segunda-feira, 7 de julho de 2008

O antimaquiavelismo dos Monarcômacos - 2005

Antimaquiavelismo dos Monarcômacos
Frank Viana Carvalho

Porque as Vindiciae e outras obras monarcômacas se voltam violentamente contra Maquiavel? A resposta parece ser facilmente encontrada no contexto monarcômaco. De modo mais geral, diziam os huguenotes que os massacres apenas representavam o clímax de um conjunto ímpio e maquiavélico de políticas que já vinham sendo postas em prática por Catarina e seu governo. Catarina, natural­mente, era a filha do homem a quem Maquiavel dedicara O Príncipe. Desta forma, todos os inimigos de Catarina não conseguiam resistir à atraente suposição de que agora todo o governo da França estava sendo dirigido sob a influência dos ensinamentos de Maquiavel.

Assim como as Vindiciae, o Reveille Matin denuncia continua­mente “as opiniões de Maquiavel” por constituir “uma perniciosa heresia em assuntos de Estado”, asseverando que “o rei foi verdadeiramente persuadido pelas doutrinas de Maquiavel” a exterminar os huguenotes. A mesma acusação é feita pelo autor do La Remise (O rebate), que com uma longa dissertação humanista, estabelece uma linha de pensamento contrastante sobre a forma de educação necessária para incutir num príncipe bom os hábitos da prudência e virtude e a educação que ele afirma ter a rainha Catarina prescrito para os filhos, os quais “aprenderam suas lições”, afirma-se, “sobretudo nos tratados do ateu Maquiavel”, cuja obra O Príncipe teria sido “o guia das ações da rainha-mãe” e o principal meio de ins­trução do jovem rei “sobre os preceitos mais condizentes a um tirano”. (SKINNER, 2000, p. 577).

Se Jean Bodin reconhecia em Maquiavel um cientista político respeitável, os monarcômacos, por influência direta de Catarina, compuseram uma especial retórica antimaquiavélica que conseguiu com o passar dos anos soterrar a reputação de Maquiavel. E o contexto histórico parece indicar que a fama que o florentino passa a ter na virada do século XVI para o XVII é um fruto específico dos monarcômacos.

Um outro escrito monarcômaco, anônimo e de pouca repercussão, o Discurso Maravilhoso sobre os dotes “maquiavélicos” de Catarina de Médicis, obra anônima atri­buída a Henri Estienne, publicada pela primeira vez em 1575 e posteriormente reimpressa nas Memórias de Goulart é impressionantemente antimaquiavélico. O Discurso começa afirmando que, “entre todas as nações, a Itália merece o troféu pela argúcia e velhacaria”, e a seguir aponta como essa “ciência da trapaça”, originalmente aprimorada na Florença de Maquiavel, estava sendo importada para a França por Catarina e seus conselheiros, convertendo a rainha em “um modelo de tirania em todos os seus atos públicos”. (SKINNER, op. Cit., p. 578).[1]

Mas o principal exemplo desse gênero é o livro Anti-Maquiavel, de Innocent Gentillet, publicado pela primeira vez em francês em 1576, quatro anos depois de ele ter fugido para Genebra como refugiado do massacre da Saint-Barthélemy. Essas várias críticas que Nicolau Maquiavel recebe acabam por constituirem-se em um importante papel na formação da reputação vulgar de Maquiavel, da qual ele nunca se livrou por inteiro. Sua fama passa a ser a de um mentor ou preceptor que ensina didaticamente sobre como deve viver um tirano.

No livro, embora Gentillet em parte procure reafirmar as tradi­cionais concepções de la police, la religion e la justice, seu objetivo princi­pal, como se pode perceber, é denunciar as perversas “máximas” que alega serem fruto do homem de Florença. Sua afirmação é categórica: “a principal intenção de Maquiavel consiste em instruir o príncipe sobre os meios de tor­nar-se um tirano completo”. Gentillet também afirma que os massacres de Vassy (1562) da Saint-Barthélemy (1572) foram consequência direta da influência de Ma­quiavel sobre Catarina de Médicis e seu governo. Essa acusação é explicitada sobretudo no “Prefácio” do livro I, que lamenta em tom amargo “a supressão das boas leis estabelecidas do reino” e sua substi­tuição pelas “doutrinas de Maquiavel”, postas em prática “pelos atuais gover­nantes italianos da França”.

[1] Referência a partir de Simon Goulart, na obra Memoires de l’Etat de France sous Charles neufieme, 3 vol., Middelburg (Genebra), 1578, p. 423 e 424.

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