quarta-feira, 25 de junho de 2008

Einstein e Deus

Outro dia falei sobre Einstein e sua colocação sobre a construção "humana" de Deus. É certo que ele rejeitava a idéia de um deus antropomórfico, ou seja, de um Deus moldado à semelhança humana. Vale destacar alguns pensamentos do próprio Albert Einstein:

"Nunca encontrei uma expressão melhor do que "religiosidade" para definir a confiança na racional natureza da realidade e de sua peculiar acessibilidade à mente humana. Onde não há essa confiança, a ciência degenera, tornando-se um procedimento sem inspiração. Se os sacerdotes lucram com isso, que o diabo cuide do assunto. Não há remédio para isso.

Quem quer que tenha passado pela intensa experiência de conhecer bem sucedidos avanços na ciência é movido por uma profunda reverência pela racionalidade que se manifesta em existência (...) a grandeza da razão encarnada em existência.

O certo é que a convicção, semelhante ao sentimento religioso, da racionalidade ou inteligibilidade do mundo, está por trás de todo trabalho científico de uma ordem superior. Essa crença firme em uma mente superior que se revela no mundo da experiência, ligada a um profundo sentimento, representa minha concepção de Deus.

Todos os que seriamente se empenham na busca da ciência convencem-se de que as leis da natureza manifestam a existência de um espírito imensamente superior ao do homem, diante do qual nós, com nossos modestos poderes, devemos nos sentir humildes.

Minha religiosidade consiste de uma humilde admiração pelo espírito infinitamente superior que se revela nos pequenos detalhes que podemos perceber com nossa mente frágil. Essa convicção profundamente emocional da presença de um poder racional superior, que é revelado no incompreensível universo, forma minha idéia de Deus."

Einstein tinha admiração por um filósofo judeu chamado Spinoza (notadamente panteísta), e em certa ocasião disse que "acreditava no Deus de Spinoza". Quando perguntaram a Einstein se ele era ateu ou então panteísta, ele respondeu:

Não sou ateu e não acho que posso me chamar de panteísta.
Estamos na situação de uma criança que entra em uma enorme biblioteca cheia de livros escritos em muitas línguas. A criança sabe que alguém escreveu aqueles livros, mas não sabe como. Não entende os idiomas nos quais eles foram escritos. Suspeita vagamente que os livros estão arranjados em uma ordem misteriosa, que ela não compreende. Isso, me parece, é a atitude dos seres humanos, até dos mais inteligentes em relação a Deus. Vemos o Universo maravilhosamente arranjado e obedecendo a certas leis, mas compreendemos essas leis apenas vagamente. Nossa mente limitada capta a força misteriosa que move as constelações.”

Einstein nunca se considerou ateu e protestava contra isso. Certa ocasião, quando visitava o príncipe Hubertus de Loweinstein, Einstein declarou que ficava zangado com pessoas que não acreditavam em Deus e o citavam para corroborar suas idéias.
Vemos que isso ocorre novamente hoje, ao se valerem de uma carta que ele escreveu a um amigo na qual fez críticas à concepção de Deus numa perspectiva antropomórfica.

Einstein não chegou a conhecer algumas coisas que o deixariam ainda mais assombrado e maravilhado – dentre elas, as impressionantes descobertas sobre o DNA e o RNA e as descobertas sobre as menores partículas do Universo. Ele morreu antes que qualquer nave espacial pudesse alcançar outros planetas ou o telescópio Hubble ser colocado na órbita da Terra.

O interessante é que ainda hoje, vários homens que se aprofundam na ciência, à semelhança de Einstein, aproximam-se cada vez mais da visão de um Criador, de um Deus que, embora não consigam explicar, é demasiado evidente para ser negado.

Já li três biografias de Einstein – talvez eu seja fã dele e nem o saiba. Ainda guardo duas biografias dele em minha estante de livros. Suas idéias mudaram a concepção moderna de mundo. Sua crença em um Ser Superior mostra que muitos homens (muito) inteligentes têm tido a humildade de reconhecer que somos pequenos diante de um Universo tão imenso e de um Ser capaz de criá-lo e mantê-lo.

Fica também outra lição: o respeito que se deve a ter a todas as pessoas que crêem em Deus de uma forma diferente da nossa.

Fonte: There is a God: how the world’most notorious atheist changed his mind. London: Harper Collin Publishers, 2007.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Não foi fácil

Não foi fácil caminhar por este prédio... mesmo vazio. Em cada sala por onde passei hoje, vi meus alunos das turmas anteriores e atuais... O pátio, o auditório, o laboratório de Informática... Abracei alguns amigos... dez anos...
Obrigado Senhor!
Valeu

terça-feira, 17 de junho de 2008

Mudanças

Elliot Gould afirmou que "ninguém deve ser escravo de sua identidade; quando surge uma possibilidade de mudança é preciso mudar".
A aplicação de suas palavras é ampla e é dele também a afirmação de que "a angústia é o preço que se paga pela lucidez".
Felizmente o tempo é o senhor da razão e em breve nossas decisões se mostram acertadas ou não.
Mas como o verdadeiro sentido da vida está em 'arriscar tudo o que ganhamos em uma única parada', e avançarmos para ver o resultado, logo, é virtude esperar...

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Amigos

Hoje, outra homenagem dos alunos. Colocaram a Canção da América... Nossa, o coração disparou.

Canção Da América
Milton Nascimento
Composição: Fernando Brant e Milton Nascimento


Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção
que na América ouvi

Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir
Mas quem ficou,
no pensamento voou
Com seu canto
que o outro lembrou
E quem voou,
no pensamento ficou
Com a lembrança
que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância
digam "não"

Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier,
venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar

Qualquer dia, amigo,
a gente
vai se encontrar.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Gonzaguinha

Eu fico com a pureza das respostas das crianças:
É a vida! É bonita e é bonita!
Viver e não ter a vergonha de ser feliz,
Cantar, e cantar, e cantar,
A beleza de ser um eterno aprendiz.
Ah, meu Deus! Eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será,
Mas isso não impede que eu repita:
É bonita, é bonita e é bonita!


Até aqui é canto, é celebração da vida. Filosofando:

E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce ilusão?
Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é? O que é, meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo,
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo,
Há quem fale que é um divino mistério profundo,
É o sopro do criador numa atitude repleta de amor.
Você diz que é luta e prazer,
Ele diz que a vida é viver,
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é, e o verbo é sofrer.
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé,
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser
,
Sempre desejada por mais que esteja errada,
Ninguém quer a morte, só saúde e sorte,
E a pergunta roda, e a cabeça agita.

Viver é decidir, é escolher, é fazer, é pensar, é refletir, é amar, é sofrer...
De fato, a vida é muito mais do que conhecemos.

Fico com a pureza das respostas das crianças:
É a vida! É bonita e é bonita!É a vida! É bonita e é bonita!

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Homenagem


Os alunos fizeram uma maravilhosa homenagem para todos os professores nesta noite incrível aqui na Faculdade.

Estávamos juntos ali no estacionamento dos professores: Elaine Puntel, Ana Lenotti, Ana Maria Bonjorni, Sueli Bigarelli, Edith Cristina, Dorival, Augusto, Danny e eu.

Todos se emocionaram, pois o sentimento era de que talvez seja a última homenagem dessa natureza que (alguns de nós) receberemos nessa instituição. Os alunos me chamaram para falar algo, de improviso. Nem sei o que falei, só sei que relembrei o quão gostoso foi fazer parte dessa maravilhosa equipe. Os alunos chamaram a Elaine, mas ela, emocionada, amparada pela Ana Maria Bonjorni, só conseguiu dizer que amava a todos. A Ana Lenotti veio e falou bonito, destacando o dom e o amor pela profissão.

No final flores e abraços... muitos.
Amamos!!!
Obrigado, queridos alunos!

terça-feira, 10 de junho de 2008

Aristófanes e a estupidez

“A juventude envelhece,
a imaturidade é superada,
a ignorância pode ser educada
e a embriaguez passa;
mas a estupidez dura para sempre.”
Aristófanes (sábio grego)
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No contexto, Aristófanes (séc. IV a.C.) se referia ao sentido de estupidez como a qualidade ou condição de ser estúpido, da falta de inteligência, de sabedoria e de bom senso, ao contrário de ser meramente ignorante ou inculto, ou ainda mal educado.
Em síntese, tudo pode ser remediado, mas a estupidez (ou estultícia, insensatez ou tolice) é um caso complicado...
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A inteligência, caminho para a sabedoria, não é necessariamente aquela. Sabedoria é, segundo os gregos, pais da filosofia, aquela capacidade e conhecimento que nos permitem identificar os erros (próprios e da sociedade) e buscar corrigi-los. Infelizmente muitos que não são, julgam-se sábios.
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Com relação ao bom senso é preciso ponderação e reflexão. Se a palavra certa é prata, o silêncio é ouro. Sobre esse assunto ironizava Descartes: “O bom senso é a capacidade melhor distribuída sobre a Terra, pois todos julgam ser dele bons possuidores.”
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Já a inteligência, segundo as modernas pesquisas, é um dom visível na maioria das pessoas, pois há diferentes manifestações dela em suas múltiplas faces.
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Cabe-nos desenvolver a inteligência, com bom senso, caminhando rumo à sabedoria.

Utilidade e Honestidade

“... Suave, mari magno, turbantibus aequora ventis,
E terra magnum alterius spectare laborem.” [1]
F. V. Carvalho

Ao citar Lucrécio, Montaigne tenta desvendar a alma ao revelar os mais íntimos sentimentos humanos. “Nosso edifício público e privado é cheio de imperfeição.”
Ao que parece, uma justificativa para o comportamento humano, mas sua análise não é superficial, pois para Montaigne, é isso mesmo que somos – contraditórios, cheios de imperfeições e qualidades doentias. É como se a virtude se esforçasse para vir à tona - mas ele acredita que isso tem o seu lugar e utilidade no funcionamento de nosso ser. E se fosse possível tirar de nós estes “defeitos", deixaríamos de ser humanos, perderíamos “as condições fundamentais de nossa vida”.
Saindo do privado e dirigindo-se à vida pública, ele parece criar uma justificativa para o comportamento da classe política: “nela os vícios tem seu lugar.”
Montaigne gosta de citar Cícero, que colocava que só é útil o que é honesto e, que “a utilidade nunca deve lutar com a honestidade” (Cícero, III, 347). Mas em alguns trechos de seus Essays (Ensaios) ele parece ser mais maquiaveliano, pois acredita que a utilidade da execução do cargo público pede um comportamento contraditório das lideranças: “o bem público requer que se traia, que se minta e que se massacre.” Maquiavel já afirmava que “a condição humana é tal que não permite a posse de boas qualidades, nem a sua prática consistente.” (Maquiavel, O Príncipe, 100).
No entanto, Montaigne acha que este papel – o de exercer as “obrigações necessárias, mas também viciosas” é um papel para os cidadãos mais vigorosos e corajosos. Para os mais “fracos” ficam os outros papéis. No entanto, ele se inclui entre os mais fracos, dando a entender, claramente, que não era para ele aquele comportamento do setor político e público.

[1]Trecho do Poema Rerum Natura de Titus Lucretius Carus (ou Tito Lucrécio Caro, na forma portuguesa), poeta e filósofo latino que viveu no século I a.C.

Amigos, caso queiram mergulhar um pouco mais fundo no pensamento de Montaigne, leiam o artigo que escrevi “Do útil e do honesto – o apego de Montaigne às virtudes”, no seguinte endereço: http://novafilosofia.blogspot/.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

O valor das coisas

O valor das coisas não está no tempo que elas duram,
mas na intensidade com que elas acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis
e pessoas incomparáveis.
(Fernando Pessoa)

Foram dez anos, mas isso não é o mais importante:
o que conta são as pessoas maravilhosas
com quem tive o privilégio de compartilhar esses anos!
O que conta são os momentos espetaculares que vivemos juntos,
as grandes vitórias que alcançamos e as lutas que enfrentamos (nunca esqueceremos as Comissões do MEC, as boas risadas, o “A” no provão, e mesmo o dia a dia...).
Sinto-me um privilegiado de haver trabalhado com profissionais dedicados e apaixonados pelo mesmo ideal.
Amei cada momento!

Agora, parece que, para comemorar esses dez anos, vem esse prêmio!

Puxa, mais um prêmio: essa equipe é dez!

terça-feira, 3 de junho de 2008

Concepções atuais de Probabilidade (2005)

As diferentes Concepções atuais de Probabilidade
Mauro César Gonçalves

Resumo
Este artigo tem o objetivo de apresentar os resultados parciais da pesquisa de GONÇALVES (2004), cujo título é “Concepções[1] de Professores e o Ensino de Probabilidade na Escola Básica”.
Nesta pesquisa, o objetivo foi verificar se “há relação entre o que os Professores de Matemática, hoje em exercício, construíram quando foram alunos do Ensino Básico, e suas Concepções atuais sobre Aleatoriedade e Probabilidade?”

Substract
This article aims to present the partial results of the search for GONÇALVES (2004), whose title is "Conceptions [1] of Teachers and Teaching Likelihood Primary School." In this research, the goal was to verify if "there is link between what the Teachers of Mathematics, now in office, built when they were students of basic education, and its current concepts on Randomness and Likelihood?"
a
Nesta pesquisa, o objetivo foi verificar se “há relação entre o que os Professores de Matemática, hoje em exercício, construíram quando foram alunos do Ensino Básico, e suas Concepções atuais sobre Aleatoriedade e Probabilidade?” Em decorrência desta questão, elaboramos outras, dentre elas, o objeto do presente artigo.
“Quais são as concepções dos Professores de Matemática do Ensino Fundamental, em exercício, sobre o Aleatório e Probabilidade?”
Para responder a esta questão aplicamos um questionário a vinte Professores de Matemática do Ensino Fundamental em exercício. De posse dos questionários, realizamos nossas análises, qualitativa e quantitativa. A qualitativa se deu por meio do software C.H.I.C.[2].
Como referencial desta última análise, nos apoiamos em Goded (1996) que categoriza as Concepções de Probabilidade em:
A Não Probabilística da Realidade que se caracteriza pela ausência da compreensão do azar e de sucessos aleatórios. As respostas são baseadas em crenças, com modelos deterministas de raciocínio e suas explicações se apóiam em ocorrência de sucessos simples e imediatos.
A Probabilística Intuitiva que se caracteriza pela presença de alguma compreensão do azar e sua relação com sucessos aleatórios, porém em caráter parcial e junto aos modelos concretos. Os juízos heurísticos são fundamentais nos esquemas de resolução de diferentes situações.
A Probabilística Emergente que se caracteriza pela aceitação e compreensão das múltiplas representações matemáticas do azar. Há uma compreensão de alguns modelos probabilísticos e certa capacidade de aplicação em determinados casos, os mais familiares. Esta concepção supõe a presença de alguma instrução em probabilidade e estatística, ainda que seja de caráter inicial.
A Probabilística Normativa que se caracteriza pela profunda compreensão de modelos probabilísticos e sua aplicação em situações diversas. Apresentam habilidades para comparar e contrastar as diferentes situações aleatórias, em função dos diferentes modelos. (GODED, 1996 apud GONÇALVES, 2004, p. 108)
Vale ressaltar que, para esta questão, nossa hipótese era que encontraríamos nos Professores pesquisados Concepções relacionadas às abordagens Clássica e Formal de Probabilidades, dentre elas, o raciocínio determinista.
Na análise qualitativa dos questionários pudemos, de acordo com o conjunto de respostas ao nosso instrumento diagnóstico, de fato encontrar as quatro tipos de Concepções apresentadas, dentre elas um grupo de Professores que possui a Concepção Probabilística Normativa, ou seja, Professores que compreendem as diferentes abordagens e modelos probabilísticos e possuem habilidades para comparar, relacionar, construir exemplos e justificativas para diferentes situações.
Em nosso instrumento diagnóstico teríamos condições de constatar somente os enfoques Formal, Clássico e Frequentista de Probabilidades, pois as questões não foram elaboradas de modo a verificar a existência dos enfoques subjetivo e geométrico. Esta opção se deu após nossas análises em livros didáticos e orientações institucionais[3] das décadas de 70, 80 e 90, no qual não abordavam os dois últimos enfoques.
Com isso, podemos concluir que os Professores categorizados como tendo a Concepção Probabilística Normativa apresentam concepções relacionadas aos enfoques Clássico e Frequentista. Não identificamos e nada pudemos afirmar sobre a Concepção Formal ou Axiomática, pois não encontramos respostas que tivessem como justificativa qualquer elemento referente a esta abordagem.
Ambos os enfoques, Clássico e Frequentista, também foram contemplados em nossa análise quantitativa, pois em várias questões identificamos justificativas relacionadas ao raciocínio determinista e ao uso exclusivo da razão entre o número de casos favoráveis e o número de casos possíveis de um evento, características do enfoque Clássico.
Em relação ao ponto de vista Frequentista, constatamos a existência de um grupo de Professores de nossa amostra que mobilizam uma concepção de probabilidade associada a esse enfoque, pois validam situações aleatórias por meio da experimentação; além disso, distinguem a quantidade de lançamentos que são significativos ou não para tirar qualquer conclusão numa determinada situação e identificam os espaços amostrais eqüiprováveis e não eqüiprováveis.

Referências
ARTIGUE, M. Épistémologie et didactique. Recherches em Didactique des Mathématiques, Grenoble, v. 10, n. 2-3, p. 241-286, 1990.
GODED, P. A. Estudio de las Concepciones disciplinares de futuros Profesores de Primaria en torno a las nociones de Aleatoriedad y Probabilidad. Granada: Comares, 1996.
GRAS, R.; PETER, P.; BAQUÉDANO, S. L’analyse implicative pour l’étude d’un questionnaire de personnalité. PROCEEDINGS DES JOURNÉES EXTRACTION ET GESTION DES CONNAISSANCES EGC. Nantes, p.181-187, jan. 2001
GONÇALVES, M.C. Concepções de Professores e o Ensino de Probabilidades na escola Básica. São Paulo, 2004. 148 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
[1] Concepção segundo Artigue: “A noção de concepção responde de fato a duas necessidades distintas: Colocar em evidência a pluralidade dos pontos de vistas possíveis sobre o mesmo objeto matemático, diferenciar as representações e modos de tratamento que lhes são associados, colocar em evidência sua adaptação para a resolução de uma ou outra classe de problemas [...]” (ARTIGUE, 1990, p.265, tradução nossa)
[2] Software C.H.I.C., Classificação Hierárquica Implicativa e Coesitiva, que segundo Gras(2001): “As respostas de um questionário permitem determinar as características de comportamentos utilizando regras de um sistema ‘expert’, a análise implicativa, que permite verificar a adequação das questões nas características e validade das relações orientadas entre as características.” (GRAS, 2001, p. 181, tradução nossa)
[3] Chamamos de Orientações Institucionais, as orientações oficiais para o Ensino da Matemática.
Fonte da Imagem: (http://www.sindep.pt/)

Mauro César Gonçalves, mestre em Educação Matemática (PUC-SP), é professor de Matemática e Estatística na Faculdade Hoyler de Pedagogia - VGP.

Reflexões sobre a Avaliação (2005)

ALGUMAS REFLEXÕES FRENTE AO SISTEMA AVALIATIVO
Magda Cristina Fullan Bellini

Resumo
No Brasil, temos hoje, resumidamente, duas vertentes na prática avaliativa: uma é conservadora, tradicional, com avaliações pontuais que marcam o fechamento de uma etapa, uma ação meramente mecânica e a outra, uma visão transformadora articulada com o projeto pedagógico da escola.

Substract
In Brazil, we have today, briefly, in practice evaluative twofold: one is conservative, traditional, with assessments point to mark the closing of a step, a purely mechanical action and the other, a vision processing combined with the school's educational project.

Inúmeras publicações têm analisado a problemática da avaliação, tanto do ponto de vista da teoria como dos métodos pedagógicos.
No Brasil, temos hoje, resumidamente, duas vertentes na prática avaliativa: uma é conservadora, tradicional, com avaliações pontuais que marcam o fechamento de uma etapa, uma ação meramente mecânica e a outra, uma visão transformadora articulada com o projeto pedagógico da escola, sendo, uma avaliação diagnóstica pela qual o aluno participa do processo ensino/aprendizagem visando a melhoria da qualidade do ensino, que envolve o planejamento de seus instrumentos e seus dados como objeto de análise para que o professor situe o aluno no processo de ensino aprendizagem, redefinindo sua prática e formando assim o cidadão do futuro.
Nessa perspectiva, qual é a ação pedagógica que encontramos na sala de aula? Será que a teoria não reflete a prática? Existe diferença nessa prática quando se refere à escola pública e a escola privada?
Estamos em um novo milênio, em um mundo globalizado, onde a clonagem do ser humano agora é fato. A disparidade social entre os povos é imensa. Certos padrões que demarcavam a riqueza de um país caíram por terra; o computador que adquirimos hoje, amanhã é obsoleto onde o consumismo é frenético; onde os meios de comunicação transformam o mundo. Até que ponto a prática escolar atende o alunado para atuar nesse mercado de trabalho emergente?
A avaliação com provas e exames de finalidade na verificação de conteúdo e classificação estabelecendo a promoção e retenção, não atende às necessidades do meu aluno, que tem como direito atuar de forma consciente e participativa na sociedade.
Os meios que o aluno possui para obter informações são imensos, cabendo ao professor a tarefa de orientar seus alunos para pesquisar e selecionar essas informações. Ensinar o aluno aprender a aprender.
Será que a avaliação se instaura no âmbito educacional como elemento de poder de controle? Ranjard ( 1984) não dissocia a temática da avaliação da temática do poder. Ele se pergunta por que os professores adotam modos de notação cujos limites, arbitrariedade e aspectos negativos eles conhecem muito bem. Ranjard responde o seguinte:
Eles defendem um prazer de má qualidade, mas seguro, garantido, cotidiano. Um prazer que deve ser dissimulado para ser vivido sem culpa (...).
Esse prazer é o prazer do Poder com P maiúsculo. O professor é dono absoluto de suas notas. Ninguém no mundo, nem seu diretor, nem seu inspetor, nem sequer seu ministro, pode fazer nada contra as notas que ele atribui. Pois ele as atribui a sua alma e consciência. Com seu diploma, foi-lhe reconhecida a competência de dar notas ( o que não deixa de ser interessante! ). Sua consciência profissional é inatacável. E esse tipo de controle significa poder sobre os alunos. (Ranjard, 1984, p.94).[1]
Nessa perspectiva, saliento que este agir ou pensar de alguns professores não se encontra em um vazio, mas sim, inserido em um contexto histórico, marcado por uma educação extremamente elitista e tradicional.
Essa tradição de avaliações pontuais, que possue raízes profundas em nossas instituições, aparece até mesmo de maneira camuflada, recebendo outras conotações, como por exemplo, “Atividades Especiais”. Não perdendo assim o seu perfil classificatório.
No Trabalho escolar, a avaliação pode representar um terço ou mesmo de 40 a 50% do tempo de presença na sala de aula. No tempo de trabalho pessoal do professor, a preparação das provas e sua correção pesam muito. No entanto, esse componente da profissão raramente é mencionado.[2] Será que a avaliação tem outras nuances que o sistema educacional não detectou?
Nas escolas estaduais do Estado de São Paulo foi implantado o sistema de ciclos, suprimindo, portanto, a retenção. Será que somente isolando a retenção do processo, temos por resolvida essa problemática?
No dia-a-dia, o professor deve trabalhar com diversas atividades: escutar, falar, ler, escrever, uso de textos diversos, exposição, debate, recitação, reescrever, compor, corrigir, trabalho em grupo ou individual...
Diante de um número tão diversificado de atividades, o professor deve selecionar as atividades mais significativas para registrar as informações, compondo assim, um instrumento com informações relevantes e úteis ao processo de aprendizagem do aluno.
Segundo César Coll, a avaliação deve desempenhar duas funções: permitir ajustar a ajuda pedagógica às características individuais dos alunos por meio de aproximações sucessivas; e permitir determinar o grau em que foram conseguidas as intenções do Projeto Curricular.[3]
Em contrapartida, temos a avaliação do professor – aquele que avalia e classifica passa a ser avaliado. Como é feita essa avaliação? Quais são os critérios utilizados? Quais as pretensões dessas avaliações? Ela difere em seu mecanismo quando pública ou privada?
Na Busca de resposta, analisemos a afirmação de Mônica G Thurler: A Avaliação interna começa com um diagnóstico, por exemplo, das forças e fraquezas de um estabelecimento escolar, empreendido, em colaboração, pelos professores e a direção da escola ( quando ela existe ). As informações são, em princípio, acessíveis a todos. A forma mais simples da avaliação interna consiste em conduzir de maneira regular uma análise tão exaustiva quanto possível do funcionamento do estabelecimento escolar. Consegue-se assim recolher um conjunto de dados que permitirão compreender melhor a maneira como o estabelecimento escolar reage em face da mudança, antecipar os problemas que se tem de prever, compilar as estratégias de resolução mais eficientes, definir as prioridades da próxima etapa de desenvolvimento e enfim, os critérios de êxito para avaliar, ao final de um período determinado, a eficácia dos procedimentos.[4]
Os critérios utilizados para avaliar a competência profissional deve ter um caráter formativo, buscando identificar as necessidades de formação no seu desenvolvimento profissional e não ser uma avaliação punitiva.
Concluindo algumas reflexões que pontuei neste documento, percebo que a avaliação e a auto-avaliação são instrumentos enriquecedores do processo ensino-aprendizagem e também da formação de professores, uma vez que, estabelecida a reflexão sobre a própria prática e compartilhada em grupos, identificam-se os pontos positivos e negativos e definem os caminhos a serem percorridos pelo projeto pedagógico da instituição.
“A avaliação formativa situa-se em uma perspectiva pragmática, não tem nenhum motivo para ser padronizada, nem notificada aos pais ou à administração. Inscreve-se na relação diária entre o professor e seus alunos, e seu objetivo é auxiliar cada um a aprender, não a prestar contas a terceiros”.[5]

Bibliografia
COLL, César. Psicologia e currículo. São Paulo: Àtica, 1996.
PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências para Ensinar. Porto Alegre: Artmed, 2000.
–––––––––––– Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
THURLER, Mônica Gather. Inovar no interior da escola. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
[1] PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001, p. 80
[2] Perrenoud p. 81
[3] COLL, César. Psicologia e currículo. São Paulo: àtica, 1996
[4] THURLER, Mônica Gather. Inovar no interior da escola. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001 [5] Perrenoud, 1991, 1998b

Documentos oficiais
BRASÍLIA (Distrito Federal). Secretaria de Educação
Fundamental. Referenciais para formação de
professores. Brasília, DF: Imprensa Oficial, 1999.

Fonte da Imagem: (http://www.sinjusc.org.br/)

Magda Cristina Fullan Bellini – Mestre em Educação (UNISO), professora de Projetos Especiais em Ecologia e Educação ambiental na Faculdade Hoyler de Pedagogia - VGP.

Emoção e Pensamento (2004)

EMOÇÃO E PENSAMENTO
Elaine Puntel Ribas de Aguiar


(...) Que fazer desse sentimento
que nem posso chamar de sentimento?
Estou me preparando para sofrer
Assim como os rapazes estudam para médico
ou advogado.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Resumo
Uma das condições fundamentais para estudar o desenvolvimento da pessoa é considerá-la na sua interdependência com o meio social, cultural e geográfico. A ótica dos aspectos sociais interagindo no desenvolvimento do ser é uma constante nas idéias de Henri Wallon, afirmando que o intercambio social, desde os primeiros meses de vida da criança, são relações básicas que permitem a própria existência humana.

Substract
One of the fundamental conditions for studying the development of the person is considering it in its interdependence with the social, cultural and geographic. The perspective of social interacting in the development of being is a constant in the ideas of Henri Wallon, saying that the social exchange, since the first months of life, are relationships that allow the very basic human existence.

Neste texto, de caráter ensaístico, buscamos examinar a questão essencial das relações entre emoção e razão. Colocamos como perspectiva para esta análise os estudos de Henri Wallon que observando o desenvolvimento psicológico das crianças muito novas descobriu que a emoção possui a função de ligar a criança a seu ambiente, função que subsiste durante toda a existência.
Uma das condições fundamentais para estudar o desenvolvimento da pessoa é considerá-la na sua interdependência com o meio social, cultural e geográfico. A ótica dos aspectos sociais interagindo no desenvolvimento do ser é uma constante nas idéias de Henri Wallon, afirmando que o intercambio social, desde os primeiros meses de vida da criança, são relações básicas que permitem a própria existência humana.
No princípio da vida, a criança não tem meios próprios para agir sobre o mundo, tanto por uma questão biológica, quanto social, na qual a criança recebe seu papel na estrutura coletiva de que participa, estando suas atividades sujeitas às regras do grupo. No entanto, toda essa imperícia inicial deve ser superada por algo que ligue o meio social e o orgânico, inserindo a criança ao mundo. De outro modo correr-se-ia o risco de não completar a sua existência humana.
Os desejos e necessidades iniciais da criança só serão satisfeitos com a intervenção do outro. Sua existência é profundamente vinculada à dependência do outro, o que torna o homem como um ser intrinsecamente marcado por relações sociais. Este aspecto de sujeição exclusiva que no início a criança mantém com o outro é questionado por Wallon, que indaga o quanto à criança está funcionalmente adaptada a esta situação e quais fatores psicobiológicos resultam desta adaptação.
O autor encontra resposta às suas questões no campo emocional, conferindo às emoções o papel de fazer a articulação entre o meio orgânico e o social. Por intermédio delas o bebê provoca no outro algum comportamento que tenda à satisfação dos seus desejos e necessidades: estando com fome, ele chora. É pura expressão de que necessita de algo. Seu choro excita a mãe no sentido de ter algum comportamento sobre o filho. Desse modo, o choro propicia e garante o vínculo entre mãe e filho, o primórdio das relações sociais.As emoções passam a existir como uma necessidade fundamental que lhe faz desenvolver-se, inclusive seus meios de expressão.
Sem se constituir numa linguagem, a força de expressão existente nas emoções é basicamente o que mobiliza as pessoas a alguma realização, seja de quem a expressa, seja de quem a recebe. Wallon afirma que a emoção cria uma “ambiência interindividual”. Será esta ambiência aquilo que movimenta o ser em direção à diferenciação do eu? Para se agir no espaço visível das coisas e das pessoas, instala-se antes um espaço emocional, invisível, mas claramente identificável no seio das relações. Espaço emocional que se projeta no espaço físico-social possibilitando a integração e interação humana. Dessa forma, as emoções rompem os estados estáticos e lineares do mundo das pessoas e das coisas, levando-as a um estágio diferente de dinamismo e ação. É própria das emoções a reação diante das coisas do mundo como se estas fossem pessoas e reconhecerem intenções em qualquer encontro fortuito das circunstâncias.
Além dos desejos e necessidades a criança nasce com movimentos. Inicialmente, os movimentos do bebê estão voltados por suas impressões orgânicas desencadeados por automatismos. Para que exista ação necessita-se de recurso energético. Muitas vezes as emoções aumentam as disponibilidades energéticas. Dessa forma, é possível relacionar os movimentos com as manifestações expressivas das emoções.
A possibilidade de existir uma variação energética no organismo leva as emoções a se expressarem em diferentes movimentos. A emoção modela a si mesmo, dá ao organismo uma postura, um sinal correspondente à sua manifestação. Entre emoção e ação há uma interdependência, pois se não houver recurso energético, que a emoção provoca organicamente, na haverá ação. As emoções surgem como um instrumento humano de integração e de realização antes de qualquer aprendizado.
Por essas razões, Wallon considera as emoções como origem da consciência, como ponto de partida da consciência pessoal por exprimirem e fixarem para o sujeito algumas disposições específicas de sua própria sensibilidade. O fato de o autor colocar inicialmente um componente emocional e não intelectual no campo da consciência torna sua teoria muito singular. Pois, se consciência significa a união da realidade a sua imagem inteligível e também conhecimento de uma atividade psíquica, são das emoções que procedem as atividades intelectuais.
A consciência emerge das atividades sociais, numa recepção e fusão de diferentes ações operacionais, levando a distinções necessárias ao conhecimento das coisas e de si mesmo. O conhecimento só existirá se houver grupo social. As emoções unindo os indivíduos entre si por suas ações mais orgânicas e íntimas fazem surgir às estruturas da consciência.
As emoções se originam da vida orgânica e se realizam sobre o mundo objetivo, a vida social, tendo uma característica muito peculiar de possuir forte poder de contágio, fazendo nascer reações similares ou recíprocas no outro ao redor. Além dessa particularidade, as emoções também se diferenciam pelas atitudes específicas correspondentes e assim despertam a consciência do sujeito. A indiferenciação inicial do bebê, a sociabilidade sincrética, encontra meios de se diferenciar e se conscientizar. Das diferentes emoções nascem as representações mentais que se desenvolvem em verdadeiros instrumentos sociais, originando um sistema de relações propício para o exercício do pensamento.
As emoções constituem um sistema de expressão, embora não possuem nenhuma característica de um sistema de representação ou de atividade simbólica. Chegam mesmo a reprimirem o pensamento. Há existência de um antagonismo e incompatibilidade entre a atividade emocional e a intelectual. Aquilo que havia tornado possível a integração das atitudes entre os sujeitos e também o limiar da consciência possibilitando a relação intelectual entre eles, entra, logo em seguida, em conflito e lhe deixa impossibilitado de prosseguir. A oposição entre emoção e inteligência não comporta fusão e sempre existirão como dois níveis psíquicos diferentes e que regem um sobre o outro.
No início, a emoção estabelece uma comunhão dos indivíduos entre si, uma relação com o meio humano, articulando o orgânico e o social. Ao mesmo tempo em que há uma filiação entre o orgânico e o social, nasce entre eles uma relação antagônica, necessária para retrair a sociabilidade estreita de dependência que a criança tem com o outro. Para dissociar o que é seu do que é externo a si mesmo, necessita de análise e crítica, que é um poder intelectual e não afetivo. A emoção deve se reduzir, possibilitando tanto a diferenciação do eu, como o nascimento da função simbólica. Temos um movimento contínuo e durável de oposição entre emoção e intelecto, que não se supera, apenas se controla à medida que a representação domina a emoção. Ao contrário, quando as emoções são insufladas, acabam por desorganizar as percepções, obscurecendo o raciocínio, alterando as operações intelectuais que nos levariam a uma clara noção do real.
Não obstante, jamais existirá a possibilidade das emoções se extinguirem, pois elas sempre estarão na base das relações entre os homens e as coisas. Mesmo que a sociedade exija cada vez mais, o desenvolvimento das funções intelectuais para o conhecimento e domínio do mundo, as emoções estarão em alguma parte permeando as relações.
No mundo contemporâneo podemos observar o quanto as emoções estão sob a tutela das instituições sociais que tentam exercer uma função disciplinadora, bem como um processo de autoregulação que as circunstâncias do cotidiano ocasionam sobre elas. Compreendemos que não se consegue a serenidade nos comportamentos investindo um controle intelectual sobre as emoções, porém indagamos o quanto as instituições, e em particular as escolas, estão conscientes e instrumentalizadas para trabalharem com as emoções humanas.
Muitas vezes surgem problemas nas relações interpessoais ou da pessoa consigo mesma, que imobilizam ou dificultam as atividades intelectuais, são emoções que embasam e perpetuam as diferentes atividades do sujeito por todo seu processo de desenvolvimento. Não se pode pensar somente naquelas emoções violentas e arrebatadoras, pois nem por isso corrompem mais as atividades intelectuais do sujeito. Aquela mágoa silenciosa, pensamentos fixos no passado, o pessimismo, as lamúrias...Todas emoções autenticas que precisam adquirir relevância, serem revistas e elaboradas para o desenvolvimento total da pessoa.

Elaine Puntel Ribas de Aguiar, Mestre em Educação – USP, Professora de Psicologia da Educação da Faculdade de Pedagogia do Instituto Hoyler – VGP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, CARLOS DRUMMOND. A palavra mágica: poesia. Rio de Janeiro: Record,1998. Coleção Mineiramente Drummond.
DANTAS, P.da S. Para conhecer Wallon: uma psicologia dialética. São Paulo: Brasiliense, 1983.
WALLON, HENRY. As origens do caráter na criança.São Paulo: Nova Alexandria, 1995.
WEREBE, M. J.G. e NADEL-BRULFERT, J. (Orgs.). Henry Wallon. São Paulo: Ática, 1986.
Fonte da Imagem: (http://www.br.geocities.com/)

Leitura em tempos de Globalização (2004)

Leitura: velhas e novas práticas em tempos de globalização
Ana Lúcia Silva Souza

Criar meu website
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje
Que veleje nesse informar
(...)
Eu quero entrar na rede
Promover um debate...
(Pela Internet – música de Gilberto Gil)
Resumo
O presente artigo pretende suscitar reflexões sobre a importância da formação de bons leitores e a necessidade de jovens e adolescentes, principalmente, poderem usar a linguagem, seja ela oral ou escrita, nas diversas situações, com o objetivo de se inserir criticamente na sociedade que nos cerca. Dessa maneira, reafirma a leitura e a oralidade como elementos fundamentais para o exercício da cidadania.
Substract
This article aims to raise thoughts on the importance of training for good readers and the need for young people and teenagers, especially, can use the language, whether oral or written, in various situations, in order to fall critically in society that surrounds us. Thus, reaffirms the reading and orality as crucial to the exercise of citizenship.

O ato de ler e de falar, em ambiente privado ou público, está cada vez mais presente em um mundo que se proclama globalizado e no qual surgem rápidas mudanças provocadas pelas novas tecnologias digitais. Tais mudanças, já podemos perceber em nosso cotidiano, instauram diferentes maneiras de comunicação e de circulação de informações.
Gilberto Gil ilustra adequadamente esse contexto ao expressar o desejo e a realidade de parte da população do planeta: acessar a rede mundial de computadores e ler, conversar, pesquisar e comunicar-se usufruindo de mais esse bem socialmente produzido.

Aqui no Brasil
Também aqui no Brasil estamos imersos em um mar informatizado, banhando-nos nas águas das mídias mais modernas, que propiciam a recepção instantânea de notícias, a troca de idéias, a realização de pesquisas e até o acesso aos livros eletrônicos.
Há maior disponibilidade de acesso à rede de informações, mesmo para os setores da população com menor poder aquisitivo, proporcionando novas possibilidades de conhecimento e de comunicação. Contudo, a facilidade de acesso a essa rede não deprecia, muito menos invalida, as antigas formas de saber. Apesar de as novas tecnologias digitais terem feito emergir diferentes possibilidades de comunicação, elas não prescindem da linguagem escrita e oral, que continuam a desempenhar o papel de nos aproximar social e historicamente. A informática contribui com, modifica e junta-se às antigas práticas sociais de leitura.
Lamentavelmente aqui no Brasil ainda carecemos de um número maior de leitores que tenham condições, não apenas de acessar a Internet – repleta de textos que magnificamente incorporam imagens, cores, movimentos e sons –, mas também de entender, dialogar, criticar e propor maneiras de inserção dentro desse novo contexto. Quantos podem pode ler, criar, pesquisar, criticar, organizar melhor a sua vida servindo-se também da tecnologia?
Para isso, é necessário revermos o processo de letramento de nossos cidadãos. É sobre esse conceito que trataremos agora.

Letramento e práticas escolares
Letramento é aqui entendido como o conjunto das práticas e dos usos sociais tanto da leitura como da oralidade, realizadas pelos sujeitos em distintos contextos sociais e culturais. Portanto, o letramento requer, além de conhecimentos básicos em relação à língua e ao seu funcionamento, a capacidade de articular com habilidade esses conhecimentos, atribuindo-lhes valores. Tal domínio serve não apenas para enfrentar solicitações, de maneira autônoma, crítica e consciente, como também para intervir e modificar instâncias do entorno social, cultural, político e econômico em que vivemos (SOUZA, 2001: 181).
Assim, letramento diz respeito aos modos como os sujeitos vivem a linguagem e ao uso que dela fazem. Nas palavras de Magda Soares (1998: 72), é ...o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais.
A estrutura familiar, a religião, o grupo de amigos, a participação política, os meios de comunicação escritos e falados – o rádio, a televisão, o cinema, o teatro, os centros culturais – o trabalho, a escola, todas essas instituições são consideradas canais de letramento e de alguma maneira demandam e orientam o uso da linguagem escrita. Quanto maior é o acesso a tais instituições, maiores são as condições de os sujeitos ampliarem o uso da linguagem. Note-se que numa sociedade na qual as desigualdades sociais são cada vez mais gritantes, o acesso aos muitos canais de letramento, condição para que os sujeitos possam inserir-se socialmente e ampliar as práticas de leitura, continua sendo privilégio de alguns.
Das instituições acima citadas, a escola, ainda que não seja a única responsável pela inserção dos sujeitos no mundo letrado, inegavelmente desempenha importante papel. Principalmente a escola pública, que convive com altos índices de pobreza andando sempre de mãos dadas com interdições de toda a sorte.
Diante disso, ao elegermos o espaço educacional como objeto de reflexão emergem algumas questões dirigidas aos responsáveis pelo ensino e aprendizado de crianças, jovens e adultos, em especial das classes menos favorecidas: Quais têm sido as oportunidades de apropriação de conhecimento e de diferentes saberes no que se refere às práticas de leitura? Como têm sido discutidas as diversas formas de manejar esses saberes em diferentes situações e condições sociais? Enfim, como a escola tem inserido os seus estudantes num processo de letramento que dê conta das atuais exigências do sujeito, cidadão e profissional do mundo contemporâneo?
Caso as respostas não sejam bastante precisas mostrando a existência do contato com a cultura e a realidade diversificada dos estudantes, o esforço de pesquisa e de troca e o dinamismo isso pode indicar que temos problemas uma vez que este é o papel da escola. Uma escola que, de maneira sistemática, preocupa-se em criar o leitor usuário e produtor de linguagem, proficiente, crítico e com poderes até mesmo de reivindicar os meios adequados e necessários para promover e participar de debates.
Ao voltarmos no tempo, é possível perceber que, desde as formas mais simples de registro e expressão escrita até as mais complexas, o domínio da linguagem representou poder e sua difusão sempre esteve mais acessível a alguns poucos. Assim, o maior ou menor acesso à escrita esteve, e ainda está, ligado ao lugar que o sujeito ocupa na estrutura social e econômica; aspecto que diz, sem dizer, a que serviria a sua alfabetização ou escolarização.
Aqui no Brasil já passou da hora de oferecer aos estudantes o que Paulo Freire há muito chamou de leitura de mundo. Formar bons leitores é fundamental para qualquer sociedade que se pretende menos injusta e excludente.
As instituições que colaboram, formal ou informalmente, para a inserção das pessoas em um ambiente letrado, em especial a escola, devem estar atentas a essa questão, propondo atividades de leitura que permitam que os sujeitos leiam. Por prazer, por dever ou por necessidade mas leiam.
Um sujeito leitor pode para ler os mais diversos tipos de textos com variadas finalidades: ler contratos, bulas de remédio, manuais de instrução, códigos e leis, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente e os que dizem respeito aos direitos e deveres do cidadão; ler para seguir instruções, decifrando, por exemplo, o menu de ajuda do computador; ler para escrever relatórios, cartas de solicitação ou de reclamação; ler para verificar se entendeu a notícia do jornal; ler para apreender a intencionalidade do escritor; ler para obter argumentos para falar, defender-se, criticar e sugerir; ler para sintetizar; ler até mesmo para selecionar o que pode e deve ser lido, para organizar o tempo e a qualidade da leitura.
Um bom leitor deve ser capaz de ler com competência para atender os propósitos e a diversidade de funções que o texto adquire dentro e fora da escola. Portanto pode tanto ler matérias da Internet como ler um panfleto na rua.

O que faço com esse panfleto?
O que faço com esse panfleto? É o que constantemente nos perguntamos ao recebermos um folheto.
O simples ato de recebê-lo e não nos desfazermos dele de imediato abre a possibilidade de tomarmos contato e aproveitarmos os mais diversos tipos de informações escritas que circulam pela cidade.
Um panfleto, assim como qualquer outro texto, fala. E se sua função é comunicar, informar ou convidar para algo, às vezes é bom escutar, ou melhor, ler o que ele tem a nos dizer. Esse panfleto pode ou não trazer algo de interesse para o leitor. Para um professor, por exemplo, ele talvez possa servir de material para as suas aulas.
No caso do panfleto é possível pensar na mensagem nele contida, nos diferentes produtos e serviços oferecidos, nos seus aspectos textuais, nas razões do aumento do número de panfletos nas ruas, no perfil dos entregadores, na postura dos indivíduos diante da abordagem, na conservação ou não das vias públicas, na influência da mídia escrita, na globalização e nos seus efeitos, como a terceirização e o trabalho informal, etc.
Da perspectiva do letramento, há inúmeros e variado tipos de textos que dizem respeito ao contexto social no qual vivemos e situações aparentemente corriqueiras escondem trabalhos instigantes. A troca de idéias fará com que a leitura pareça não ter fim. Dessa forma, o exercício de ler, solitário, assume um caráter plural e coletivo..
O ato de ler permanente e cotidiano está presente em todas as nossas ações. Melhor ainda se realizado consciente e intencionalmente. Vale ressaltar que falar do exercício da cidadania implica, forçosamente, falar do domínio da linguagem tida e vivida como instrumento fundamental na articulação entre o saber e o poder em todos os níveis.

Com quantos paus se faz uma jangada, um barco ou uma canoa?
Podemos trabalhar com a metáfora da sociedade como um imenso tabuleiro de xadrez. Para participar do jogo é necessário conhecer as peças e as regras e muitas vezes reinventá-las, perguntando e respondendo sempre às seguintes questões: Como? Onde? Por que assim e não de outra maneira? Quem sabe possamos começar com perguntas do tipo O que faço com esse panfleto?
Para muitos educadores um trabalho desse tipo talvez signifique ensinar como ainda não ensinaram e mediar a construção de conhecimentos e práticas que porventura ainda precisam aprender. Se isso é mais um desafio, que o enfrentemos. Um primeiro passo é ser ou buscar ser leitor. Ponto.


Bibliografia
GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
SOUZA. Ana Lúcia. S. Negritude, letramento e uso social da oralidade. In: CAVALLEIRO, Elaine (org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001.
Fonte da Imagem: (www.dee.ufcg.edu.br)

Ana Lúcia Silva Souza – Professora de Sociologia Geral e Sociologia da Educação, Hoyler - VGP. Socióloga, Doutoranda em Sociologia (UNICAMP), Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP.

Os Caminhos da Leitura (2004)

OS CAMINHOS DA LEITURA
Ana Duarte Lenotti
Resumo
Muitas são as considerações possíveis para se entender o processo da leitura, sua definição, seu uso, sua implicação e sua valorização. Para todas as correntes de pensamento atuais, a leitura ocupa sempre um lugar de destaque nas reflexões sobre a sua importância como decodificadora do mundo.

Abstract
There are many considerations possible to understand the process of reading, its definition, its use, its implications and its recovery. For all currents of thought today, reading always occupies a place of prominence in the deliberations on its importance as decodificadora the world.

Com origem no termo latino legere = ler, ajuntar, reunir, recolher, colher, escolher, eleger, furtar, roubar, seguir, percorrer, deslizar (Cf. Quicherat), “o ato de ler se assemelha a uma colheita, com todos os seus requintes de procedimentos: observar, identificar, selecionar, relacionar” (Cardoso-Silva, 1997:23), processo que sempre está presente em toda leitura.
Tão antiga quanto a humanidade, a leitura vem acompanhando o homem mesmo antes do surgimento da escrita. Essa constatação levou Orlandi (1988:41) a afirmar que “toda leitura tem sua história. Leituras possíveis em certas épocas não o foram em outras, e leituras que não são possíveis hoje serão no futuro”. Fazendo um percurso pela história, podemos verificar como a própria história está incorporada nesse processo de leitura. Encontramos povos se orientando pelas estrelas, pelo sol, pela lua, pelo dia, pela noite, pelo vento... Buscando interpretações na fumaça, no som, nos gestos, no olhar, no silêncio, nas formas, nos desenhos... Evoluindo para a escrita e buscando significação nas letras, nas palavras, nas frases, nos textos, daí podermos constatar que o processo da leitura está associado à imagem criadora do homem, que a usa freqüentemente para dar vida ao que lê.
Historicamente, segundo Soares (1995:87), “a leitura foi sempre um ato social”, porque ela é uma interação verbal de indivíduos socialmente determinados: de um lado, o leitor, com todo o seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros e, de outro, o autor, também com o seu universo, seu lugar na estrutura social e suas relações com o mundo e com os outros. É, pois, entre esse leitor e esse autor que se estabelece uma interação como se fosse um diálogo, um processo de natureza social que determina a leitura e constitui seu significado. Em todos os objetos de leitura, quem lê trabalha com o contexto, vai tecendo o texto (que se origina do latim textum = tecido, tela, trama, entrelaçado) e dando-lhe significados, por isso é que se diz que todo objeto de leitura é um texto, comparado a um entrelaçamento de fios de um tecido que autor/leitor tecem juntos.
Para Lévy (1999:38), “desde suas origens mesopotâmicas, o texto é um objeto virtual, abstrato, independente de um suporte específico”.
Já Kleiman (2000:10) diz que “ao lermos um texto, qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso sistema de valores, crenças e atitudes que refletem o grupo social em que se deu nossa sociabilização primária, isto é, o grupo social em que fomos criados”.
No campo das definições, Kleiman (2000:12) defende a idéia de que “leitura é um processo psicológico em que o leitor utiliza diversas estratégias baseadas no seu conhecimento lingüístico, sociocultural, enciclopédico. Sua utilização requer a mobilização e a interação de diversos níveis de conhecimento, o que exige operações cognitivas de ordem superior, inacessíveis à observação e demonstração, como a inferência, a evocação, a analogia, a síntese e a análise que, conjuntamente, abrangem a linguagem, a compreensão, a memória. Não há leituras autorizadas num sentido absoluto, mas apenas reconstruções de significados, algumas mais e outras menos adequadas, segundo os objetivos e intenções do leitor”. Kleiman (2000:33) diz ainda que “do ponto de vista cognitivo, a leitura pode ser considerada um jogo de adivinhações. Assim como podemos reconhecer à distância uma pessoa conhecida, a partir de algumas características como altura, cor, maneira de caminhar, assim também, durante a leitura, podemos reconhecer estruturas e associar um significado a elas, a partir de apenas algumas pistas: mediante a identificação da forma da palavra e a nossa familiaridade com essa palavra”. Classifica o leitor sob dois pontos de vista: primeiro, o leitor proficiente, que possui uma flexibilidade de leitura. Ele não tem apenas um procedimento para chegar aonde ele quer, ele tem vários possíveis, um haverá de dar certo. Ele é capaz de reconstruir quadros complexos envolvendo personagens, eventos, ações, intenções para chegar à compreensão do texto, utilizando para tal muitas operações que não são foco de reflexão consciente. Segundo, o leitor experiente, que possui duas características básicas que tornam a sua leitura uma atividade consciente, reflexiva e intencional: primeiro ele lê porque tem algum objetivo em mente, sua leitura é realizada sabendo para que está lendo; segundo, ele compreende o que lê, o que seus olhos percebem seletivamente é interpretado, recorrendo a diversos procedimentos para tornar o texto inteligível quando não consegue compreender.
Falando sobre leitura, Trevisan (1992:111) diz que “consiste num processo de construção de sentido, cuja compreensão necessariamente vai ser influenciada por variáveis, tais como conhecimento lingüístico, conhecimento de mundo, crença, valores”.
Na leitura, há habilidades lingüísticas que têm correlações com a capacidade de ler: apreensão do tema e da estrutura global do texto, o tom, intenção e atitude do autor. Para Cardoso-Silva (1997:28), “o processo de leitura emprega uma série de estratégias (de seleção, de predição e de inferência) – amplos esquemas para obter, avaliar e utilizar informação – que são desenvolvidas pelos leitores para trabalhar com o texto a fim de que seja possível compreendê-lo e construir significados. Essas estratégias se desenvolvem e se modificam durante a leitura”. Cardoso-Silva diz ainda que “a leitura é sempre um ato, o ato da produção de sentido, que não está nem no texto nem no homem, mas na interação leitor-texto. É no ato da leitura que o sentido é produzido e o texto ganha existência para o leitor que dele se apossa”, daí que ler implica em penetrar no objeto de leitura para interagir com ele, para buscar no contexto o sentido pleno do que se lê, seja um texto escrito, um som, uma imagem, um signo.
Para Bellenger (1978:17), “a leitura se baseia no desejo. Ler é identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser um pouco clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se. É manter uma ligação através do tato, do olhar, do ouvido. As pessoas lêem com seus corpos. Ler é sair transformado de uma experiência de vida, é esperar alguma coisa. É um sinal de vida, de um apelo, uma ocasião de amar sem a certeza de que se vai amar. Pouco a pouco o desejo desaparece sob o prazer”.
Silva (1995:26) diz que “ler é um ato extremamente complexo, que necessita de sínteses interdisciplinares para ser explicado”. Já Freire (1982:42) defende a idéia de que antes da leitura da escrita deve-se exercitar a leitura de mundo, porque é ela que dá origem ao sonho por que lutamos e que vai sendo perfilado no processo da análise crítica da realidade.
Exercitando essa leitura de mundo, podemos dizer que lemos, quando decodificamos o sentido do enunciado. Lemos, quando interpretamos a mensagem contida no texto de acordo com a nossa visão de mundo. Lemos, quando trazemos a nossa história de vida para facilitar a compreensão do que o texto quer dizer. Lemos, quando somos capazes de argumentar sobre o conteúdo do que foi lido. Lemos, quando somos capazes de criar novos textos baseados nas várias leituras que fizemos ao longo da nossa vida. Lemos, quando conseguimos escutar o texto, quando “o recosturamos para abrir um meio vivo no qual possa se desdobrar o sentido”. (Lévy – 1999:63).
Dessa forma, podemos concluir que leitura é um processo sócio-histórico-cognitivo-interacional a que todos os seres humanos estão vinculados quando tentam interpretar toda e qualquer linguagem.


Ana Duarte Lenotti, Mestre em Língua Portuguesa – PUC/SP, Professora de Introdução à Semiótica e à Neurolingüística – Pedagogia; Professora de Língua Portuguesa e Coordenadora – Letras (Hoyler - VGP). E-mail: alenotti@yahoo.com.br


BIBLIOGRAFIA:
BELLENGER, Lionel. Os métodos de leitura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. Trad. de Flora Flaksman.
CARDOSO-SILVA, Emanuel. Leitura: Sentido e Intertextualidade. São Paulo: Unimarco Editora, 1997.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez, 1982.
KLEIMAN, Ângela. Oficina de leitura: teoria e prática. Campinas: Pontes, 2000.
LÉVY, Pierre. O que é virtual? São Paulo, 34, 1999.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 1988.
SILVA, Ezequiel Teodoro. Leitura ou “Lei-dura”? In: ABREU, Márcia (org). Leitura no Brasil: Antologia comemorativa pelo 10º COLE. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
SOARES, Magda Becker. Natureza interdisciplinar da leitura e suas implicações na metodologia do ensino. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura no Brasil: Antologia comemorativa pelo 10º COLE. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
TREVISAN, Eunice Maria Castegnaro. Leitura: Coerência e Conhecimento Prévio. Santa Maria: Ed. da UFSM, 1992.
Fonte da Imagem: (www.tecnotrekos.blogtv.com.pt)

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Montaigne - Do útil e do Honesto (2005)

Montaigne e seu apego à virtude
F.V. Carvalho

Resumo

A fraqueza e o zelo se confundem nas declarações de Montaigne, procurando evidenciar um pouco da natureza humana ao revelar-se a si mesmo através deste fabuloso ensaio. Ponteado de colocações ciceronianas, ora maquiavelianas, ele inicia uma discussão que tem como pano de fundo a sua própria experiência na vida pública, que consistia, mais das vezes, em viver uma não verdade diante de todos, do que a autenticidade que ele tanto buscava.

Abstract

The zeal and weakness in the declarations of Montaigne, looking a little evidence of human nature to prove to be yourself through this fabulous test. Marked of ciceronians standings, sometimes maquiavelians, he starts a discussion that has like backdrop its own experience in public life, which was, more often, live in a no truth in front of everyone, the authenticity of what they both sought. Their imperfections often could compress and force him to seek the answers, that he does not always reached.


“Ninguém está isento de dizer tolices. O infortúnio está em dizê-las compenetradamente”.

A fraqueza e o zelo se confundem nas declarações de Montaigne, procurando evidenciar um pouco da natureza humana ao revelar-se a si mesmo através deste fabuloso ensaio. Ponteado de colocações ciceronianas, ora maquiavelianas, ele inicia uma discussão que tem como pano de fundo a sua própria experiência na vida pública, que consistia, mais das vezes, em viver uma não verdade diante de todos, do que a autenticidade que ele tanto buscava. Suas imperfeições muitas vezes o comprimiam e o forçavam a buscar as respostas, que nem sempre ele alcançava.
Dizer o que se pensa à sua hora e depois tergiversar, mudar, ainda que seja o tom, não significa necessariamente trair-se e colocar a vontade sob a submissão de um interesse transitório e temporal. Também não é tirar proveito daquilo que é útil e não nega a sua superioridade. Esta liberdade, não tão uniforme, contradiz a lógica dos que se mantém, porque preferem o honesto ao útil. Talvez a cumplicidade seria maior na busca de um comportamento que não condissesse com nossos desejos íntimos.
Montaigne se mostra zeloso por suas virtudes, mas não nega que os vícios também disciplinam a manifestação da bondade e a equilibram.

“... As minhas me escapam tão despreocupadamente[1] quanto merecem.”

O termo nonchallamment será um termo chave. A sua nonchallance ainda não encontrou a sua melhor tradução na interpretação moderna. Ela vai se contrapor a curiosement[2], formando um campo de idéias adjacentes ao tema principal. Sua citação de Terêncio mostra que ele examinava as obras antigas em busca de respostas que pareciam não estar disponíveis em autores da sua época. Por outro lado, sua admiração por La Boétie e suas colocações maquiavelianas demonstram que ele buscava um meio termo entre o estoicismo de Cícero e o rigor de Maquiavel.

“... Tibério a recusou, estando em tão grande causa ...”

Na discussão do tema principal “Do útil e do honesto”, ele principia pelo exemplo da história romana - de Tibério e sua atitude para com o seu inimigo Armínio. A utilização de um exemplo tão contraditório, pois ele mesmo concorda que Tibério era um salafrário, para designar a escolha do honesto ao invés do útil (“deixou o útil pelo honesto”), vem reforçar suas palavras seguintes: “nosso edifício público e privado é cheio de imperfeição.”
Ao que parece uma justificativa para o comportamento humano, mas sua análise não é superficial, pois ele tenta descobrir o íntimo dos sentimentos humanos ao incluir Lucrécio:

“... Suave, mari magno, turbantibus aequora ventis,
E terra magnum alterius spectare laborem.”[3]

O que se mostra, para Montaigne, é que somos isso mesmo – contraditórios. Cheios de imperfeições e qualidades doentias. Como se a virtude se esforçasse para vir à tona. Mas ele acredita que isto tem o seu lugar e utilidade no funcionamento de nosso ser. E se fosse possível tirar de nós estes “defeitos", deixaríamos de ser humanos, perderíamos “as condições fundamentais de nossa vida”.
Saindo do privado e dirigindo-se à vida pública, ele parece criar uma justificativa para o comportamento da classe política: “nela os vícios tem seu lugar.”
Se Cícero, que colocava que só é útil o que é honesto e que “a utilidade nunca deve lutar com a honestidade” (Cícero, III, 347), neste trecho ele parece ser mais maquiaveliano, pois acredita que a utilidade da execução do cargo público pede este comportamento das lideranças: “o bem público requer que se traia, que se minta e que se massacre.” Maquiavel afirma que “a condição humana é tal que não permite a posse delas (boas qualidades), nem a sua prática consistente.” (Maquiavel, 100).
No entanto, ele acha que este papel – o de exercer as “obrigações necessárias, mas também viciosas”[4] é um papel para os cidadãos mais vigorosos e corajosos. Para os mais “fracos”[5] ficam os outros papéis. No entanto, ele se inclui entre os mais fracos, dando a entender, claramente, que não era para ele aquele comportamento do setor político e público.

“... senti desgosto vendo juízes induzirem, por fraude e falsas esperanças de favor ou de perdão, o criminoso ...”

Para Montaigne, este tipo de comportamento, só é útil à justiça. É ”uma justiça maldosa”[6] mas não é apropriada a ele. Embora ele ache alguns males necessários ao funcionamento do edifício humano, ele busca se caracterizar particularmente – “e não apenas odeio enganar, mas odeio que se enganem sobre mim.”[7]

“... eu me apresento com minhas opiniões mais vivas, e de minha forma mais própria.”

Falando de suas negociações com os príncipes, ele afirma que se apresenta como de fato é, com ingenuidade[8] e liberdade[9]. Este seu proceder o livraria de suspeitas e com isso, seu crédito, já nos primeiros contatos seria obtido. O contrário se passaria com seus interlocutores, que se mantinham encobertos, apresentando-se e fazendo-se mais moderados e chegados tanto quanto fosse possível.
Na sua colocação – “não pretendo outro fruto ao agir do que o agir, e não vinculo a ele longas cadeias de intenções. Cada ação faz particularmente seu jogo: acerte, se puder”[10] – vemos sua naturalidade de buscar em cada ato um resultado para aquele único momento. A trama de ações e de intenções não fazia parte do seu proceder. Parecia agir e pensar no momento ou tendo apenas uma coisa em vista e não um desencadeamento de ações e conseqüências.
Porém, parecia justificar-se para revelar seu verdadeiro sentimento para com os príncipes. Seu sentimento por eles não era mais nem menos do o que deveria sentir. Não havia interesses por detrás. Como estava seguro do que dizia e não tinha comprometimentos que o pudessem prejudicar poderia falar e se sentir seguro – “todas as intenções legítimas e eqüitativas são por si mesmas equânimes e temperadas, caso contrário alteram-se em sediciosas e ilegítimas. É isto que me faz andar por toda parte com a cabeça erguida, com o rosto e o coração abertos.”[11]

“... Em verdade, e não temo confessar, levaria facilmente, se fosse preciso, uma vela para São Miguel e outra para seu dragão ...”

A contradição humana é levada ao extremo por Montaigne. É como se dissesse: permitam-me ser eu mesmo o tempo todo; e se sou contraditório, que eu seja assim também. Ora, aqui ele se revela pela utilidade – e se ela o levar à ruína, ou se ele sair perdendo com isso, que assim seja. Não está repleta a história de exemplos semelhantes?
Contudo, ele vê que esta posição é mais fácil para homens privados. Como poderia o político esperar a definição para depois tomar a decisão. Parece de fato muito mais difícil. Com propriedade ele cita Tito Lívio para justificar o seu comentário:

“... Ea non media, sed nulla via est, velut evcentum expectantium quo fortunae consilia sua applicent”[12]

Para Montaigne, seria uma espécie de traição ter este procedimento na vida privada. É necessário nestes casos tomar partido. Vejamos, aqui ele se mostra pela honestidade, ou seja, não seria honesto não tomar partido. Parece estoico, pois vemos aproximar-se de Cícero “”o honesto que conseguimos entender deve ser tão protegido e conservado por nós, quanto aquilo que própria e verdadeiramente se diz honesto deve ser conservado pelos sábios.” (Cícero, III, 350)
Daí, ele volta ao público e diz que isto convém a eles, embora faça questão de frisar que esta justificativa não serve para ele. Ficar em cima do muro, usual para nós hoje, parece que é exatamente isto que não pode acontecer com a classe política, a não ser em caso de política estrangeira. Porem, a prontidão na resposta pode levar a “querelas desproporcionais”. Este procedimento apenas revela o lado humano no comportamento de quem detém o poder: “não é a causa que os acalora, é se [próprio] interesse: atiçam a guerra não porque é justa, mas porque é guerra.”[13]
E para os que são da vida privada, nada os impede de poderem se portar, tanto diante de um como do outro, com lealdade e comodamente. É como “deslizar por águas turvas sem nelas querer pescar.”[14]
Um comportamento diferente deste seria arriscado. Pois aqueles que levam e trazem, oferecendo-se ao serviço de um, em detrimento e traição de outro é tido por mau também da parte daquele que recebe o favor. Quem se beneficia deste procedimento (dos homens dúplices) são os que recebem a informação – guardam-se para que aquele leve o menos possível.
Já para Montaigne, ele não vê motivação ou utilidade que o possa levar a mentir a um ou a outro. “Sempre soube mais da parte deles do que quis. Um falar aberto abre outro falar e o traz para fora, como fazem vinho e amor.”[15]
E para justificar o seu comportamento diante dos príncipes, ele cita Filípides, na sua resposta ao rei Lisímaco, que lhe perguntava:
“... Que queres que te comunique de meus bens? O que quiseres, contanto que não sejam teus segredos.”[16]

Mas ainda assim, buscando a honestidade no proceder, conforme vimos claramente nesta situação, Montaigne confessa que se deve “servir de instrumento de engodo, que ao menos esteja preservada a ...(sua) consciência.”[17]
Mas ele sabe e comenta daqueles que não aceitam este tipo de serviço. Ou seja, um serviço limitado, preso às necessidade de apaziguar uma consciência. Pessoalmente Montaigne não vê remédio. Em meio a esta turbulência de contradições não seria possível trair uma única coisa: a sua consciência – “escravo não devo ser senão da razão”; e completa para que nós, seus leitores possamos coadunar com suas colocações iniciais “e nem isso consigo muito bem.”[18] É interessante perceber, que as aparentes contradições sempre encontram um proceder lógico, seja no âmbito da consciência, seja no campo das ações:

“... as vontades e os desejos fazem suas próprias leis; as ações tem que as receber da ordenação pública.”[19]

Para Montaigne, existiam caminhos “menos contraditórios” ao seu gosto e “mais conformes” à sua capacidade. Tudo isso para justificar que não eram do seu feitio as ocupações públicas, das quais ele acha que se retirou em boa hora. Para ele, não dá para participar deste “negociar”, sem dissimulação e mentira. Sua revelação é surpreendente: “nelas [ocupações públicas] me mergulharam até as orelhas, e com sucesso.”
Porém, sua busca da honestidade, que até aqui se mostra presa à sua consciência e à sua vontade parece ceder a utilidade quando ele afirma que: “se ela [a fortuna] me houvesse chamado outrora para o serviço público e para meu ganho de crédito no mundo, sei que eu passaria sobre a razão de meus discursos para seguí-la.”[20] É como se dissesse – cada homem tem o seu preço, a despeito de sua consciência.

“... Aqueles que dizem comumente contra o que professo, que isto a que chamo franqueza, simplicidade e espontaneidade em meus costumes, é arte e finura: antes prudência que bondade, indústria que natureza, bom senso, que boa sorte, conferem-me mais honra do que tiram.”

Parece falar aos seus críticos, talvez aqueles que o desmereceram por ele abandonar a vida pública, por não achar que ela era para ele e também parece falar para si mesmo, como se justificasse o seu proceder e quisesse explicá-lo. Para quem o olhasse com atenção, perceberia, que nas rotas tortuosas da sua aparente contradição existe um movimento natural, mas que não pode ser delimitado a uma regra.

“... O que se assenta melhor a alguém é o que lhe é mais natural.” (Id maxime quemque decet quod est cujusque suum maxime) (Cícero, I, 31)

Suas ias e vindas ao público e privado mostram quão diferentes eles as via como modelo de ação e consciência. Parecia acreditar firmemente que o engodo [engano] tem o seu lugar. Na sua compreensão do mundo ele até afirma que “há vícios legítimos, como muitas ações, boas ou justificáveis, ilegítimas.”[21]

Mais uma vez, suas referências a Cícero são uma busca de mostrar um caminho de honestidade e da sujeição da utilidade à honestidade. Pois para ele, a justiça em si, natural e universal (uma referência indireta ao direito natural), tem “regras diversas e mais nobres do que a justiça especial, nacional, condicionada à necessidade das comunidades políticas.”[22]

“... Não temos modelo sólido e exato do direito verdadeiro e da justiça perfeita; dispomos apenas de uma sombra e de uma imagem.” (Veri juris germanaeque justiciae solidam et expressam effigeam nullam tenemus; umbra et imaginibus utimur) (Cícero, III, 17)

E citando o exemplo de Diógenes, mostra que o estabelecimento do estado e do seu tipo próprio de justiça e de lei faz estabelecer por permissão e por persuasão muitas ações viciosas, as quais, apenas o direito de estado as justifica:

“... Há crimes instigados pelos senatus-consultos e plebiscitos” (Ex senatusconsultis plebisquescitis sclera exercentur) (Sêneca, Epístolas, XCV)

Neste ponto ele afirma que segue a linguagem comum, que faz diferenciação entre o útil e o honesto. Poderia ser diferente, já que ele apenas parcialmente parece concordar com Cícero? Em Montaigne, não parece a utilidade sujeitar-se à honestidade como vemos em Cícero: “não é lícito que o que é verdadeiramente honesto seja comparado a uma utilidade que se lhe opõe.” (Cícero, III, 350)
Ainda da traição, ele se detém no exemplo dos pretendentes ao reino da Trácia. O traidor, que matou seu oponente, foi igualmente traído por outro traidor, a mando do estado romano. Justiça foi feita, mas com traição. A utilidade (necessidade de cumprimento da justiça romana) subjugou a honestidade (traição de alguém).
Assim, ele mostra que este tipo de ação não é para ele, como anteriormente ele já havia dito e reafirmado. Por opção e por escolha, ele manifesta repetidas vezes sua intenção de seguir a sua consciência e a sua vontade. E se fosse convidado reagiria como os lacedemônios: “podeis nos incumbir de tarefas pesadas e penosas, tanto quanto vos agradar, mas vergonhosas e desonestas, perdereis vosso tempo em nos dar.” [23](sujeição da utilidade à honestidade). Sua defesa é a história, os exemplos lhe caem tão bem, que parece argumentar em função deles. Porém, sua consciência indica o caminho e este é o de realizar a sua vontade. Ele também se esconde na proteção que o seu comportamento lhe trará – aquele que contrata o traidor também o trairá. Montaigne vê uma justificativa para a perfídia: “quando se emprega em punir e trair a [própria] perfídia.”[24] As histórias de Jarolpec[25] e do seu remorso depois de empregar o engano, a de Antígono ao persuadir outros a trair Êumenes, a do escravo que delatou Sulpício, o de Maomé II que mandou um oficial matar o próprio irmão e a do rei francês Clóvia que induziu três servos a traírem Canacre, mostram as conseqüências para quem serviu de instrumento de traição.
Para Michel de Montaigne, mesmo para aqueles que “nada valem”, após tirarem proveito de sua falta de caráter ao promover ações tão viciosas, realizar algo que tenha algum traço de justiça, lhes serve como tentativa de aplacar a consciência. Isto sem contar que conseguem o silêncio do instrumento de tal malefício.
Assim, se torna mais execrável, aquele que se subordina ao cumprimento de tal ação.

“... Além da vileza de tais incumbências, há a prostituição da consciência.”

Esta busca da utilização da utilidade para o cumprimento da vontade soberana do estado encontra nos “homens perdidos” o instrumento ideal para a execução daquela que pode ser considerada “tarefa tão útil quanto pouco honesta.”[26] Embora, às vezes, Montaigne permita que a utilidade tome o seu curso, ele não deixa de caracterizar a vileza dos atos e a falta de honestidade presente neles. Para ele, a lei “é escrava do interesse público”[27], e entenda-se público, por aqueles que governam.
Os exemplos seqüenciais são pesados e difíceis, dada a sua natureza, mas a citação deles por Montaigne, demonstra que ele queria levar o assunto com profundidade: é o caso da filha de Sejano (violentada antes de ser morta, porque uma virgem não poderia sofrer a pena) (Tácito, Anais, V, 9-10), do rei Amurat I (que “ordenou” um parricídio para punir o parricídio que ele sofrera), dos infelizes que enforcavam os seus amigos para garantir a própria vida). São exemplos extremos e que mostram como a utilidade se põe a serviço do poder para a execução da sua vontade.

“... Mas que evite procurar pretexto para o seu perjúrio.” (sed videat ne quaeratur latebra perjurio) (Cícero, III, 29)

O príncipe, para Montaigne, tem defesa de suas ações, podendo excusar-se de seus erros afirmando que deixou de realizar o seu dever por razões superiores. Vício, certamente não, é o infortúnio. Mas se ele de fato foi pressionado (ou por uma circunstância urgente ou por um acidente relativo à exigência de estado), era mister fazê-lo. Mas se o fez sem sofrer (sem pesar, não lhe custou), é sinal de que sua consciência está em mau estado.
Aqui vemos a ênfase que permeia todo o texto – a preocupação de Montaigne para que o homem se mantenha fiel aos preceitos de sua consciência. Inclusive o príncipe. Mas mesmo aquele que titubeia, não receberia menos apreço por parte de Montaigne.

“... Nós não podemos tudo.”

Em casos extremos, para ele “é preciso freqüentemente, como a última âncora, confiar a proteção de nossa nau à condução do céu.”[28] Ou seja, a fé é o último recurso face a coisas e atitudes que colocam em risco “a sua própria salvação.”[29] E se assim agir, seguindo com serenidade e convicção os ditames da consciência, não deveria esta pessoa esperar que o Onipotente interceda e tenha misericórdia?

“... São exemplos perigosos, exceções raras e malsãs às nossas regras naturais. É preciso ceder, mas com grande moderação e circunspecção.”

O trabalho de Montaigne ao trazer-nos todos estes exemplos é colocar-nos face a nossa vulnerabilidade diante destes casos extremos. Somos traídos por nossa consciência ao fazermos avaliações e julgamentos com muita facilidade. Colocar a utilidade acima da honestidade resulta tão perigoso quanto ignorá-la no serviço público. A “moderação e circunspecção”[30] é que devem orientar as ações fruto da reflexão da consciência e decisões da vontade.
Os exemplos anteriormente aplicados por Montaigne mostraram o fim dos executores da traição. Mas na história de Timoleão, ele mostra um caso diferente. A oportunidade que Timoleão teve de resgatar a sua justificação foi enfrentando dificuldades e asperezas, as quais ele tinha que vencer, pois do contrário sua sentença era certa.
Mas o exemplo do senado romano (poder público), que com o pretexto de aumentar a sua receita muda o seu veredicto em relação a uma sentença anteriormente dada, indigna Montaigne, que fala: “horrível imagem de justiça!”[31] E “punimos os privados [homens] por terem acreditado em nós.”[32] É o estado a sobrepor-se ao homem e esmagando os seus direitos (naturais) sob a razão (soberana) do estado.
A revelação máxima, a meu ver, da consciência de Montaigne empurrando-o para o cumprimento do dever (honestidade) é o exemplo dos ladrões que o prendem e só o libertam sob o juramento de que ele pagará o resgate:

“... Enganamo-nos ao dizer que um homem de bem estará desobrigado de sua palavra sem pagar, quando estiver livre de suas mãos. De modo algum.”


[1] Nonchallamment – Tambem traduzido por: desacaloradamente, tranquilamente, serenamente
[2] Curiesement – Tradução: compenetradamente, com cuidado; cuidadoso; forjado, fingido.
[3] “É doce, quando sobre o vasto mar os ventos agitam as águas, assistir da margem ao sofrimento de outro”
[4] Essays, 79
[5] Idem
[6] 79
[7] 79
[8] Naifveté – Tradução: candura (Sérgio Malta); franqueza (Sérgio Milliet)
[9] Liberdade no falar
[10] 81
[11] 81
[12] “Isso não é tomar o caminho do meio, mas sim, tomar nenhum caminho. É esperar o acontecimento para colocar-se ao lado da fortuna.” Tito Lívio, XXXII, 21.
[13] 84
[14] 84
[15] 84
[16] 85 (Conforme Plutarco – Da Curiosidade, IV)
[17] 85
[18] 85
[19] 85
[20] 86
[21] 87
[22] 87
[23] 89
[24] 89
[25] 90
[26] 92
[27] 92
[28] 93
[29] 93
[30] 93
[31] 95
[32] 95
Fonte da Imagem: (hua.umf.maine.edu)

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