quarta-feira, 22 de julho de 2020

Bocaina, a Rainha das Trilhas! PNSB

Bocaina, a Rainha das Trilhas

Imagine uma travessia de cem quilômetros a pé no meio da mata... 

A primeira expedição/travessia do PNSB (Parque Nacional da Serra da Bocaina) que participei foi em setembro de 1989, quando liderei um pequeno grupo que ‘desbravou’ o caminho... os amigos Alisson, Caiuby, Sílvio e Robin aceitaram o desafio de seguirem ao meu lado... encontramos com o grupo liderado pelos amigos Sérgio Rígolli e Alexandre Vaz, onde seguiam Liliane, Eliandro, Raquel e Rebeca, e mais alguns amigos. Lamentavelmente não tenho fotos daquela épica travessia a pé desde a cidade de São José do Barreiro no interior de São Paulo até a praia em Mambucaba, distrito de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, perfazendo um total de mais de 110 kms em quatro longos e incríveis dias... chuva torrencial, a linda cachoeira de Santo Isidro, uivos e sons estranhos à noite, acampamento na montanha, o friozinho da mata, a ‘assombração’ da vaca, o fogo com um único palito de fósforo e o desafio de tentar não cair nenhuma vez em meio à lama e a chuva que deu poucas tréguas... Havíamos descoberto a sempre comentada, admirada e temida ‘Serra da Bocaina’ que abriga em seu interior a ‘trilha Imperial’, por onde era escoado o ouro na época do império, no lombo de animais em trechos estreitos e sinuosos da serra chuvosa e linda. 






























Em 1990 fizemos a trilha com amigos professores: Renato Gross, Eliseu de Oliveira, Rosevaldo Rocha e Paulo Vaz. Essa talvez tenha sido, das primeiras, a mais ‘hard’ das travessias, por causa dos quatro dias de chuva, que insistiu em ser do tipo 24 horas nos três primeiros dias, só cedendo um pouco no último trecho. No final do segundo dia decidimos seguir da Cachoeira do Rio do Veado até a Cabana do Caçador, no meio da trilha imperial... essa decisão nos custou caro com o rápido escurecimento e o fim das pilhas de todas as lanternas... com dificuldade e uma ajuda providencial dos céus, encontramos a cabana e dormimos após comer um miojo bem quentinho. Avançamos e chegamos a acolhedora Mambucaba. 

Em 1991 repetimos a dose no feriado de 7 de setembro, dessa vez liderando junto com o Marcos Ferreira, Paulo Vaz e Levi Nogueira, os desbravadores do Pioneiros da Colina (do UNASP), e em torno de trinta corajosos conquistadores desbravaram novamente a trilha das trilhas, dessa vez quase todos do primeiro grupo e mais uns vinte destemidos. 

Em 1992 fiz a primeira travessia de bike com o Elias Rolemberg e o Eliandro Tadeu, e num dos trechos, tive meu único acidente nesta trilha/percurso, quando uma das rodas prendeu-se num buraco e ao mesmo tempo em que travava bruscamente a bike, virou o guidon que veio de encontro ao meu peito fraturando duas costelas e me deixando muito mal – exatamente no meio da Serra da Bocaina, onde as opções eram voltar trabalhosamente até São José ou avançar até Mambucaba. Não tínhamos nenhum medicamento e as dores me consumiam e dificultavam em muito a respiração. O Tião da Bocaina, personagem querido que encontrei em todas as travessias, cuja morada fica pertinho do Pico do 'Tira o Chapéu' (2 088 metros acima do nível do mar), nos acolheu e dormimos ali. Depois de uma noite de dores e reflexão, optamos pela segunda opção e, mesmo com dor segui pedalando com meus amigos através da Serra até Mambucaba, e ainda demos uma esticada de bike até Parati, e pegamos um ônibus para São Paulo, onde cheguei e ainda tentei pedalar, mas não deu... fui levado direto ao Hospital... 

Em 1993 fui duas vezes: voltei de bike com os mesmos amigos em julho para garantir que era um meio seguro, e em setembro liderei o mais numeroso grupo até então – os amigos da IASD de Pinheiros que eram em número de 45 pessoas... todos chegaram são e salvos a Mambucaba, onde jogamos futebol no campinho de grama e terra da entrada/saída da cidade. 

Após uma pausa de alguns anos, em 2004 voltamos, dessa vez liderei a galera de Cotia-SP, do Lajeado, e dessa vez, minha família foi comigo: a Dany, a Pâm e o LeRoy, juntaram-se aos amigos queridos daquela comunidade (Elias Junior, Martin Duttas, Everton, Raquel, Ervino, Tânia, Jonas, Claudia, e outros queridos) e aconteceu algo quase miraculoso, em se tratando da Bocaina: não choveu nenhum dia dos quatro dias da travessia e nos divertimos bastante, exceto quando o grupo se distraiu e assentou-se sobre uma relva onde os cavalos costumavam dormir. Resultado: carrapatos que acompanharam a galera até a volta a São Paulo. 

Em 2010 a mais divertida de todas, quando a Pâm e o LeRoy me ajudaram a liderar um grupo formado pelos amigos deles. De fato, eles se animaram e desde o Coreto em São José do Barreiro (ponto de partida da primeira foto oficial), subimos de micro-ônibus até a entrada do Parque (segunda e obrigatória foto) e o percurso a pé foi encurtado, de forma que andamos só 80 kms cantando e nos divertindo no caminho inteiro (Pâmela, LeRoy, Leonardo, Amanda, Rodolfo, Thaís, Renata, Jhonathan, Helivelton, Letícia, Matheus, Larissa e Rodrigo). Após uma noite com barulho de animais que rondavam o acampamento, abafados pelo som da selvagem Cachoeira do Rio dos Veados com suas quatro quedas, amanheceu com uma névoa, e só aí percebi que, pela primeira vez desde 1989, não havia uma ponte de cabos sobre o rio Mambucaba, e com cordas e apoio em bastões, cada rapaz ajudando uma moça, atravessamos o trecho próximo à Cachoeira do Rio do Veado. Prosseguimos com valentia, resiliência e muitas risadas até o fim, pois além da dificuldade da trilha, a cada quilômetro a Larissa insistia em perguntar se já estávamos chegando a Mambucaba. 

Dois anos depois, no começo de 2012, o professor Márcio Pereira do IFSP-SRQ e eu fizemos outro trecho da Bocaina, com trilhas e caminhadas mais curtas, próximo à sede do Parque, em Bananal. 

No mesmo ano, em novembro de 2012, liderei o motivado grupo de estudantes de Biologia e Gestão Ambiental do IFSP São Roque, junto com o professor Sandro Gazzinelli no trecho principal de 80 kms. Naquela travessia a chuva voltou a dificultar, mas nada que Wesley, LeRoy, Alessandra, Ana, Carolina, Giovanni, Débora, Mayara, Ivan, Camila, Márcia, Diego, Elivelton, Paulo e outros queridos não pudessem enfrentar com destemor. As lindas flores, o canto dos pássaros e as pegadas da onça que gostavam da mesma trilha ficaram na recordação de todos que completaram o percurso e ainda passearam em Parati-RJ. 

Em setembro de 2016, a Pâm, o LeRoy e eu fizemos sós a travessia de toda a Bocaina, algo completamente inédito e corajoso, pois quanto menor o grupo, mas exposto ele fica. Mas nos revezamos em manter a vigilância no silêncio e escuridão da noite em que dormimos próximos à selvagem cachoeira do Rio do Veado, no coração da Bocaina, numa travessia que também não choveu. Muito tempo para meditação, reflexão e fotos lindas das muitas araucárias, cedros, embaúbas, palmitos e bromélias. 













Em 2019, mudamos a época do ano, e a Pâm, o LeRoy e eu nos aventuramos em janeiro, desta vez acompanhados pelo João (USP-FFLCH) que teve a coragem de nos acompanhar na intrépida aventura/expedição. Depois de tantas vezes, a Pâm e o LeRoy ficaram experientes no percurso cheio de entroncamentos, rios, montanhas, cachoeiras, trechos abertos e fechados da mais querida de todas as trilhas. Os dois conseguiram ver em cada nova expedição, detalhes que eu ainda não havia percebido depois de tantas vezes. 

Que trilha incrível e que Parque Florestal maravilhoso. É de fato a rainha das trilhas. E olha que esse elogio à Bocaina não é em vão, pois fizemos trilhas na Serra da Canastra e do Cipó (MG), em torno da Lagoa Juparanã (ES), na Serra do Caparaó (Pico da Bandeira MG-ES), Agulhas, Couto, Prateleiras (RJ e MG), em Mogi-Bertioga, Paranapiacaba, Trilha do Índio, Juquitiba, Tapiraí, Marins, Ilha do Cardoso, Picinguaba e próximo às cavernas do sul do estado de São Paulo. Na Bocaina, após os primeiros minutos, a gente se desliga completamente da civilização, da vida urbana, do corre-corre maluco do dia a dia e mergulha na natureza ao mesmo tempo agradável e bela, rústica e selvagem, doce e harmoniosa, desafiadora e convidativa, forte e sensível... ah, essa bela Mata Atlântica. Ah, maravilhosa obra da criação... Bocaina, rainha das trilhas... Quem sabe um dia a gente volta, ou voltamos... quem sabe... quem sabe um dia escrevo sobre essa trilha... quem sabe...

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