DEFININDO
QUALIDADE
Dr. Frank Viana Carvalho
Resumo
A imprecisão da definição de qualidade não se apresenta como um grave
problema para a maioria das pessoas. Entretanto, para aqueles que trabalham em
processos de avaliação da qualidade, a conceituação é uma necessidade evidente.
Ocorre que a subjetividade é a marca mais evidente na conceituação do termo.
Abstract
The vagueness of the definition of quality is not
presented as a serious problem for most people. However, for those working in
the process of quality assessment, conceptualization is an obvious need. Occurs
that subjectivity is the most obvious mark on the definition of the term.
O conceito de qualidade é difícil de ser definido com precisão. É
polissêmico, no entanto, não há quem o não reconheça. Embora algumas definições
de dicionários sejam repetitivas e não conclusivas, é neles que iniciamos uma
caminhada buscando definir este termo. Encontramos uma definição básica numa
obra de RUTH ROCHA (1996:508) que, embora sucinta, ela fixa-se nos aspectos
objetivos ao conceituar qualidade como:
“1 Aquilo que caracteriza uma coisa. 2 Índole,
modo de ser (no sentido elogioso). 3. Categoria, atribuições. 4. Espécie,
tipo.”
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Justamente o que “caracteriza” uma coisa é a sua qualidade e o “modo de
ser” de uma pessoa também é o indicador de sua qualidade humana. Uma mesma
linha de raciocínio, mas adicionando pontos significativos, acrescenta:
“Qualidade: 1. Característica de uma coisa. 2. Modo de ser. 3. Dote,
predicado. 4. Disposição moral, caráter, temperamento.” (MELHORAMENTOS,
1992:423)
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A conclusão do caráter, que é o traço moral da individualidade, transpõe
a definição para um aspecto mais subjetivo. Incluindo o temperamento na sua
definição da qualidade humana, ele abre espaço para uma construção de qualidade
humana, pois segundo GOLEMAN (1995:102) “o temperamento pode ser alterado pela
experiência”.
CUNHA (1975:8) aproxima-se da definição mais atual ao afirmar que
qualidade é o “grau de conformidade em relação a um certo padrão”. Vai além
destas definições e busca na filosofia uma conceituação que escapa aos
processos etimológicos:
“Qualidade:
... 1. Característica que destingue uma pessoa, coisa ou entidade. 2.
Virtude, talento. 3. Caráter, temperamento. 4. Categoria, tipo. 5. Grau de
conformidade em relação a um certo padrão. 6. Em gramática, valor das vogais
de acordo com o timbre. 7. Em filosofia, acidente que modifica a substância
sem alterar a essência; constitui uma das categorias fundamentais da
filosofia aristotélica. Distinguem-se as qualidades primárias, inerente a
idéia de matéria (Extensão, impenetrabilidade, forma), e as qualidades
secundárias, que correspondem a sensações e podem ser supridas sem que se
elimine a idéia de corpo (cor, sabor, cheiro, som calor, etc.).”
|
Não é o objetivo central desta abordagem verificar as nuances
filosóficas da definição de qualidade. Mas não deixamos de perceber a sua
influência na formação do conceito atual do termo. É perceptível a ênfase
filosófica da “essência”. É algo primário, inerente e também secundário,
perceptível. A qualidade é, por assim dizer, uma característica distintiva, que
faz de um ser ou uma entidade, diferente das demais e que a partir daí pode lhe
atribuir valor. Em filosofia, de acordo com Mora (1982:329), “a qualidade
é um acidente que modifica a substância sem alterar a essência.”
A definição de GARCIA
e NASCENTES (1974:3008), porém, é mais adequada à compreensão atual e vão
categorizar a qualidade em vários outros pontos não abordados.
“Qualidade:
... O que faz que uma coisa seja tal como se considera; propriedade e ou
condição natural das pessoas ou coisas pela qual se distinguem das outras; o
que constitui a maneira de ser das pessoas ou das coisas; essência; natureza.
Propriedade, excelência, virtude. Caráter, índole, disposição moral ou
intelectual; atributo (bom ou mau) das pessoas. Laia, jaez,
espécie, casta...” “... Natureza, condições próprias de alguma coisa,
aptidão. Qualidades ocultas, supostas qualidades ou propriedades inacessíveis
aos sentidos e à razão e que se admitiam nos corpos para explicar os efeitos,
que pelos meios diretos de observação não se sabiam explicar. (...)”
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A subjetividade do termo transparece nas “propriedades inacessíveis aos
sentidos e à razão”. Parte do que é qualidade não poderia ser definida ou
percebida, muito menos mensurada ou quantificada. Mostra o lado da
aplicação às pessoas quando afirma que é um “atributo” bom ou mau. Aqui neste
ponto, eles fizeram também a primeira referência de qualidade que pode ocorrer
no sentido negativo. Ressaltam ainda a qualidade como uma “disposição moral ou
intelectual”. Destaca-se sobremaneira aqui a condição natural das
pessoas, sua maneira de ser, suas virtudes, sua disposição, sua
excelência. Eles trazem assim, a definição para um lado mais humano, embora não
deixem de mencionar as outras características da qualidade:
SILVA (1970:507)
adiciona às concepções já citadas “o grau de perfeição, de precisão, de
conformidade a um certo padrão.” A qualidade, na definição dele também será “a
conveniência entre o sujeito e o predicado”.
“Qualidade: ... (latim
qualitate).
1. Atributo, condição natural,
propriedade pela qual uma pessoa ou coisa se individualiza, distinguindo-se
das demais; maneira de ser, essência, natureza. 2. Excelência, virtude,
talento.
3. Caráter, índole,
temperamento.
4. Grau de perfeição, de
precisão, de conformidade a um certo padrão “...” 12. Filos. Conjunto de
aspectos sensíveis da percepção resultantes de uma síntese efetuada pelo
espírito. 13. Filos. Propriedade do juízo que percebe a conveniência ou a
desconveniência entre o sujeito e o predicado. S.f. pl. Atributos que
se convêm ou adaptam a um ente. Quando estas qualidades procedem de sua
essência, chama-se propriedades ou qualidades essenciais ou diferenças
específicas, quando não procedem de sua essência e sem elas o ente pode
subsistir, chamam-se acidentes ou qualidades acidentais. (...) “propriedades
não verificáveis, supostas na natureza para explicar os fenômenos. Q.
primárias filos., Aqueles sem as quais os corpos não podem ser concebidos
(extensão e impenetrabilidade). (...).”
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As qualidades “essenciais” para um ser humano seriam então, dentre
outras, a razão e o funcionamento autônomo do organismo, enquanto que as
qualidades acidentais poderiam ser a altura, o peso, a cor da pele, a sabedoria
ou a ignorância. Nas essenciais está a existência e a natureza do ser, enquanto
que as acidentais não estão relacionadas como as primordiais à subsistência do
ser. Já para os objetos ou artefatos, estaria a precisão, a conformidade a um
determinado modelo ou padronização.
DEMO (1994:25-26), com propriedade afirma que “na qualidade não vale o
maior, mas o melhor, não o extenso, mas o intenso, não o violento, mas o
envolvente; não a pressão, mas a impregnação”.
Para VOLKER (1994:59), a qualidade é “um atributo que lhe caracteriza
esta existência, que a identifica, especializa, a torna única e inédita.” Mas
ele reconhece a dificuldade de se achar um conceito padrão. Entender a
qualidade envolve subjetividade:
“Qualidade:
“... a qualidade é o atributo do ser. Pelo fato de algo ser, há um atributo
que lhe caracteriza esta existência, que a identifica, especializa, a torna
única e inédita. (...) De uma forma ou de outra, a apreensão da qualidade
sempre foi um dos grandes desafios da filosofia. A ciência hoje adota o ponto
de vista da complexidade. Assim, a qualidade é o resultado de
interações, interligações, emergência e repressões, enfim, uma rede de
relações entre os contextos internos e externos de um sistema na
história. Este sistema pode ser um átomo, uma partícula ou uma instituição”.
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Estas definições são algumas das concepções de etimologistas e
estudiosos da língua portuguesa. Há variação entre eles, pois “de fato, o
próprio conceito de qualidade varia de acordo com as circunstâncias temporais e
espaciais”, afirma VIEIRA (1995:105).
Sua validade está na reflexão que nos remete a uma melhor compreensão da
sua aplicação no contexto contemporâneo. Assim, vemos que o conceito é complexo
e de aplicações contextuais, não podendo necessariamente ser aplicado
indistintamente em diferentes épocas e circunstâncias com o mesmo significado.
Referências Bibliográficas:
CUNHA, Maria
Carneiro (org.). Enciclopédia Universal Gama. Rio de janeiro: Gamma, 1975.
DEMO,
Pedro. Avaliação Qualitativa. Campinas: Editora Autores Associados ,
1994.
____________. Educação e Qualidade. 2ª Ed.,
Campinas: Editora Papirus, 1995.
GARCIA, Hamilcar,
NASCENTES, Antenor. Dicionário
contemporâneo da Língua Portuguesa CALDAS AULETE. Vol. IV,
3ª Ed., São Paulo: Delta, 1974.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência
Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
MORA,
José Ferrater. Dicionário
de Filosofia. 5ª Ed.,
Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1982, p. 329.
SILVA, Adalberto
Prado. Novo Dicionário
Brasileiro Melhoramentos. Vol.
IV, São Paulo: Melhoramentos,
1970.
VIEIRA, Sofia Lerche.
"Educação e Qualidade". In: Revista Universa, V. 3, nº
2, p. 283, out. 1995.
VOLKER, Paulo
R. M. Revista Dois
Pontos. A famigerada
qualidade no ensino – Paradoxos filosóficos da educação.
Primavera de 1994, p. 59.
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