Parentes de autoridades, empresários e até mortos
recebem Bolsa Família, aponta CGU
Carlos Madeiro
Fonte: UOL, em Maceió (10/06/201306h00)
Fonte: UOL, em Maceió (10/06/201306h00)
Servidores, empresários, produtores rurais, alunos de escolas
particulares, familiares de autoridades e até pessoas falecidas constam na
lista de beneficiários do Bolsa Família, segundo relatórios de fiscalização
produzidos pela CGU
(Controladora Geral da União) no início de 2013.
Na última etapa do programa de
fiscalização por sorteio, segundo apurou o UOL, todos os 58
relatórios de municípios divulgados no site da CGU apresentam indícios de
irregularidades no maior programa social do mundo, que atende a 13 milhões de
famílias no país. A fiscalização foi feita no final de 2012, com relatórios
divulgados no início deste ano.
Nesses municípios, a CGU encontrou
mais de 5.000 benefícios pagos a pessoas que supostamente teriam renda per
capita familiar superior ao limite estabelecido pelo programa. O UOL entrou em
contato com o Ministério
de Desenvolvimento Social, para obter detalhes de como é feita a
fiscalização aos cadastros e aos municípios, mas não obteve retorno até a
publicação dessa reportagem.
Somente em Belford Roxo (RJ), o relatório da CGU informou haver
"1.512 famílias beneficiárias que constam na folha de pagamento de
Julho/2012 na situação de benefício 'liberado' e que apresentam renda mensal
per capita superior a meio salário mínimo".
Além de irregularidades no pagamento, os relatórios apontaram para uma
série de problemas, como falta de controle da frequência escolar e do cartão de
vacinação das crianças, inexistência de comissão gestora do programa e até
desvios de recursos enviados para atividades complementares.
Pagamentos irregulares
O principal problema apontado pelos técnicos da CGU é a inclusão de
pessoas com renda superior ao máximo permitido. Em alguns casos, há também
servidores e familiares de autoridades inclusas na lista.
Em São Francisco de Assis (PI), a mulher de um vereador estava inclusa
na lista do Bolsa Família. Outra beneficiária era a filha da coordenadora de
Apoio ao Idoso, da Secretaria Municipal de Assistência Social --que é
responsável pelo cadastro dos beneficiários. Além disso, ela e o marido são
donos de uma panificadora e uma pousada.
Muitos servidores com salários acima do máximo estabelecido pelo
programa também são beneficiários. Em Olindina (BA), cinco servidores públicos,
entre eles dois estaduais da Secretaria da Educação e da Assembleia Legislativa
da Bahia, estavam na lista.
Em Vazante (MG), vários servidores com renda superior a R$ 1.000 mensais
recebiam o benefício. Um deles ganhava R$ 134 de Bolsa Família, mesmo com
salário de R$ 2.279,05.
Mortos sim, vivos não
Em Xexéu (PE), a CGU encontrou pessoas mortas em 2011 na lista paga até
o final do ano passado. Segundo a inspeção, o problema foi causado pela
deficiência no controle do cadastro.
Enquanto mortos "recebem" o Bolsa Família, há pessoas vivas,
enquadradas no perfil do programa, que ainda lutam para receber o benefício. Em
Lagoa Alegre (PI), uma beneficiária do programa constava na folha de pagamento,
mas afirmou que nunca havia recebido o cartão. Por mês, R$ 102 ficam na mão de
alguém não identificado.
Enquanto isso, pessoas ricas recebem o benefício, como em São José do
Sul (RS), onde uma produtora rural com faturamento anual, em 2011, de R$ 955
mil era beneficiária do programa. Em Barra do Ribeiro (RS), uma mulher era
beneficiária, mesmo sendo dona de uma empresa e possuindo, junto com o marido,
cinco carros.
Outros casos de empresários também foram encontrados em Jaguaribara
(CE), onde uma dona de churrascaria recebia o benefício. Em São Domingos
(SE), havia um dono de mercearia na lista.
Sem controle e desvios
Além dos problemas no pagamento, a CGU também encontrou outros problemas
organizacionais e desvios de verbas pelos municípios.
Em Aliança (PE), a CGU verificou a suspeita de fraude nos recursos
enviados ao programa, com a não comprovações de despesas no valor de R$ 90 mil.
O dinheiro deveria ter sido usado para contratação de empresa para
promoção de cursos de qualificação profissional.
Em Populina (SP), a Coordenação Municipal do Programa não havia sido
instituída formalmente, como prevê o programa. O município também não havia
constituído outra exigência: a instância de controle social do Bolsa Família.
A falta de controle da frequência de alunos é outro problema presente em
boa parte dos municípios. Em Jaguaribara (CE), alguns filhos de aluno não eram
sequer matriculados em escolas.
CGU explica
Em nota encaminhada ao UOL, a CGU informou
que os cadastros dos beneficiários do Bolsa Família devem ser fiscalizados por
amostragem pelos municípios, uma vez que as informações lá contidas são
autodeclaratórias e passíveis de fraudes.
Segundo a CGU, as pessoas que solicitam o benefício assinam um termo de
confirmação das informações prestadas, mas não têm obrigação de apresentar
documentos que comprovem os dados.
"Os municípios têm a obrigação de verificar as informações
coletadas de pelo menos 20% das famílias cadastradas por meio de visita
domiciliar, a fim de avaliar a fidedignidade dos dados coletados nos postos de
atendimento", informou.
A CGU lembrou que a gestão do programa, porém, é descentralizada e deve
ser compartilhada entre a União, estados, Distrito Federal e municípios.
"Os entes federados devem trabalhar em conjunto para aperfeiçoar, ampliar
e fiscalizar a execução do Programa".
Falhas
A CGU informou que, para sanar as falhas constatadas, são formuladas
recomendações ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, "o
qual atua junto aos municípios quando necessário." Muitas das
recomendações foram publicadas em relatório no ano passado.
Sobre o controle e fiscalização dos municípios, a CGU ressalta que
"a principal forma de controle sobre a gestão municipal, estabelecida pela
legislação do Programa, é a atuação das Instâncias de Controle Social,
responsáveis pela fiscalização e acompanhamento local". Muitos dos
municípios investigados não tinham essas instâncias.
Sobre o controle da frequência escolar e do cumprimento da
condicionalidade da saúde, a CGU disse que ela é responsabilidade dos
municípios.
Boatos
Há menos de um mês, após boatos de que o Bolsa Família
acabaria ou que haveria um depósito de abono, 900 mil beneficiários do programa sacaram R$ 152 milhões em
apenas um fim semana, entre os dias 18 e 19 de maio. Uma semana depois, após reportagem da "Folha de S.Paulo",
a Caixa Econômica Federal confirmou que, um dia antes do início dos boatos,
alterou, sem aviso prévio, todo o calendário de pagamento do Bolsa Família.
Todos os benefícios, em um total de R$ 2 bilhões, foram liberados de uma
só vez nas contas das 13,8 milhões famílias atendidas. A Caixa pediu desculpas pelo erro de comunicação.
A oposição pediu a demissão do presidente da Caixa,
ao governo, o que foi negado pela presidência. A presidente
Dilma chegou a chamar os boatos de "desumanos" e "criminosos".
Já a ministra da Secretaria dos
Direitos Humanos, Maria do Rosário, chegou a postar no Twitter que os rumores
deviam "ser da central de notícias da oposição",
depois voltou atrás. A Caixa informou ao UOL que o
calendário de junho está mantido, com início de pagamentos dia 17, conforme
datas previamente divulgadas.
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