DOS
(JARDINS)
ZOOLÓGICOS
Dr. Frank Viana Carvalho
Resumo
Em todo o século XX, vários pesquisadores se posicionaram pelo fim dos
jardins zoológicos, marcando posição a favor da criação e aumento das reservas
e áreas de proteção (ambiental) da vida animal nos países originários dessas
espécies. Nestes locais seriam mantidas as pesquisas sobre os animais, com
aparatos, equipamentos e cuidados para que houvesse o mínimo possível de
invasão dos espaços da vida animal. Faz sentido ainda existirem Zoológicos?
Abstract
Throughout the twentieth century, several
researchers have positioned the end of zoos scoring position in favor of
creating and increasing reserves and protected areas (environmental) of animal
life in the originating countries of these species. These sites would be
maintained research on animals, with apparatus, equipment and care so that
there was the least possible invasion of areas of animal life. Zoos makes sense still exist?
Já há alguns anos venho questionando a existência dos Zoológicos,
não como um ambientalista, mas como filósofo. Quanto mais estudo e leio sobre o
assunto, tanto mais me convenço da sua inadequação, anacronismo e
irracionalidade.
Ora, é necessário questionar não só o ‘para quê’, mas também o
‘porquê’ de, em nossas cidades, termos zoológicos. Chamados graciosamente de
‘jardins’ ou ‘parques’ zoológicos, estes locais são destinados ao
aprisionamento de animais selvagens, a maioria desconhecidos do público, para
exibição e entretenimento do homem mediante o pagamento de ingressos. Seria
esta uma visão radical? Tudo bem, temos outras definições mais pedagógicas e
suaves. Para os defensores, o zoológico é um local de preservação e reprodução
desses animais. E para a lei, pelo Artigo 1° da Lei Federal 7173/83, é
considerado jardim zoológico qualquer coleção de animais silvestres mantidos
vivos, em cativeiro ou em semiliberdade expostos à visitação pública.
Contra e a Favor
Os defensores dizem que os Jardins Zoológicos têm como ponto forte
a conservação de espécies. Em outras palavras, ele serve como local de
preservação de espécies ameaçadas de extinção pela destruição de seu habitat
natural. No avanço científico atual, os pesquisadores têm até mesmo conseguido
levar essas espécies à reprodução em cativeiro.
Além disso, outras razões são apresentadas na manutenção do
modelo, tais como a possibilidade do desenvolvimento e aperfeiçoamento
profissional (dos zoólogos, biólogos e outros técnicos e estudiosos do
comportamento animal), a pesquisa científica da vida animal e, finalmente, a
conscientização através da exposição com a clara ideia de difundir o pensamento
de preservação da natureza selvagem.
Já os contrários ao modelo, insistem no argumento de que o melhor
para os animais é deixa-los nas montanhas, vales, matas, cavernas, florestas,
rios e mares - em seu ambiente natural. Ou seja, é uma insensatez retirar os
animais de seu habitat e trancafiá-los em jaulas e espaços reduzidos ou, na
melhor das hipóteses, em cercados de tamanho diminuto quando comparados com o
espaço disponível de seu ambiente de origem (natural). O que devemos,
argumentam, é proteger o habitat das espécies para que elas vivam ali da forma
mais harmoniosa possível.
Um pouco de história
Desde o Egito dos faraós, cujos servos e soldados capturavam em
suas caçadas gatos selvagens, macacos, babuínos e leões, e os mantinham (em
seus templos) como símbolo de força e poder, até o século XVII, os zoológicos
eram propriedades particulares e o seu valor era medido pelo grau de exotismo e
ferocidade dos animais expostos.
No século XVIII nascerá o primeiro zoológico público, fundado em
Paris (França) para abrigar animais oriundos de apreensões em circos e eventos
que utilizavam animais em shows. Em Londres (1826) surgirá o primeiro zoológico
público com o claro objetivo de ser uma instituição científica para o estudo
dos animais. Justamente neste, com a finalidade de serem obtidos recursos
financeiros para a manutenção dos animais, o local será aberto à visitação
pública e, imaginem só, começaram a fazer shows com os animais para atrair os
visitantes. Como aumentaram os visitantes, julgaram ser necessária a aquisição
de outros animais – que foram buscados diretamente da natureza e colocados em
cativeiro.
Desde os primeiros jardins zoológicos até por volta de 1900, os
espaços, ambientes e jaulas eram construídos para proporcionar aos visitantes o
melhor ângulo de visão, e não para dar boas condições de vida aos animais.
Em 1900 foi fundado na Alemanha o “Stellingen Zôo”, baseado em um
conceito radicalmente diferente: os animais teriam recintos mais amplos e
apropriados – estes espaços buscavam imitar o habitat natural dos animais.
Embora positivo, nele foi continuada a ideia de manter aberta a visitação e de
cobrar por ela. Este zoo na Alemanha foi fundado pelo naturalista Carl
Hagenbeck.
Por que sou contra
O conceito e ideia dos melhores jardins zoológicos é a de cuidar
dos animais que estavam sofrendo maus tratos em circos ou em ‘coleções’
particulares, ou ainda aqueles que foram vítimas do tráfico de animais.
Idealmente, estes animais (retirados de circos e do tráfico)
deveriam ser reintroduzidos em seu habitat. Contudo, após anos em cativeiro, é
fato que eles seriam presas fáceis ou morreriam por não saber caçar e se defender
de seus predadores.
Entretanto, o contato com os seres humanos tem se revelado como
uma das principais fontes de stress e enfermidades para várias espécies
animais.
Em todo o século XX, vários pesquisadores se posicionaram
pelo fim dos jardins zoológicos, marcando posição a favor da criação e aumento
das reservas e áreas de proteção (ambiental) da vida animal nos países
originários dessas espécies. Nestes locais seriam mantidas as pesquisas sobre
os animais, com aparatos, equipamentos e cuidados para que houvesse o mínimo
possível de invasão dos espaços da vida animal.
No distante 1937, Julia Allen Field afirmou: “Não podemos ver a
beleza essencial de um animal enjaulado, apenas a sombra de sua beleza
perdida.”
No final do século XX conforme tudo indicava, os jardins
zoológicos estavam com data de validade vencida.
Grande engano, quase vinte anos se passaram e tudo continua como
sempre.
Alguns equívocos, erros, falhas e ideias equivocadas continuam:
a) Várias espécies que não correm risco de extinção são mantidas
cativas em jardins zoológicos, apenas para entreter visitantes.
b) Com a finalidade de aumentar o acervo, novas espécies exóticas
são trazidas, num tráfico ‘autorizado e legal’, mas tremendamente danoso e
eticamente questionável.
c) A insistência na reprodução em cativeiro de espécies não
ameaçadas. Os filhotes nascidos nestas condições são ‘condenados’ a sempre
viver em cativeiro.
d) Vários animais em condições de serem reintroduzidos em seu
habitat, são mantidos em cativeiro. Salvo raríssimas exceções, não há uma
política e ação séria de preparo dos animais para a reintrodução na natureza.
e) Os animais são tratados como propriedade do ‘homem’, obviamente
contra a vontade deles.
f) A insistência no argumento do zoológico como um bom local de
estudo das espécies. Desconsideram que o animal em cativeiro tem seu
comportamento e hábitos alterados.
g) Os animais são ‘forçados’ a conviver com o homem, seu ‘tutor’.
h) Os animais são expostos numa exibição não consentida, pois na
natureza várias espécies evitam ‘aparecer’ e se escondem naturalmente. É certo
que esta exposição acarreta stress e outras consequências danosas aos animais.
i) Mantem os animais em um clima, vegetação e alimentação
distintas de seu habitat natural.
j) Utilizam animais selvagens para entretenimento e lazer dos
seres humanos.
Obviamente crescemos cercados e envolvidos pelo paradigma de que
os jardins zoológicos são uma coisa boa, adequada e correta para com os
animais.
Por este paradigma, é como se tivéssemos o ‘direito’ de capturar,
prender e apresentar em exposição os animais selvagens. Ainda sob este prisma
temos um bom argumento – nós os mantemos presos para o próprio benefício deles.
Mas isso é equivocado. Segundo o cubano naturalizado brasileiro Pedro Ynterian,
71, presidente internacional do "Great Ape Project", que luta pelo
bem-estar dos grandes primatas, zoológicos causam estresse aos animais, que
chegam a se mutilar, e não têm importância pedagógica. “Crianças podem ver o
leão no zoológico, mas o comportamento do animal é falso. Acho mais válido
assistir a um documentário.”
Finalizando
Não consigo ver lógica e racionalidade nos argumentos apresentados
em defesa dos zoológicos. Eles deveriam ser um lugar de transição com data
marcada para fechamento – para que nos movêssemos em ações que levassem a
ampliação ou criação de reservas naturais. O paradigma de que os jardins
zoológicos são bons é tão forte que ‘cega’ e ‘ensurdece’ algumas pessoas.
Mas lentamente o movimento contra os zoológicos ganha adeptos.
Enquete feita pela Folha Online com 5723 pessoas revelou que 46% (2.630
pessoas) são favoráveis ao fechamento dos zoológicos. Os demais, 54% (3.093
pessoas) são favoráveis à sua manutenção. Enfim, pela força dos movimentos e pelas pesquisas, podemos afirmar sobre o tema e sobre o futuro dos animais: 'a sorte está lançada' (alea jacta est).
Fonte:
SANDERS, Aline Sanders, FEIJÓ, Anamaria Gonçalves dos Santos.
Uma reflexão sobre animais selvagens cativos em zoológicos na
sociedade atual. Disponível em
ALMEIDA, Flavya Mendes de. Bioética Aplicada a animais de
zoológicos.
Disponível em: Historia dos zoológicos na Europa. Disponível
em: BOSTOCK, Stephen St. C. Zoos
and zoological parks. In:
Encyclopédia of
Applied Ethics. Vol. 4. London: Academic Press, 1998. 571-582.
http://mylostworldjm.blogspot.com/2011/05/nao-podemos-ver-beleza-essencial-de-um.html
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