Paulo Freire
Mesmo sendo uma referência mundial na educação, Paulo Freire
é incompreendido em seu país natal. Se Paulo Freire fosse de
fato estudado, compreendido e utilizado, a educação brasileira estaria décadas
à frente do que está hoje. Seu conceito de que a educação é um caminho para a
emancipação, transformação, progresso individual e social está na própria base
da educação, ideias preconizadas no iluminismo pelo grande pensador Jean
Jacques Rousseau na obra O Emílio, e na
virada do século XIX para o XX pelo respeitadíssimo educador e filósofo John
Dewey. Já escrevi neste blog muito sobre Paulo Freire, mas retorno a ele neste
momento em que sua obra é equivocadamente colocada em cheque.
Paulo Freire desenvolveu uma pedagogia crítica centrada no
estudante, que vai muito além das metodologias, com princípios fundados no
diálogo entre docentes e discentes e no valor da educação como ferramenta para a emancipação.
O sucesso de Paulo Freire é completamente
merecido. Ele é uma referência na educação mundial. Que tal aprender um pouco mais sobre ele?
No início da década de 1960, num Brasil com uma taxa de 40%
de analfabetismo, uma das grandes realizações de Freire foi o projeto que
coordenou na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, na alfabetização de
adultos (hoje chamada de EJA). Utilizando seu método inovador - um método
sintético unido a uma proposta de reflexão dialógica -, ele conseguiu a proeza
de alfabetizar 300 adultos em três meses (a maioria em 45 dias).
Faço aqui um pequeno paralelo antes de continuar falando
deste grande educador. Em fins da década de 1990 e início dos anos 2000
participei do Programa Alfabetização Solidária
como formador de alfabetizadores numa parceria entre municípios da Paraíba e a
faculdade onde eu trabalhava como coordenador de cursos superiores. Aproveitando
a experiência e meus conhecimentos pedagógicos, eu mesmo atuei como
alfabetizador de adultos (EJA) em São Paulo. Assim, como educador e
alfabetizador, utilizei muito da proposta freiriana, unida aos avanços da
metodologia da aprendizagem cooperativa (meu campo de pesquisa e publicações). O
sucesso dos alfabetizandos era notável e isso ocorria em pouco tempo. Posso
afirmar sem sombra de dúvida que, com a metodologia adequada e empenho dos
estudantes, é possível alfabetizar em poucos meses na Educação de Jovens e
Adultos (EJA).
Voltando a Paulo Freire e ao seu método, fica bem claro que
ele buscava não só a base da alfabetização que era a formação de palavras e expressões e a leitura e compreensão,
mas visava ao mesmo tempo à interligação do processo ao seu cenário, à sua
conjuntura e à sua situação estrutural. O educando percebia que as palavras tinham
conexão com o contexto social e cultural. Logo, sua educação visava à reflexão
e conscientização que possibilitavam caminhos para a emancipação individual. E
ao incentivar ações de parceria e cooperação, ele estava indicando caminhos de
crescimento coletivo e comunitário.
Ele via a educação numa perspectiva filosófica: o educando
assimilaria os conteúdos e conceitos estudados fazendo uso desta prática
dialética com a realidade. E isso ocorreria em contraposição a outro tipo de
educação, que ele via como dominadora, alienante e mantenedora do status quo: uma educação sem diálogo, onde
os estudantes apenas recebiam passivamente os conteúdos dos professores - como
uma conta que recebe depósitos -, daí denominada por ele de educação bancária;
uma educação só voltada à técnica e à repetição vazia; uma educação sem
reflexão e por isso alienante; uma educação mantenedora do status quo - manteria o educando com poucas perspectivas de
progresso individual e social -, sobretudo nas classes mais desfavorecidas; uma
educação que não permitia ao aluno estabelecer seu próprio caminho; uma
educação que tinha interesse no silêncio e na passividade. Enfim, Freire propunha outro caminho e logo o país estava diante de duas propostas
completamente distintas.
Freire entre os grandes na Suécia |
O caminho de suas ideias parecia destinado ao sucesso, no entanto, com as mudanças trazidas pela Ditadura Militar, incompreendido, Paulo Freire sofreu perseguição política. Documentos da Secretaria de Segurança Pública
mostram que os militares consideravam Freire um “homem notoriamente ligado à
política esquerdista”, que “vinha comunizando o Nordeste através do seu método
de alfabetização de estilo revolucionário”.
Mas o que parecia a mais dura prova para o educador, se
transformou em sua maior realização, pois suas ideias ganhariam o mundo. Após
mais de setenta dias de prisão em 1964, teve que deixar o país e seguiu para a
Bolívia, depois para Chile, Estados Unidos e Suíça. Escreveu, deu aulas,
palestrou, ganhou o mundo.
Finalizando este post, enfatizo que os países mais avançados do mundo a
partir do momento em que o conheceram, jamais negaram a importância, a inovação
e o avanço que representam as ideias de Paulo Freire e continuam estudando e se
aprofundando em seus conceitos. É sábio e é vanguardista adotarmos essa posição e seguirmos este mesmo caminho.
“Não existe tal coisa como um processo de educação neutra. Educação
ou funciona como um instrumento que é usado para facilitar a integração das
gerações na lógica do atual sistema e trazer conformidade com ele, ou ela se
torna a ‘prática da liberdade’, o meio pelo qual homens e mulheres lidam de
forma crítica com a realidade e descobrem como participar na transformação do
seu mundo”. (FREIRE, 2002, p. 15)
“ [É preciso] criticar a
arrogância, o autoritarismo de intelectuais de esquerda ou de direita, no fundo, da mesma forma reacionários, que
se julgam proprietários, os primeiros, do saber revolucionário, os segundos, do
saber conservador; criticar o comportamento de universitários que pretendem
conscientizar trabalhadores rurais e urbanos sem com eles se conscientizar
também. [...] para mim, o caminho da superação daquelas práticas está na
superação da ideologia autoritariamente elitista; esta no exercício difícil da
virtude da humildade, da coerência, da tolerância, por parte do ou da intelectual
progressista. Da coerência que vá diminuindo a distancia entre o que dizemos e
o que fazemos”. (FREIRE, 1993, p. 80).
Aqui apenas um pouco do muito que Paulo Freire representa.
Preferi apresentar em números e fatos:
- Suas ideias e propostas estão no currículo da formação de
professores das mais prestigiadas Universidades de todo o mundo, de Harvard a Cambridge,
de Oxford a Sorbonne, de Tóquio à Melbourne.
- Recebeu o prêmio da UNESCO de Educação para a Paz em 1986.
- O terceiro teórico mais citado em trabalhos acadêmicos no
mundo inteiro.
- Autor do único livro (de um autor brasileiro) mencionado entre
as cem obras mais citadas no mundo: Pedagogia do Oprimido.
Mural na Universidade do Chile homenageando Paulo Freire |
- Único autor brasileiro entre os cem mais citados no Google
Scholar 2016.
- O brasileiro mais homenageado da história recebendo o
título de Doutor honoris causa em 35 Universidades do Brasil e do mundo.
- Cidadão honorário de diversas cidades brasileiras.
- Condecorado 24 vezes com medalhas, comendas e prêmios em
vários países.
- Convidado oficial de 54 países dos cinco continentes.
- Homenageado com estátua em Estocolmo, capital da Suécia.
- Em 13 de abril de 2012 foi sancionada a Lei nº 12.612, que
declara o educador Paulo Freire Patrono da Educação Brasileira.
- Segundo uma pesquisa envolvendo três estados brasileiros,
Paulo Freire é o nome de escola mais comum.
- Uma escola pública independente de Holyoke, Massachusetts,
Estados Unidos, nomeou-se "Paulo Freire Social Justice Charter
School", e isso foi aprovado pelo Estado em 28 de fevereiro de 2012.
Referências
[1] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes
necessários à prática educativa. 22ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
[2] FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança; 2ª ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra 1993.
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