Proposta de Modificação da
MP 746/2016
Dr. Frank Viana Carvalho (Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia - SP)
Considerações
iniciais
Ao longo das duas últimas décadas, especialistas em
educação têm debatido sobre a necessidade de mudanças no Ensino Médio (EM) com
vistas à melhoria dos resultados dos alunos, e o próprio Ministério da Educação
criou grupos de estudos com essa finalidade. Os resultados das avaliações dos últimos
dez anos mostram que, embora pequeno, houve crescimento no Ensino Médio: o Ideb
saiu de 3,4 em 2005, para 3,7 em 2015. O que se percebe é que ao analisar os dados
dos países que alcançam melhores no PISA, há desafios em várias frentes para o
Ensino Médio no Brasil: capacitação e formação dos professores (formação
profissional e continuada), mudanças curriculares, introdução de novas metodologias
de ensino e aprendizagem, melhoria da estrutura das escolas (equipe
educacional, materiais e equipamentos, espaços pedagógicos), aumento da
permanência diária dos alunos na escola (Tempo Integral) e melhoria do plano de
carreira dos professores. A mudança proposta pela MP 746/2016 vai basicamente em
apenas duas direções: aumento do tempo de permanência dos alunos nas escolas e
alterações de natureza curricular. Nessa mesma linha, há grupos de estudo no
Brasil com preocupação em realizar mudanças de natureza curricular, e realizar
modificações Base Nacional Curricular Comum (BNCC), um deles criado pelo MEC: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio.
Será que essas são as mudanças mais indicadas para alcançar os resultados
almejados?
Ao analisar atentamente o que ocorreu em outros países
que buscaram soluções para esta mesma questão, a resposta volta-se para outros caminhos. Se é verdade que a estrutura no Brasil do EM atual
mostra-se anacrônica e insuficiente, não se pode conceber uma proposta moderna de
reforma ou reformulação sem estabelecer processos de formação continuada para
os professores (investir na melhoria da qualidade do trabalho docente) que lhes
permitam utilizar melhores abordagens metodológicas (modernas metodologias de
ensino e aprendizagem, percursos de interdisciplinaridade, uso das modernas
tecnologias da informação) para a melhoria contínua do seu trabalho educativo e
da aprendizagem dos estudantes. Vários modelos seguem essas tendências nos
países mais desenvolvidos. Na Finlândia, país que tem sido referência na
educação mundial, a maioria dos docentes têm pós-graduação e em seu trabalho têm
de articular suas disciplinas a projetos interdisciplinares e às modernas
tecnologias para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem. Na França, por exemplo, o Ensino Médio (Lycée - Liceu) é igual para todos – as
provas ou exames finais chamados Baccalauréat
é que são diferentes. Ao todo são nove disciplinas, pois algumas são agrupadas interdisciplinarmente
(Física e Química; História e Geografia). Na Inglaterra são nove disciplinas
básicas no EM (algumas também articuladas interdisciplinarmente, como Artes e
Tecnologia, Estudos Sociais e Filosofia, História e Geografia), além de outros
componentes adicionais que completam a Escola de Tempo Integral. Em Portugal,
os docentes recebem valores adicionais quando estão em capacitação. Os
professores do Ensino Médio do Japão trabalham em equipe para estabelecer
juntos estratégias de ensino e interdisciplinaridade. Nos Estados Unidos, em
vários estados os investimentos se voltam para a capacitação dos professores, pois
há vários estudos que mostram que quanto mais se investe na melhoria do
trabalho e qualificação docente, tanto melhores são os resultados dos alunos. A
diferença média entre alunos com potencial semelhante chega 53 pontos
percentuais ao final de oito anos de estudo:
* Entre os 20% de melhores professores;
** Entre
os 20% de piores professores
A análise
dos dados testados de Tennessee mostrou que a qualidade dos professores afetou
mais o desempenho dos alunos do que qualquer outra variável; em média, dois
alunos de desempenho médio (50º percentil) diferiam em mais de 50 pontos de
percentil num período de três anos dependendo do professor que tinham.
Fonte: Sanders & Rivers Cumulative and Residual
Effects on Future Student Academic Achievement.
Quando se fala em estratégias para melhorar a qualidade do trabalho dos professores, o exemplo da Inglaterra é emblemático. Lá não houve melhoria nos níveis de
alfabetização nas escolas durante 50 (cinquenta) anos. Uma abordagem
estratégica para elevar a qualidade dos professores em 1997 resultou em melhorias
significativas em apenas 03 (três) anos:
* Os níveis de alfabetização antes da introdução das
avaliações nacionais eram extrapolados de fontes de dados disponíveis
Fonte:
Departamento de Educação e Habilidades (RU), Trends in Standards of Literacy
and Numeracy in the United Kingdom 1948-1996, análise McKinsey.
A
proposta para o EM do Brasil:
Inspirada nos modelos acima citados, em pesquisas educacionais, em diálogos produtivos com vários docentes de diferentes instituições, e com membros da equipe do IFSP-SRQ, nossa proposta é
simples e altamente funcional:
- Manter um grupo permanente de estudos da Base
Nacional Curricular Comum (BNCC);
- Os sistemas de ensino deverão criar mecanismos de
formação continuada e capacitação dos docentes e demais educadores que atuam na
Educação Básica, remunerando de forma adicional os docentes durante todo o
período em que estejam em capacitação;
- As instituições formadoras de professores modificarão
seus currículos para ensinar aos educandos modernas metodologias de ensino e
aprendizagem com eixos teóricos e práticos que envolvam a interdisciplinaridade
em suas múltiplas apresentações, tecnologias da informação, avanços
científicos, trabalho em equipe e cooperação, solução de problemas, educação socioemocional,
criatividade, desenvolvimento de competências, habilidades e múltiplas
inteligências;
- Estabelecer a interdisciplinaridade como meta
principal da ação pedagógica, articulando o trabalho docente às novas
tecnologias, saberes científicos e temas da modernidade;
- Alocar as disciplinas em Projetos
multidisciplinares, de tal forma que os processos avaliativos também caminhem
conjuntamente;
- Os docentes de cada uma das disciplinas continuarão
a lecionar os conteúdos curriculares de suas áreas, mas planejarão as
atividades de ensino e aprendizagem para a integração e não para a segmentação;
- As seguintes disciplinas trabalharão em projetos de
avaliação interdisciplinar conjuntamente:
- Física e Matemática;
- Inglês e Espanhol (língua estrangeira moderna);
- Biologia e Química;
- História e Geografia;
- Filosofia e Sociologia;
- Artes e Educação Física;
- A disciplina Língua Portuguesa se articulará em
diferentes momentos aos projetos de avaliação conjunta dos componentes de Artes
e/ou das demais disciplinas;
- Em cada ano do Ensino Médio haverá um Projeto
Integrador, conduzido por dois ou mais docentes para promover a
interdisciplinaridade em suas variadas formas e integrar os componentes
curriculares;
- Todas as escolas em suas grades horárias
estabelecerão momentos (dias e horários) onde todos os docentes de cada turno
poderão se reunir para estudar, desenvolver e estabelecer projetos para a
atuação interdisciplinar de forma a melhorar os processos de ensino e
aprendizagem – esses momentos deverão ocupar entre duas e quatro horas aulas
semanais;
- Nos cursos técnicos de Ensino Médio as equipes
docentes estabelecerão propostas de interdisciplinaridade nos componentes da
formação profissional;
- As avaliações ligadas aos processos seletivos das
instituições de ensino superior considerarão essas mudanças em seus modelos de
avaliação e ao avaliar os conhecimentos curriculares terão enfoque em
competências e habilidades;
- Os sistemas de ensino estabelecerão projetos para a implantação
em todo o país da Escola de Tempo Integral, aumentando progressivamente a carga
horária até o total de 1400 horas anuais;
- Os temas transversais serão articulados de forma
objetiva às disciplinas da BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
São Roque, 05 de outubro de
2016.
Tive o privilégio de visitar a Câmara dos Deputados em Brasília em 05 de outubro de 2016, onde fui cordialmente recebido pela equipe do Deputado Federal Arnaldo Faria de Sá, presidente da Comissão de Educação. Entreguei a ele e à equipe a Proposta que, tenho certeza, pode contribuir para uma melhor reforma do que a anunciada na MP 746/2016.
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