Por Frank V. Carvalho (1)
Na maioria das vezes sou bem sucedido em me manter distante de alguns temas polêmicos. Mas, algumas vezes, fazer isto significa omissão e desrespeito à importância do tema.
Quero falar um pouco sobre a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, a ser construída no rio Xingu, na região de Altamira (PA).
É um projeto antigo, adiado inúmeras vezes e que agora está saindo do papel.
No entanto, grupos antagônicos se digladiam a favor e contra esta usina, que se pretende (quando pronta) ser a terceira maior do mundo (atrás apenas de Itaipu - Brasil e Três Gargantas - China).
Dos que são favoráveis, os principais argumentos são: garantia de segurança energética para o país; melhoria das condições de vida das populações próximas pelo acesso à energia elétrica e todo o conforto decorrente de sua utilização; desenvolvimento da região norte.
Dos que são contrários, os maiores argumentos são: destruição de uma grande área da floresta com o alagamento necessário para a construção da represa; deslocamento das populações ribeirinhas e índios; uso de dinheiro público para a construção de tão grande obra; utilização de apenas um terço do potencial máximo da usina em grande parte do ano.
Aos fatos
Mais de um site do governo federal fala sobre Belo Monte e destaca os aspectos positivos de sua construção. Há até um Blog do governo destinado a esclarecer a população sobre o Projeto.
Essa usina hidrelétrica é o maior projeto do setor elétrico do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com potência instalada de 11,2 GW (mas capacidade média de 4,5 GW), Belo Monte terá sozinha a capacidade de abastecer uma região de 26 milhões de habitantes, como a região metropolitana de São Paulo.
Esses poucos dados já mostram a força do projeto e seu impacto no desenvolvimento da região norte.
No entanto, hidrelétricas causam impacto ambiental, e isso não se resume a área alagada. Interferências no microclima, fauna e flora da região se farão perceber. Resta saber avaliar se estes impactos serão tão negativos que o ganho proporcionado pela usina seja anulado.
As campanhas
Alguns políticos (entre eles, Marina Silva) se posicionaram frontalmente contra a construção de Belo Monte. Ambientalistas e ONGs também têm levantado a sua voz contra o projeto pelo grande impacto que causará no meio ambiente. A estes se uniram artistas e celebridades em campanhas de visibilidade nacional, cujo principal produto foi um vídeo lançado por atores da Rede Globo.
Por outro lado, cientistas, economistas e é claro, políticos defendem a construção da usina para que o país se mantenha no caminho do desenvolvimento. Recentemente, alunos da UNICAMP gravaram um vídeo favorável à construção de Belo Monte (aparentemente numa contraposição ao vídeo gravado pelos artistas da Rede Globo).
Duas visões, dois mundos
Dos dois lados, a desinformação proposital e a clara utilização de inocentes úteis.
No caso da campanha da Globo (ou melhor, dos artistas da emissora, projeto gota d'água), a superficialidade dos argumentos é contrabalanceada pela efetiva dramatização e apelos sensacionalistas. Frases desconexas dão lugar a outras, inexatas ou equivocadas. Há ainda um apelo semi-erótico.
No vídeo dos alunos da UNICAMP (projeto tempestade em copo d'água), não há nenhum espaço para problemas, pois Belo Monte será ‘a salvação da lavoura’. O vídeo dá a entender que outras opções energéticas são caras e economicamente inviáveis, e só faltou um apelo para não se investir nessa direção.
Duas Cavernas
Os dois grupos se auto-intitulam como bem informados. É claro que para aqueles que valorizam aspectos científicos, fica mais fácil acreditar nos estudantes. Para os que se comovem com uma boa atuação, é mais fácil acreditar nos artistas da Globo.
Para mim, dois grupos aprisionados dentro de duas diferentes cavernas.
E então?
Bem, se os ambientalistas tivessem voz e voto no passado, certamente não teríamos Itaipu e outras usinas mais e com certeza, seríamos um país com menos recursos energéticos (produção de energia elétrica). E não adianta falar de energia eólica e solar, pois é necessário muito dinheiro para se instalar a matriz produtora deste tipo de energia e isso, não tínhamos.
Por outro lado, os desenvolvimentistas atuais agem como os positivistas do século XIX, tendo como líquido e certo que o progresso traz felicidade. Nada garante isso. Mas o maior problema é o único tipo de progresso que eles enxergam: usinas, indústrias, estradas asfaltadas, cidades, fábricas, prédios, etc., etc. Esquecem-se do que vem junto com isso. Ocupam uma região e é claro, face aos desafios naturais (matas, insetos, rios, calor, etc.) querem a instalação das melhorias que trazem conforto. Esbravejam silenciosamente: - Animais, matas e índios, com licença, o progresso quer ocupar esse lugar...
O Caminho a seguir
O Brasil tem hoje a legislação (em seu conjunto) mais protetora do meio ambiente de todos os países ocidentais (2). Os indígenas, embora sejam menos de 0,3% da população (isso mesmo, menos de meio por cento), detém mais de 13% das terras nacionais. As reservas legais de proteção ambiental ocupam áreas comparáveis à extensão de vários países europeus somados. Embora os ambientalistas achem pouco, devem se lembrar de que vivemos em mundo imperfeito que, não importa o que façam, continuará imperfeito. Culpa de quem? Da natureza? Não. Culpa do homem. Mas não devem parar, devem continuar lutando por mais – é a sua bandeira, seu mote, sua visão de mundo.
Entre outras coisas, há uma tristeza que compartilho com os ambientalistas. Ela não é pela legislação (e ela tem falhas), mas por sua ineficácia, pois com pouca fiscalização há consequentemente, pouca ou nenhuma punição e assim, um incentivo indireto para mais desrespeito ao meio ambiente.
Os desenvolvimentistas brasileiros já comemoram, pois sentem-se como os vencedores dessa batalha. Belo Monte ficará pronta e produzirá muita energia. Mas e depois, eles se darão por satisfeitos? Claro que não. Haja rios e florestas para a quantidade de hidrelétricas imaginadas.
Apelo aos desenvolvimentistas a olhar além de seus umbigos e planos: vocês precisam investir de fato em outras matrizes energéticas, sejam elas caras ou não. Devem financiar pesquisas com vistas a diminuir os custos da geração de energia através de outros meios que causem menos impactos e danos ao meio ambiente.
Vencedores?
Há uma teoria famosa no campo das Relações Internacionais que diz que num bom acordo todos saem ganhando e todos saem perdendo. É preciso que ambientalistas (e outras nomenclaturas e filosofias assemelhadas) e desenvolvimentistas (idem) pratiquem a alteridade: consigam pensar (ou se esforcem para) e ver o mundo da perspectiva do outro. E, se em algo o outro tem razão, que se assentem à mesa para negociar.
Pelo apoio que o governo federal dá ao projeto, Belo Monte caminha a passos largos e será uma realidade. O problema é o que vem depois no médio e no longo prazo. Parece que ninguém parou para pensar que estamos incentivando o incremento populacional e o desenvolvimento industrial numa região até então livre das mazelas do sudeste. Como será a região amazônica daqui a trinta, quarenta, cinquenta anos? Algum tecnocrata já pensou nisso?
E você? E eu?
Será que nós perguntamos de onde vem a energia que abastece nossas casas, nossos celulares, que mantém nossas ruas iluminadas? Fazemos um uso consciente dessa energia? Perguntamos o mesmo com relação aos alimentos e produtos que chegam a nossa mesa? Nosso estilo de vida condiz com nossas opiniões sobre sustentabilidade e preservação do planeta?
Tenho me perguntado sobre isso e procurado viver uma vida mais simples, com menos para que eu tenha mais. É uma filosofia de vida contrária ao modelo vigente. Menos (produtos, equipamentos, roupas, trânsito, estresse, gastos de energia elétrica...) é mais (tempo com minha família, momentos de reflexão, atividade física...). É a escolha do ser contra o ter.
Em que pese o trocadilho, Belo Monte é uma polêmica em torno da Água, mas não posso me esquecer que nossa vida é um Sopro.
Só isso.
(1) Frank Viana Carvalho, doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo - FFLCH (Doutorado SW [CNPq] na Université François Rabelais, França), mestre em Filosofia (FFLCH-USP), mestre em Educação (UNASP), Especialista em Psicologia da Adolescência (Bracknell – Inglaterra) é professor titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo – SR.
(2) Embora o Novo Código Florestal tenha falhas, ele prevê a recuperação de áreas hoje ocupadas e devastadas, além de manter as reservas e parques florestais.
Imagens:
wikipedia.org
cartacapital.com.br
riosvivos.org.br
terradedireitos.org.br
Um comentário:
gostei pontos negativos e positivos forão adotados agora as pessoas podem escolher a que decissão apontar se querem viver em um país desenvolvido no qual quem paga essa conta é a natureza ou viver num país no qual homem e natureza vivem em harmonia? Cada um pode dar á sua opnião ser contra ou á favor basta decidir mas devemos pensar se é o CERTO?
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