A AVENTURA DO FRACASSO:
ALFABETIZAR E ENSINAR MATEMÁTICA NO BRASIL
ALFABETIZAR E ENSINAR MATEMÁTICA NO BRASIL
Dr. Frank Viana Carvalho
Resumo
Há anos nossos resultados na educação fundamental têm se mostrado
insuficientes face ás demandas do mundo moderno. E esse descompasso se mostra
cada vez mais evidente no ensino de duas competências básicas: ler e escrever e
matemática básica.
Abstract
For years our results in primary education have
proven insufficient for the demands of the modern world. And this mismatch is
shown increasingly evident in the teaching of two basic skills: literacy and
numeracy..
Estamos em 2014 e há doze anos tenho repetidamente insistido numa mesma
tecla: se queremos ver reais mudanças na educação brasileira, devemos mudar
nossas atitudes com relação à alfabetização e ao ensino da matemática básica.
Ano após ano, quando são
divulgados os resultados de testes internacionais de avaliação da aprendizagem
dos alunos da língua materna e da matemática básica nos deparamos com tristes
fatos. E nesse ano a notícia se repetiu – os resultados de um novo teste do
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), divulgados pela
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que
o Brasil ficou apenas com a 38ª colocação entre os 44 países participantes.
A pontuação média entre todos os
participantes foi de 500 pontos, enquanto os brasileiros marcaram 428 pontos.
Ainda segundo o relatório, 47,3% dos nossos estudantes tiveram performance
considerada baixa. Menos de 2% foram capazes de solucionar problemas complexos.
Quando recebemos as notícias do resultado da Avaliação Brasileira
do Final do Ciclo de Alfabetização (Prova ABC), promovida por uma parceria
entre o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira), a Fundação Cesgranrio, o Instituto Paulo Montenegro/Ibope e o
movimento Todos Pela Educação em 2011, um sentimento de grande incômodo tomou
conta dos líderes da educação no Brasil. Mas o que foi feito desde então? É difícil
responder.
No teste mais atual, onde a OCDE buscou
avaliar mais as habilidades cognitivas dos estudantes do que seu conhecimento
de conteúdo matemático, participaram do exame cerca de 85 mil alunos, todos com
15 anos de idade. E de novo, os resultados dos estudantes brasileiros continuam
desanimadores.
Entretanto, mais uma vez os resultados apontaram para a raiz do
problema, mas os “especialistas” e “entendidos” não conseguem vê-lo. Das duas,
uma: ou são incapazes (aqui o termo é literal – não têm capacidade de ver o que
de fato importa) e por isso, desculpáveis, ou são ineptos, e, por isso,
responsáveis pela lentidão e ineficiência na busca das soluções.
Vamos aos números
Com base nos resultados da avaliação (Prova ABC), de cada 100
(cem) alunos do 3º ano do ensino fundamental (antiga 2ª série), 44 (quarenta e
quatro) não são capazes de encontrar informações num texto escrito. Ou seja,
não são capazes de entender o que estão lendo. Com base nas orientações
curriculares do MEC, os estudantes deveriam nessa etapa ser capazes de
identificar os temas de uma narrativa, localizar informações explícitas,
identificar características de personagens em textos como lendas, contos,
fábulas e histórias em quadrinhos e perceber relações de causa e efeito (nesses
textos).
Ora, é evidente que houve falhas no processo de alfabetização.
Traduzindo sem rodeios: estes alunos foram mal alfabetizados, e não sabem ler.
E, como o processo é interligado e dinâmico, pode-se afirmar com certeza que
não sabem escrever.
Na sequência o resultado da avaliação de Matemática.
De cada 100, 52 alunos dessa mesma série não conseguem resolver
problemas de soma ou subtração. Assim, não sabem fazer contas de mais e de
menos para, por exemplo, calcular o troco numa compra.
Mal em Português e mal em Matemática.
Mas vejamos o óbvio.
Nas várias provas que são aplicadas aos estudantes (SARESP, Prova
Brasil e outras), não é permitido que ‘adultos’ expliquem as questões aos
alunos, para não interferir nos resultados.
Ora, se 44 alunos em cada 100 não sabem ler (e escrever), como é
que poderão entender um problema de Matemática?
Se são incapazes de interpretar ou mesmo localizar informações em
texto, como é que poderão compreender o enunciado do problema ou da questão?
É até provável que, se essas crianças “ouvissem” de um professor o
enunciado do problema ou a formulação da questão, poderiam acertar sua resposta
(uma boa parte delas).
Ou seja, voltamos ao problema da alfabetização.
Se vão mal, é porque foram ‘mal alfabetizados’. Logo, não sabem
ler e escrever. Não sabendo ler, não entendem os enunciados das questões –
sejam de Matemática, Português, Ciências ou qualquer outra área do
conhecimento.
E a solução
A solução é fácil. Passa por três eixos. Vamos a eles.
1º Estabelecer a Alfabetização como Prioridade. E isso é simples: a) Investir na
capacitação dos profissionais que trabalham na fase da alfabetização. Oferecer
formação continuada em serviço; b) Exigir formação em nível superior e formação
adicional (pós-graduação) nesta área específica; c) Pagar os melhores salários
aos professores que atuam na Alfabetização e nas Séries Iniciais (equivalentes
aos professores do nível superior).
2º Mudar o Foco e Currículo da Formação dos Professores. Os alunos não estão aprendendo na
faculdade a alfabetizar. Pouquíssimas Faculdades de Pedagogia ensinam a
alfabetizar. O que algumas fazem muito bem é ‘teorizar’ sobre alfabetização.
Nossa, que saudade do Magistério! Refiro-me ao antigo curso (extinto) de Ensino
Médio.
Hoje, o curso (por excelência) para a formação de professores das
séries iniciais (e educação infantil) é o Pedagogia. No contexto atual, este é
um curso (sem sombra de dúvida) completamente anacrônico.
O curso dá excessiva ênfase em disciplinas teóricas que pouco
significarão na prática docente. Não ensina seus alunos a alfabetizar. Não os
ensina efetivamente a dar aulas. Até nas matérias que deveriam ter metodologias
e sentido prático (Didática, Metodologias do Ensino e Prática de Ensino), o
curso consegue voltar o foco (novamente) para as teorias que fundamentam a prática e não a
prática em si mesma. E o Estágio Supervisionado fica só no nome, pois os alunos
raramente são acompanhados e , é claro, muitos estágios jamais acontecem como
deveriam – apenas os relatórios. Além disso, é um curso muito curto para tudo o
que pretende do egresso (são só seis semestres) – formar diretores,
supervisores, coordenadores, orientadores, professores da educação infantil e
séries iniciais. Não sei de nenhum outro curso superior no Brasil onde o
profissional estuda tão pouco e pode ter tantas possibilidades sem uma formação
adicional.
É verdade que um profissional 'se faz' em serviço, que muitas
coisas só serão aprendidas na prática do dia a dia. Mas é impensável imaginar a
formação de graduação de um cirurgião sem a formação prática - só com teorias.
Voltemos aos docentes. Ora, se um curso de Pedagogia não ensina o básico (saber
alfabetizar, para um professor de séries iniciais esse é um "saber"
básico, fundamental), o curso está ensinando o quê, então?
3º Repensar o Paradigma Atual das Metodologias de
Alfabetização. Faz algum tempo que o MEC se deu conta de
que diferentes posturas metodológicas operando juntas podem dar mais resultados
do que uma linha isolada. Só faltou falar isso para os grupos antagônicos
que teimam em ter a 'única' verdade na alfabetização: os construtivistas e
os tradicionais. E vale lembrar que não existem apenas dois modelos.
É necessário realizar urgentemente pesquisas com diferentes
modelos para aproveitar o que cada um tem de melhor para ajudar os alunos no
processo de alfabetização. Temos que parar de ‘comprar teorias encaixotadas’
feitas por americanos, argentinos, cubanos e outros e mudar nossa postura. Não
estou aqui desprezando as boas ideias que vem de fora. Mas devemos ter um olhar
crítico sobre ‘todas’ elas. Precisamos também pesquisar por nós mesmos. Devemos
nos valer das boas ideias e práticas de educadores brasileiros (antigos e
atuais) para realizarmos uma alfabetização de sucesso.
Finalizando
Dei aulas para o Curso de Pedagogia por doze anos. Lecionei diversas
disciplinas. Debati e sugeri várias mudanças. Esforcei-me ao máximo para dar
aulas práticas, onde a teoria se efetivasse em ações para e com meus alunos.
Estudei muito e trabalhei na esfera pública também. Sei do que estou falando.
Dá para mudar o mundo, decidindo e mudando pequenas atitudes.
Às vezes ouvimos de quartas séries (quinto ano) onde 25% dos
alunos não sabem ler e escrever. Será que isso é verdade?
Há apenas alguns anos (em 2007) recebi de uma de minhas alunas do
curso de Pedagogia uma carta escrita por uma aluna da 8ª série (atual 9º ano).
Enquanto tentávamos ler juntos, eu tive vontade de chorar. Foi realmente
difícil interpretar aquelas palavras. Eu quis chorar mas outros iriam rir
diante daquela tentativa de carta. Letras perdidas em pedaços que não lembravam
palavras nem frases, sem nenhuma pontuação com sentido. Perguntei se a aluna
(da 8ª série) tinha alguma dificuldade de aprendizagem ou outra deficiência. A
resposta foi negativa. A garota foi empurrada pelo sistema séries e séries
acima. Nenhum professor, após a etapa de alfabetização sentiu-se responsável
pelo problema – afinal de contas em sua concepção, eles não tinham nenhuma
obrigação de alfabetizar - a culpa era do professor anterior, o que finalmente
nos remetia às séries iniciais.
Alguns vão dizer que esta história é um caso isolado. Mas é uma
lástima se não for.
Referências:
http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/alunos-brasileiros-ficam-entre-os-piores-em-teste-de-raciocinio-logico-12052532